Na última semana, após receber notificação extrajudicial da Advocacia-Geral da União (AGU), a plataforma TikTok precisou excluir de sua rede social vídeos que tratavam da chamada "odontologia biológica". A notificação foi enviada pela Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), após analisar uma demanda apresentada pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO) e receber manifestação técnica da Coordenação-Geral de Saúde Bucal do Ministério da Saúde.
O termo se refere a um conjunto de práticas não reconhecidas como especialidade odontológica que se caracteriza por procedimentos pseudocientíficos sem respaldo técnico, ético ou legal, além de violar diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB).
“O termo costuma ser utilizado por alguns profissionais para descrever práticas apresentadas como ‘mais naturais’ ou ‘menos invasivas’, geralmente associadas à ideia de que a saúde bucal se conecta a outros órgãos e sistemas do corpo. No entanto, não é reconhecido como especialidade ou habilitação pelo CFO”, pontua a doutora em odontologia Laís Mattos, gerente pedagógica do Grupo Kefraya.
Nos vídeos publicados no TikTok, foram encontrados conteúdos que desencorajam, por exemplo, o uso do flúor - o que contraria, inclusive, uma diretriz internacional que reduziu a cárie em até 60% nas últimas décadas. Além disso, entre os conteúdos havia ainda a atribuição de tratamentos dentais como canal, amálgama e contenções ortodônticas a câncer e doenças neurodegenerativas.
Na notificação, a PNDD afirma que os vídeos induzem o público a erro, desestimulam o seguimento de tratamentos eficazes e colocam em risco a saúde coletiva. "Esses vídeos não apenas colocam em risco a saúde da população e prejudicam a implementação eficaz da Política Nacional de Saúde Bucal, mas também veiculam manifesto conteúdo desinformativo, pois divulgam informações falsas sobre tratamentos odontológicos com o claro objetivo de auferir vantagem econômica indevida”, diz trecho do documento.
“Procedimentos como extrações dentárias sem indicação real, remoções de restaurações de amálgama sem necessidade, podem levar a dor, infecções, perda de dentes saudáveis e atrasos no diagnóstico de doenças reais”, explica Laís Mattos. “Além disso, muitos desses tratamentos são financeiramente onerosos, sem que exista garantia de benefício. Do ponto de vista ético, profissionais que se apresentam como ‘biológicos’ podem estar infringindo o Código de Ética Odontológica, já que utilizam títulos e condutas não reconhecidas oficialmente”, alerta.
Como identificar conteúdos sem respaldo científico?
O público leigo pode recorrer a algumas estratégias para identificar quando um conteúdo traz informações sem respaldo científico. A especialista Laís Mattos cita alguns comportamentos que podem ser captados por quem acessa esses conteúdos. “Ausência de referências científicas confiáveis ou a citação de estudos sem revisão por pares, promessas de cura milagrosa, imediata e sem riscos e o uso de termos vagos ou sensacionalistas, como ‘desintoxicação dentária’ ou ‘toxinas invisíveis’, são alguns dos principais indícios de que o conteúdo possa ser considerado pseudociência”, enumera.
“Também são comuns teorias já desmentidas pela ciência, como a ideia de que um tratamento de canal deixaria o dente ‘morto’ e causaria doenças sistêmicas, ou de que o flúor seria prejudicial à saúde, quando na realidade é seguro e eficaz na prevenção da cárie”, acrescenta.
E ao identificar esse tipo de situação e desconfiar de que a informação é falsa ou se refere a uma pseudociência, o internauta pode consultar aquela informação nas fontes oficiais, como os conselhos regionais e federais de odontologia, universidades e sociedades científicas. “Ao lidar com pacientes ou colegas, a orientação deve ser feita com clareza, explicando de forma acessível que aquela prática não tem comprovação e pode oferecer riscos”, orienta Laís.
“Também é importante não contribuir com a circulação de conteúdos enganosos, em vez de compartilhar críticas diretas que podem aumentar o alcance da desinformação, a melhor estratégia é divulgar informações corretas e de fontes seguras”, sugere. “Quando um profissional se apresenta com títulos ou práticas não reconhecidas, cabe comunicar o fato ao Conselho Regional de Odontologia, para que sejam avaliadas possíveis infrações éticas”, orienta.