A Justiça Federal no Distrito Federal concedeu uma liminar à farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, que "devolve" a patente da liraglutida, princípio ativo de medicamentos como Victoza (para diabetes tipo 2) e Saxenda (para obesidade). O Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) ainda pode recorrer da decisão. A liraglutida é uma molécula "irmã" da semaglutida, de Ozempic e Wegovy.

A patente, que já tinha vencido, foi estendida por mais oito anos, cinco meses e um dia, garantindo à empresa a exclusividade na produção e comercialização do remédio. A sentença reconheceu que a demora do Inpi para conceder a patente foi "desproporcional e injustificada" e, por isso, a Novo Nordisk obteve a extensão como compensação.

O Inpi demorou mais de 13 anos para analisar o processo de registro de exclusividade. De acordo com a legislação brasileira, o prazo de patentes começa a ser contado a partir do momento do pedido, mas a empresa só adquire exclusividade sobre o produto após obter o documento. Ou seja, dos 20 anos máximos a que teria direito à exclusividade sobre o remédio por lei, a empresa só usufruiu de sete anos.

"A decisão da Justiça Federal reconhece que a demora excessiva na análise de patentes não pode penalizar a inovação. O que buscamos é segurança jurídica para continuar 
investindo e trazendo ao Brasil os tratamentos mais modernos à população como um todo. 

Um ambiente de previsibilidade é fundamental não apenas para a indústria farmacêutica, mas para todo o ecossistema de inovação do país. Sem a garantia de que o direito à patente será respeitado e o exame ocorrerá em um prazo razoável, o Brasil corre o risco de ficar para trás no acesso a novas tecnologias em saúde", disse Ana Miriam Dias, diretora jurídica da Novo Nordisk no Brasil, em comunicado à imprensa.

O fim da patente permitiu o lançamento de duas canetas à base de liraglutida pelo laboratório brasileiro EMS: Olire (para obesidade) e Lirux (para diabetes tipo 2), em agosto. A concorrente deve sair prejudicada pela decisão. O UOL procurou a EMS para comentar o caso, mas a empresa disse que não vai se manifestar.

NOVO NORDISK JÁ LUTA NA JUSTIÇA PARA ESTENDER PATENTE DO OZEMPIC

O Laboratório dinamarquês já levou seu pedido de extensão da patente da semaglutida (o princípio ativo de Wegovy e Ozempic) ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Desde abril, o recurso da farmacêutica foi autuado e agora aguarda que a corte decida se vai julgar ou não o caso.

Patente da Novo Nordisk tem validade até 20 de março de 2026. No entanto, desde 2021, a companhia pede a prorrogação este prazo. O pedido já havia sido negado nas instâncias inferiores, no TRF-1, em Brasília, até que a empresa decidiu recorrer da decisão no STJ. O processo foi distribuído à ministra Maria Isabel Gallotti.

Assim como no caso da liraglutida, o principal argumento da empresa para defender a extensão de sua patente foi a demora para consegui-la. A Novo Nordisk entrou com o pedido em 2006, mas apenas em 2019 recebeu a patente. Em 2021, o STF julgou -por meio da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5529- que todas as patentes poderiam durar, no máximo, 20 anos. Assim, colocou um fim à "brecha" no artigo 40 da LPI (Lei de Propriedade Intelectual) que permitia extensões.

Antes da ADI de 2021, a LPI permitia o ajuste dos prazos de patentes em caso de grandes atrasos por parte do Inpi na concessão. No entanto, o STF declarou o ajuste automático inconstitucional "porque prolonga demais o monopólio" de gigantes como a Novo Nordisk, explicou ao UOL em julho o advogado Fernando Canutto, especialista em propriedade intelectual e sócio do Godke Advogados. A decisão foi embasada também pelo interesse da população, já que o fim do monopólio de um medicamento que combate uma doença crônica como diabetes pode facilitar sua ampla produção e distribuição.

A Novo Nordisk, porém, afirma que seu recurso não viola a mudança promovida pelo STF. A empresa diz que "busca um ajuste pontual, não automático e proporcional do prazo de vigência de sua patente, justamente para que possa exercer seu direito constitucional de proteção" às criações industriais, como está no Artigo 5º da Constituição. Para Canutto, o argumento da empresa é válido, mas, na prática, leva ao monopólio já rejeitado.

"A Novo Nordisk tenta diferenciar este pedido dizendo que é uma correção pontual, proporcional e não automática. No entanto, o efeito prático é exatamente o mesmo daquilo que o STF já rechaçou, que não pode ter patente por mais de 20 anos. Existe um mérito [no argumento da empresa], teoricamente é possível [utilizá-lo], mas dificilmente isso vai dar certo", disse Fernando Canutto, advogado especialista em propriedade intelectual.

Apesar de insistir que seu pedido é uma exceção, a farmacêutica também afirmou em julho que não pleiteia apenas o ajuste do prazo de vigência de sua patente, mas uma "modernização do sistema de patentes brasileiro". Ela sugere a "inclusão de mecanismo legal de compensação do prazo de vigência de patentes na legislação nacional denominado PTA" (Patent Term Adjustment ou Termo de Ajuste de Patentes, na tradução livre do inglês). 

A empresa diz, aliás, que a decisão da Justiça Federal a respeito da liraglutida foi tomada baseada justamente no novo entendimento do STF. "A Corte elogiou os sistemas de PTA (Patent Term Adjustment) vigentes no exterior e distinguiu a prorrogação automática e genérica (do extinto art. 40 da LPI), da possibilidade de um ajuste pontual e fundamentado, para compensar a demora irrazoável e injustificada do Inpi no processo de análise de patentes", insiste a Novo Nordisk.

Ambição da Novo Nordisk seria contraditória e não caberia ao Judiciário, para especialista. "[O laboratório] está querendo ajustar a estrutura da lei, mudar a estrutura da propriedade intelectual brasileira para compensar os atrasos do Inpi, o que o STF já rejeitou. Após a decisão 5529, não há uma base jurídica sólida para a criação desse mecanismo sem que haja uma alteração legislativa", disse ainda Canutto. Ou seja, apenas o Congresso poderia sugerir o tal PTA e colocá-lo em vigor no Brasil. 

A farmacêutica ainda cita que o PTA poderia harmonizar o Brasil "com as melhores práticas internacionais", já que "diversos países do mundo já adotam mecanismos de compensação de prazo de patentes". No entanto, o advogado ressalta que países que têm modelos de aprovação e extensão de prazos de patentes mais automatizados possuem leis incompatíveis com as do Brasil.

Na ADI 5529, o STF também considera que a extensão de patentes teria impacto financeiro no SUS e no acesso da população aos seus serviços, já que a empresa poderia cobrar o que quisesse do sistema público. Já a Novo Nordisk diz que a afirmação é incorreta porque "no Brasil, os preços de medicamentos são regulados rigorosamente pela Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), que estabelece limites para o preço de fábrica e o preço máximo ao consumidor".

Em junho, a EMS confirmou ao UOL que aguarda a queda da patente para lançar a sua semaglutida. A farmacêutica prevê a chegada das canetas ao mercado no segundo semestre de 2026. Ao mesmo tempo, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro já criou um grupo de trabalho para planejar a estratégia de uso das canetas na rede pública, segundo a Agência Brasil.