Pesquisa em Minas

Câncer de mama: iniciar tratamento particular leva metade do tempo do SUS

Resultado preliminar é apontado em uma das diversas pesquisas sobre o assunto que são desenvolvidas nas universidades de Minas Gerais


Publicado em 28 de outubro de 2023 | 09:00
 
 
 
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Quando se fala em câncer de mama, uma das primeiras lembranças são as campanhas como o outubro rosa, que acontece neste mês, e as orientações a respeito do diagnóstico. Essa enfermidade é uma das que mais precisa da dedicação da comunidade médica. Afinal, trata-se da neoplasia que mais mata mulheres no Brasil e no mundo, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Mas, para além do trabalho duro para conscientização da população, nos bastidores, outro grupo trabalha para descobrir formas de lidar com essa doença: os pesquisadores.

Só em Minas Gerais, dezenas de pesquisas vêm acontecendo no campo da medicina e das demais áreas que abrangem do diagnóstico ao tratamento do câncer de mama à sobrevida do paciente. E dessas pesquisas saem resultados que podem implicar mudanças importantes na forma como a neoplasia é vista e entendida pela comunidade médica. Uma delas aponta, por exemplo, que, apesar de o acesso ao tratamento ser o mesmo para rede pública e rede privada, o tempo para começar a tratar a doença é bem diferente nas duas, chegando a demorar metade do tempo na rede privada.

Esse resultado preliminar faz parte de um estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A pesquisa “Sobrevida e fatores prognósticos para o câncer de mama em Juiz de Fora” trabalha as nuances que envolvem a qualidade de vida do paciente. Desde 1998, os médicos e pesquisadores Maria Teresa Bustamante e Maximiliano Guerra acompanham mulheres diagnosticadas com câncer de mama e analisam fatores associados à sobrevida, entre eles, características sociodemográficas e clínicas, qualidade de vida e avaliação genética. As pacientes são acompanhadas por um período de cinco anos.

“Uma coisa interessante que a gente observou foi que não há diferença quando se compara rede pública com rede privada. As mulheres têm o mesmo acesso em relação ao tratamento e à oferta de medicamentos. No entanto, o diagnóstico da rede pública acontece com o câncer em estágio mais avançado. É mais demorado para se dar o diagnóstico. Na rede privada, o acesso é mais facilitado”, pondera Maximiliano Guerra, doutor em Saúde Coletiva.

No SUS, a lei 12.732/2012 estabelece que o primeiro tratamento do paciente com câncer deve ocorrer em, no máximo, 60 dias, contados a partir do diagnóstico. Maria Tereza conta que o tempo de início para tratar a doença impacta a sobrevida das mulheres. “A gente viu que esse primeiro tempo, que deveria ser de 60 dias, estava sendo de 70 dias na rede pública. No setor privado, o tempo foi de 30 dias”, diz. “Temos que trabalhar para tentar equilibrar e diminuir essas desigualdades”, frisa.

Atividade física como aliada

Outro trabalho que também foca na sobrevida do paciente acontece na Universidade Federal de Montes Claros (Unimontes). O projeto de extensão “Vida”, criado em 2005, trabalha a qualidade de vida da paciente por meio da atividade física. As mulheres avaliadas são atendidas no hospital Oncovida.

No local, são atendidas mulheres que iniciaram o tratamento e estão liberadas para a prática de atividade física, mulheres que fazem quimioterapia e radioterapia, mulheres em controle, mulheres que tratam recidivas, mulheres que têm metástases e pacientes com cuidados paliativos.

De acordo com Claudiana Donato Bauman, professora e doutora da Unimontes e pesquisadora do Oncovida Cancer Research, os dados levantados com o atendimento a essas mulheres trazem informações importantes que podem servir de base para pesquisas sobre o tema. 

“Um dos dados que levantamos foi que 80% delas nunca fumou, ou seja, a gente não vê associação com o tabagismo no câncer de mama”, diz. “Ao mesmo tempo, o perfil epidemiológico mostra que a taxa de prevalência do câncer em geral vai ao encontro da incidência do INCA, porque já cogitou-se que no Norte de Minas, em função da alimentação mais calórica e da cultura houvesse diferença, e não há”, diz.

A professora conta que o estímulo à atividade física proposto pelo projeto também traz dados interessantes a respeito da qualidade de vida das pacientes. “A gente percebeu, com o passar dos anos, que a mudança de hábitos e de estilo de vida após o diagnóstico foi extrema”, diz. “Ela passa a ter um olhar para essas questões da vida como um todo. O exercício, a nutrição, a hidratação, o sono, enfim, a qualidade de vida, em geral, que antes do diagnóstico ela não tinha”, avalia.

Outras pesquisas

IA como aliada

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisadora Daniella Castro Araújo, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação da UFMG, desenvolveu algoritmos de inteligência artificial que podem ajudar na detecção precoce do câncer de mama. Eles leem exames de sangue e detectam padrões em pacientes com e sem câncer. A expectativa é que o algoritmo auxilie na otimização da fila para a mamografia, que não é acessível a todas as mulheres.

Com esse estudo, Daniella Araújo recebeu recentemente o Prêmio de Empoderamento Feminino da Fundação Bayer, vinculada à multinacional alemã dos ramos farmacêutico e de biotecnologia. O prêmio visa incentivar as mulheres empreendedoras a criar impacto por meio de inovações que ajudem a promover mudanças sociais. O estudo, que concorreu com mais de 1.000 projetos das áreas de saúde, nutrição e agricultura, todos liderados por mulheres, foi uma das cinco iniciativas premiadas na América Latina.

Deslocamento para tratar

Outro estudo da UFMG mostra como os pacientes diagnosticados com neoplasias malignas sofrem quando precisam se deslocar para longe para tratar a doença. Um projeto de pesquisa coordenado pela professora Giovana Paula Rezende Simino, do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem, visa coletar dados de pacientes com mais de 18 anos que realizam tratamentos oncológicos fora do domicílio e dos enfermeiros que atuam há mais de seis meses nesse tratamento. 

Segundo a professora, as repercussões do deslocamento dos pacientes com câncer para as cidades de tratamento podem trazer muitos desafios do ponto de vista biológico, psicológico e financeiro. O estudo evidencia, por exemplo, a importância do acesso facilitado ao tratamento.

Minas no topo

Importante pontuar que a UFMG está no topo das universidades federais brasileiras com mais cientistas entre os mais influentes no mundo. São 64 nomes do Estado. O dado consta no ranking publicado pelo pesquisador John Ioannidis, da Universidade Stanford (EUA), em parceria com a Elsevier, a maior editora científica do mundo. Esse mesmo ranking aponta que o número de pesquisadores de instituições brasileiras na lista dos cientistas com maior impacto do mundo quase quadruplicou em cinco anos, saltando de 342 em 2017 para 1.294 em 2022 (alta de 278%).

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