Estagnação

Com disputas no MEC, recursos para educação ficam na gaveta

Programas importantes, como bolsas para alfabetização de adultos, estão paralisados

Por Litza Mattos e Aline Reskalla
Publicado em 07 de abril de 2019 | 06:00
 
 
 
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A crise sem precedentes no Ministério da Educação (MEC), com 20 demissões nos três primeiros meses de governo e um ministro que, ao que tudo indica, está com os dias contados no cargo, afeta os programas de uma das pastas mais estratégicas para o desenvolvimento do país. 

Uma disputa interna opõe dois grupos que têm visões distintas sobre educação: os militares e os chamados “olavistas” – pessoas ligadas ao ministro Ricardo Vélez Rodríguez, que foi indicado ao posto pelo escritor de direita e guru do presidente Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho. 

A paralisia fica evidente nos números, que mostram áreas importantes sem um real sequer repassado de janeiro a março deste ano. O programa do MEC de apoio à manutenção da educação básica tem uma dotação orçamentária de R$ 95 milhões para 2019. Mas, até o dia 31 de março, nada foi aplicado. Os dados são do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal.

Jovens e adultos

Outro programa importante que ainda não andou neste ano é a concessão de bolsas a jovens e adultos para elevação de escolaridade e qualificação profissional. No papel estão previstos R$ 40 milhões para a área. Nada foi liberado.

As universidades federais também não receberam nem um centavo ainda dos R$ 13 milhões aprovados para seus programas de expansão. As instituições recebem a conta-gotas o dinheiro para se manterem funcionando: 8% do previsto, ou R$ 373 milhões, chegaram aos campi federais.

 

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Análise

Na análise do professor e presidente da Fundação Polisaber, Gilberto Alvarez, o viés ideológico está falando mais alto no Ministério da Educação. “Parece que o MEC está muito mais envolvido numa espécie de batalha ideológica do que em resolver os graves problemas da educação”, diz. 

No Brasil, sete em cada dez alunos do terceiro ano do ensino médio têm níveis insuficientes em português e matemática, conforme dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017, que mostraram ainda uma estagnação desde 2009. Sete milhões de estudantes têm dois ou mais anos de atraso escolar e paga-se ainda pouco aos professores no Brasil – metade dos Estados nem sequer respeita o piso salarial estipulado por lei, de R$ 2.455,35.

O consultor pedagógico e especialista em vestibulares Luiz Cláudio Jubilato afirma que o “MEC praticamente deixou de existir”. “A questão da autonomia é ponto principal. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) estava começando a ganhar uma cara no ano passado. Apesar do alto orçamento, o dinheiro ainda é ineficiente para o que precisa ser feito”, afirma o consultor. Mas as demissões no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e a falência da gráfica que imprime as provas do exame tornam a sua realização uma incógnita.

Na semana passada, a reportagem tentou ouvir o Ministério da Educação sobre a paralisação dos projetos, mas não obteve retorno.

Impactos

Na análise do professor e presidente da Fundação Polisaber, Gilberto Alvarez, um dos grandes prejuízos dessa “batalha ideológica” na qual o MEC está inserido é a “falta de definição para cumprir o cronograma de implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”.

O Brasil, conforme Alvarez, “necessita de políticas claras para cumprir o que foi definido nos últimos 30 anos, como as 20 metas do Plano Nacional de Educação, mas, principalmente, resolver os grandes gargalos da educação”.

“A gente vê o governo falando muito em redes sociais, mas debatendo muito pouco com quem faz a gestão da educação. O grande temor é que o ministério trave. Qualquer prazo que não seja cumprido ou qualquer solução técnica que seja substituída pelo debate ideológico pode ter consequências sérias para uma geração inteira”, afirma. 

Na sexta-feira, o subprocurador geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Rocha Furtado, destacou que “cabe ao órgão de controle adotar providências para apurar os motivos para o atual estado de inação do MEC, identificar as possíveis consequências, determinar medidas corretivas e, inclusive, se for o caso, punir os responsáveis”.

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