Meio ambiente

Em 78 dias, óleo avança no litoral brasileiro e desafia investigação

Seis Estados que já estavam limpos voltam a ter manchas; já são 114 cidades atingidas em nove Estados do Nordeste e no Espírito Santo

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 16 de novembro de 2019 | 06:00
 
 
 
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Há 78 dias, o petróleo cru encontrado na costa brasileira ainda era chamado de "substância escura e oleosa". O que poderia parecer inicialmente um caso isolado se mostrou, contudo, uma das maiores tragédias ambientais do País, atingindo desde então quase 600 localidades do Nordeste e do Espírito Santo.

O óleo chegou a praias, ilhas, manguezais, rios e àreas de Proteção Permanentes (APPs) em grandes manchas ou fragmentos. Em alguns lugares, foi encontrado mais de uma vez, inclusive em pontos que estavam praticamente limpos, como a Praia de Itapuama, uma das mais afetadas em Pernambuco.

Os casos mais recentes são de vestígios, menores ou do tamanho da palma da mão, mas também impactantes para as comunidades locais, como a capixaba praia de Regência, atingida há quatro anos pela lama da barragem de Mariana. O encontro do óleo e da lama também se repetiu em Abrolhos, na Bahia, que reúne a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul.

A retirada começa de forma improvisada, pela população local e até por turistas, e depois conta com diferentes esferas governamentais. Com o avanço do óleo por destinos turísticos do Nordeste, a gestão Jair Bolsonaro foi pressionada a intensificar a resposta. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, negou demora na reação ao desastre e o governo enviou militares às praias para ajudar na limpeza.

Em vários pontos, a maior parte da força-tarefa é de voluntários, muitas vezes sem equipamento adequado para evitar o contato direto com a substância. "Não era para voluntários terem contato com o resíduo nas praias. ê só pegar o exemplo de outros países. Mas imagina o pescador, que tem no mar a fonte de renda, vendo que está chegando o piche", afirma Sidney Marcelino Leite, coordenador do movimento Salve Maracaípe.

Com a menor concentração de óleo em alguns Estados e o relato de contaminação ao contato com óleo, ONGs têm visto menos voluntários e até tentam emplacar convocações como "o óleo não acabou" e "cadê vocês?". "O grosso (do óleo) parou de chegar, as pessoas acham que está tudo bem e cai o número de voluntários. Ainda vem bastante gente no fim de semana. Agora, o processo é mais minucioso, como o de tirar das pedras", diz Leite.

Investigação

Até agora, a Polícia Federal não tem uma explicação definitiva sobre a origem e a causa do derramamento. Bolsonaro afirmou que o óleo tem "DNA da Venezuela", mas não há provas de que o país vizinho tenha relação direta com o vazamento, que teria começado em meados de julho até atingir, em agosto, o litoral do país.

Entre as hipóteses estão o derramamento por um navio que teria passado pela área ou, até mesmo, afundado. Segundo a PF, o navio grego Bouboulina é o principal suspeito, mas a empresa proprietária nega e especialistas têm questionado os indícios do governo.

Outras questões seguem sem resposta, como o impacto no pescado. Embora o governo federal considere seguro o consumo, a pesquisa usada como base era inicial e teve anúncio contestado até por um dos cientistas responsáveis (por envolver produto da pesca industrial, minoria na região).

A maior parte dos esforços científicos vem de universidades federais, organizadas individualmente ou em rede do Norte ao Sul do Brasil. "O trabalho de pesquisadores e voluntários é desenvolvido em rede com outros Estados. Umas são formais, como as dos institutos, e outras informais", conta Jailson Bittencourt de Andrade, do Centro Interdisciplinar de Energia da Federal da Bahia (UFBA) e vice-presidente regional da Associação Brasileira de Ciências.

Buscas

As pesquisas buscam soluções para questões emergenciais, mas devem se prolongar. "Os efeitos não vão cessar de imediato. ê preciso alguns anos para investigar as consequências no ambiente e nos organismos", diz Emerson Soares, coordenador da força-tarefa da Federal de Alagoas (Ufal), que reúne 22 professores e cerca de 80 alunos de graduação e pós. Pesquisadores estimam que serão precisos de 10 a 20 anos para acabar com os efeitos nocivos do óleo.

Também são desconhecidos os efeitos no turismo. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis potiguar, não houve cancelamentos expressivos de reservas e o impacto deverá ser conhecido no início de dezembro, quando dados da ocupação hoteleira do último trimestre são tabulados.

Destino

No Sudeste, Estados e Prefeituras têm feito treinamentos diante da possível chegada do óleo. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), correntes marinhas podem levar o material até o norte fluminense, mas uma proteção natural dificulta a passagem ao sul de Cabo Frio.

Manchas reaparecem em seis Estados

A Marinha do Brasil confirmou, ontem, o reaparecimento de manchas de óleo na praia do Pontal, em Ilha Grande, no Piauí, a principal do delta do Parnaíba, o maior das Américas. Mais quatro praias voltaram a ser atingidas pelo material desde a última quinta-feira. 

Alguns turistas que estão na praia do Coqueiro, em Luís Correia, e na Pedra do Sal, em Parnaíba, tiveram contato com as manchas de óleo que reapareceram no litoral piauiense. 

Seis Estados do Nordeste que já estavam limpos voltaram a ter óleo na costa. Apenas a Paraíba está, desde o fim de outubro, sem ser afetada pelo petróleo cru que chega do mar desde 30 de agosto. 
Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Maranhão e Piauí estavam havia pelo menos três dias sem serem afetados.

Desde a sexta-feira da semana passada, Pernambuco ficou só um dia, a última terça-feira, limpo. Já Bahia e Alagoas estão desde o fim do mês passado convivendo com o problema todos os dias.

As informações foram compiladas nos comunicados diários emitidos pelo Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), formado pela Marinha do Brasil (MB), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsáveis pela investigação e contenção de danos.

De acordo com o levantamento feito pelo Ibama, foram contabilizadas, aproximadamente, 4.500 toneladas de resíduos de óleo retirados das praias até quinta-feira. 

A contagem desse material não inclui somente o óleo, mas também é composta por areia, lonas, EPI e outros materiais utilizados para a coleta. O descarte é feito pelas Secretarias de Meio Ambiente dos Estados afetados.

A caminho do Rio

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), a praia mais ao sul atingida pelo petróleo é Formosa, em Aracruz (ES), a pouco menos de 200 km da divisa com o Rio. O óleo derramado já afeta 114 cidades em nove Estados do Nordeste e no Espírito Santo, no Sudeste, segundo o último relatório do Ibama, de quinta-feira.

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