Polícia

Em Minas Gerais, 88% dos inquéritos tramitam há mais de dois anos

No Estado, 15% dos crimes hediondos nem sequer são investigados; no país, índice fica em 10%

Por Litza Mattos
Publicado em 02 de junho de 2019 | 03:00
 
 
 
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No Brasil, 70% das delegacias têm inquéritos policiais tramitando há mais dois anos. Em Minas Gerais, esse índice é ainda mais alto: 88%. Em 10% das instituições policiais no país, as ocorrências envolvendo crimes hediondos nem sequer se transformam em inquérito. Em Minas, são 15%. Os dados que retratam a realidade das unidades policiais brasileiras fazem parte de um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), feito a partir de inspeções em todo o país em 2018.

Quem já experimentou a sensação de impotência diante de um crime sabe bem o que esses números representam. O medo e a insegurança instaurados na tarde de 26 de dezembro de 2017 ainda estão bem presentes na vida da família Brito. Naquele dia, por volta das 13h, um assaltante entrou na casa da aposentada Diva Fernandes de Brito, 85, a amarrou e a agrediu, a ponto de deixá-la desmaiada, enquanto saqueava a casa.

“A sensação é de indignação total porque até hoje a polícia não sabe quem foi para colocar o bandido atrás das grades”, diz a filha da aposentada, Edna Maria Brito, 57, que ainda leva a mãe para fazer tratamento psiquiátrico para superar o trauma.

O cineasta Cristiano Burlan transformou a perda da mãe, do irmão e do pai no documentário “Trilogia do Luto” como a sua forma de vingança. “Meu irmão foi assassinado em São Paulo, e um dos assassinos foi preso, mas eu que fiz a investigação. Tive que ligar para o delegado e falar onde o assassino estava. Só depois de uma semana ligando eles mandaram a viatura e o prenderam”, conta. No caso do assassinato da mãe do cineasta em Uberlândia, em 2011, o crime ainda não teve solução. O maior suspeito, o ex-parceiro da vítima, está foragido.

Para os especialistas, inquéritos parados e atrasados são consequência da precariedade das investigações que levam o país a baixos índices de resolução de crimes e alta impunidade. Estimativas mostram que o país não soluciona nem 10% dos homicídios.

Sem estrutura. Segundo o levantamento, praticamente metade das unidades policiais no país (49,29%) fica em prédios com estado de conservação péssimo ou regular. Esse índice em Minas é de 45%. No Brasil, 55% das delegacias não possuem plantão 24 horas. Em Minas, em cada dez delegacias, quase sete não têm esse plantão.

Pelo planejamento estratégico de 2014, seriam necessários 19.978 policiais civis para a prestação de serviços de Polícia Judiciária aos mais de 20 milhões de mineiros, segundo o vice-presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Sindpol-MG) Marcelo Armstrong. “Atualmente temos cerca de 9.000 policiais na ativa, sendo mais de 20% afastados por problemas psiquiátricos”, afirma.

De acordo com o CNMP, “a visibilidade da atividade policial no país, retratada pelos números apresentados, é etapa essencial para discussão e formulação de políticas públicas na área criminal”.
Procurado, o governo não se pronunciou. Em jogo de empurra, a Polícia Civil orientou a reportagem a procurar a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais (Sesp-MG), que, por sua vez, recomendou a Polícia Civil para falar sobre o tema.

Raio-x. Levantamento do CNMP deu origem ao projeto-piloto Controle Externo da Atividade Policial em Números sobre as condições físicas das unidades e o perfil dos presos.

Delegacia funciona com sete funcionários

A reportagem visitou algumas delegacias, entre elas a 2ª Delegacia de Polícia Civil Leste, no bairro Cachoeirinha, em Belo Horizonte. Um investigador – que preferiu não se identificar – afirmou que, “com o novo delegado, as condições estão melhorando”. A delegacia possui plantão 24 horas, no entanto conta com duas viaturas e sete funcionários efetivos, quando são necessários, segundo o investigador, pelo menos 16.

O espaço está passando por uma reestruturação física e vem trabalhando com uma cela provisória. “Às vezes, falta combustível para os carros descaracterizados, e acabo colocando do meu bolso”, disse.

O vice-presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Sindpol-MG), Marcelo Armstrong, disse que o órgão faz inspeções nas delegacias desde 2007 mostrando “as condições precárias de trabalho, com delegacias caindo aos pedaços, bem como o grave déficit de policiais civis”.

Minientrevista

José Vicente da Silva
Consultor
Ex-secretário de segurança pública


Mais da metade das delegacias no país não possui plantão 24 horas. Qual a sua avaliação?

Não é necessário porque tem polícia na rua 24 horas. Só em locais de muita densidade, como grandes capitais, é preciso ter delegacias para o atendimento de demandas específicas, mas, para registrar queixas, em muitos Estados, como Santa Catarina, o registro de ocorrências já é feito até nas viaturas da PM. Delegacia não é padaria. Precisamos repensar a ideia de repartição pública ociosa porque, à noite, a maioria das delegacias não tem demanda.

A quantidade de efetivo compromete as investigações?

A Polícia Civil no Brasil tem um contingente bem razoável e necessário para o trabalho de investigação. Nos Estados Unidos, onde se tem uma polícia única, o efetivo de investigação normalmente gira em torno de 15%. Ou seja, do efetivo total da polícia, 85% ficam com o patrulhamento, e 15%, com as investigações. Aqui, no Brasil, a média de efetivo para investigação é da ordem de 22%, e, em alguns Estados, chega a 29%, como em São Paulo. Então, o número é até excessivo. O que está faltando no Brasil para agilizar os inquéritos é adotar formas mais céleres de investigação. Atualmente, o inquérito é quase uma cópia dos processos judiciais, e isso atrapalha.

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