e obstetrícia

Médico preso por estupro atuava como ginecologista desde junho de 2020

O Conselho Federal de Medicina (CFM) impede que haja anúncio por parte dos profissionais como especialistas

Por Lucas Negrisoli
Publicado em 15 de julho de 2022 | 18:32
 
 
 
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O médico Giovanni Quintella Bezerra, de 32 anos, preso por ter estuprado uma paciente durante uma cesariana, atuava, desde junho de 2020, nas áreas de ginecologia e obstetrícia, mastologia, clínica geral e anestesiologia. Ele não tem especialização cadastrada em nenhuma área junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), Estado onde trabalhava, mas chegou a se formar como anestesista em abril deste ano e, como médico, em 2017.

Os dados estão compilados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), mantido pelo Ministério da Saúde. Não há irregularidade em médicos atuarem em áreas que não são especializados. O Conselho Federal de Medicina (CFM) impede que haja anúncio por parte dos profissionais como especialistas. Com isso, Quintella não poderia se dizer “ginecologista” ou “mastologista”, apesar de poder exercer as funções.

A primeira atuação registrada do médico foi como residente, em abril de 2019, no Hospital Geral de Nova Iguaçu, interior do Rio de Janeiro. Fora da especialização cursada, o primeiro cadastro foi em ginecologia e obstetrícia, na Femi Video Clínica, em junho de 2020. O espaço, aberto em 1997 na Vila Isabel, na capital carioca, é uma sociedade entre o pai de Quintella e o filho. Lá, ele também atendeu como mastologista. O consultório é especializado em “pré-natal”, acompanhamentos a gestantes e partos. O médico preso atuou no espaço, ao menos, até junho deste ano.

Fora da clínica, Quintella não tem registro de passagens pelas áreas. Ele foi incluído como clínico geral em um hospital privado no Rio de Janeiro e anestesiologista nos hospitais da Mulher, da Mãe e Getúlio Vargas, todos de gestão da Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro. Ele não era servidor público e atuava como pessoa jurídica.

Não há registro como anestesiologista

A reportagem procurou o Cremerj, que detalhou que “o médico Giovanni Quintella Bezerra não informou qualquer registro de especialidade no Cremerj”. A ausência não quer dizer que ele não tenha formação nas áreas, ou que sua atuação tenha sido irregular.

"De acordo com a lei 3.268/57, o médico, após registrado no CRM, poderá exercer a medicina de forma ampla. O que ele não pode é anunciar-se como especialista sem ter a especialidade. Nesses casos, ele poderá sofrer um processo ético", diz o CFM. 

O CNES, pontua o Ministério da Saúde em nota, é “o sistema de informação oficial de cadastramento de informações de todos os estabelecimentos de saúde no país, independentemente de sua natureza jurídica ou de integrarem o Sistema Único de Saúde (SUS)”. A plataforma funciona como um agregador de dados de médicos no país.

“O CNES é a base cadastral para operacionalização de mais de 90 (noventa)  sistemas de base nacional, tais como: Sistema de Informação Ambulatorial (SIA), Sistema de Informação Hospitalar (SIH), e- SUS Atenção Primária (e-SUS APS), entre outros. É uma ferramenta auxiliadora, que proporciona o conhecimento da realidade da rede assistencial existente e suas potencialidades, de forma a auxiliar no planejamento em saúde das três esferas de Governo, para uma gestão eficaz e eficiente”, completa o texto.

O CNES possui as seguintes finalidades:

  • cadastrar e atualizar as informações sobre estabelecimentos de saúde e suas dimensões, como recursos físicos, trabalhadores e serviços;
  • disponibilizar informações dos estabelecimentos de saúde para outros sistemas de informação;
  • ofertar para a sociedade informações sobre a disponibilidade de serviços nos territórios, formas de acesso e funcionamento;
  • fornecer informações que apoiem a tomada de decisão, o planejamento, a programação e o conhecimento pelos gestores, pesquisadores, trabalhadores e sociedade em geral acerca da organização, existência e disponibilidade de serviços, força de trabalho e capacidade instalada dos estabelecimentos de saúde e territórios.

O caso

O médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra foi encaminhado na noite dessa terça-feira (22) para o presídio Pedrolino Werling de Oliveira, conhecido como “Bangu 8” e foi hostilizado por outros detentos.

Ele foi preso em flagrante na madrugada desta segunda-feira (11) depois de ser foi flagrado cometendo estupro contra uma paciente que estava dopada e passava por uma cesárea no Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, interior do Rio de Janeiro. 

O que aconteceu?

Giovanni Bezerra foi filmado por enfermeiras durante um parto e apareceu abusando da paciente que estava passando por uma cesariana na maca. Ele estava separado da equipe médica por um lençol cirúrgico e duas barras de ferro.

O registro mostra o anestesista inserindo o pênis na boca da mulher por cerca de dez minutos e limpando o rosto dela com um lenço. Ele foi detido em flagrante pela delegada de Atendimento à mulher de São João de Meriti, Bárbara Lomba, ainda na madrugada de segunda.

Como foi descoberto?

A Polícia Civil informou que funcionárias do hospital desconfiavam há, ao menos, um mês da postura do médico durante procedimentos. A investigação está “quase finalizada”, conforme a delegada.

Quintella usava “três métodos” para abusar de mulheres. Além de se “esconder” atrás do pano durante as cirurgias, ele aplicava doses excessivas de sedativos e pedia para que acompanhantes de gestantes saíssem da sala.

Por que a equipe desconfiou?

O comportamento atípico do anestesista e o exagero na aplicação de sedativos instigaram técnicos e enfermeiros. Uma profissional, de acordo com depoimento, havia enxergado o médico com o pênis ereto no dia da prisão, durante um dos procedimentos anteriores ao registrado.

A desconfiança fez com que a equipe realocasse o terceiro procedimento para uma nova sala e escondessem um celular para filmar a conduta. O aparelho foi posicionado dentro de um armário de vidro, com a câmera direcionada a Giovanni. Quando o vídeo foi assistido, "criou-se um clima de horror", completa o depoimento.

Quantas mulheres foram abusadas?

várias denúncias apuradas pela Polícia Civil além do caso flagrante. Ao menos duas mulheres depuseram contra o médico e há suspeita de 30 estupros tenham ocorrido.

Quintella participou de dois outros partos na segunda-feira, quando foi detido. Não se sabe ainda se elas foram abusadas, mas o inquérito não descartou a possibilidade. 

Quem é o anestesista?

O médico prestava serviço aos hospitais da Mulher, da Mãe e Getúlio Vargas, todos de gestão da Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro. Ele não era servidor público e atuava como pessoa jurídica.

O anestesista tem 32 anos e se formou em medicina no Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA) e, em março, foi graduado como anestesiologista. Quintella afirmou que trabalhou em ao menos dez hospitais públicos e privados.

O que pode acontecer com ele?

Além de ser preso preventivamente, tanto a Secretaria de Estado da Saúde quanto o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) abriram sindicâncias para punir o médico.

O conselho de classe afirmou que um procedimento cautelar para suspensão do médico foi aberto devido à gravidade do caso, e um processo ético-profissional poderá cassar o registro dele.

Se for indiciado por estupro de vulnerável – que é um dos crimes investigados pela Polícia Civil –, Giovanni Bezerra pode cumprir pena de prisão de oito a quinze anos. A defesa do médico ainda não se pronunciou publicamente.

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