Polêmica

Pais podem ser punidos se não vacinarem filhos

Para advogada, Ministério da Saúde deixou brecha ao estabelecer doses como uma opção

Por Gabriel Ronan
Publicado em 07 de fevereiro de 2022 | 04:00
 
 
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Enquanto a vacinação para crianças ainda anda a passos lentos em Belo Horizonte, autoridades se organizam para ampliar a imunização desse público-alvo. O debate chega mesmo ao campo jurídico: que tipo de sanção os pais podem sofrer caso se recusem a vacinar os filhos contra a Covid-19? A perda da guarda realmente é uma ameaça?

Especialistas apontam para duas interpretações da legislação, com base no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), definido pelo Ministério da Saúde. Uma delas se volta à obrigatoriedade da vacinação dos pequenos. A outra se agarra ao que fala em “recomendação não obrigatória”. A primeira visão é defendida pelo defensor público Wellerson Eduardo da Silva Corrêa, da Defensoria Especializada dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Dedica-Cível-BH).

“O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma lei que está no mesmo grau hierárquico da que regula o PNO, mas é mais novo, mais moderno. Tem um princípio em direito que fala que, quando duas leis regulam a mesma matéria de maneira diferente, a mais nova prevalece. Outro ponto é que o ECA é uma lei especial”, argumenta ele.

Nesse cenário, Wellerson Corrêa diz que os pais não têm a opção de não vacinar as crianças. Diante disso, a Defensoria Pública acredita que as escolas de BH devem requisitar os cartões de vacinação infantil logo que as aulas voltem, encaminhando os casos de ausência de imunização aos Conselhos Tutelares.

O próprio protocolo de retorno das aulas da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) cita que é dever dos gestores das escolas “solicitar a apresentação do cartão de vacina” para promover “medidas educativas de prevenção de doenças imunopreveníveis”. Mas, vale ressaltar: não há “passaporte da vacinação”. A criança não pode ser impedida de ter acesso à educação.

“As escolas, se detectarem casos de alunos não vacinados, vão acionar os Conselhos Tutelares, que vão acionar os pais. Se os pais reiterarem o descumprimento da obrigação de vacinar seus filhos, o ECA prevê multa e medidas que podem chegar à revogação e suspensão da guarda”, afirma o defensor público. Depois, o Ministério Público pode até mesmo entrar com ações para que os pais respondam criminalmente, explica Wellerson Corrêa.

A advogada Ana Amélia Ribeiro Sales, integrante do Instituto Brasileiro de Direito de Família, ressalta uma segunda visão sobre o fato. Segundo ela, a maneira como o Ministério da Saúde redigiu a autorização da imunização de crianças no PNO abriu essa brecha. Quando deu o aval, a pasta comunicou que recomendava a “vacinação não obrigatória” dos pequenos. 

“Também inexiste a recomendação da Anvisa para que ela seja aplicada de forma obrigatória. Essa corrente doutrinária (do direito) entende que a vacina não é obrigatória. Seria uma opção dos pais”, argumenta ela. 

Para Ana Amélia, a “recomendação não obrigatória” segue a agenda do governo federal contra a campanha de vacinação. “O Ministério da Saúde apenas não lançou a recomendação de forma obrigatória por razões políticas. O direito de proteger as crianças tem uma série de princípios, até da proteção integral das crianças (por pais, autoridades e sociedade)”, aponta. 

Ansiedade. A ativista social Polly do Amaral aguardou com ansiedade pela vacinação da filha de 7 anos. Ela tentou imunizar a pequena na xepa três vezes, mas só conseguiu a tão esperada proteção no último sábado, data de convocação pela PBH. Polly atribui a baixa cobertura vacinal às notícias falsas e à alta taxa de infecção pelo vírus. “Muitas crianças tiveram Covid-19 ou sintomas gripais nesse início de ano. Neste cenário, a recomendação é de esperar 30 dias para vacinar. Tenho visto muitas mães relatando isso!”


PBH adota definição do governo federal

Procurada, a Prefeitura de Belo Horizonte confirmou a existência das duas interpretações do direito, mas afirma que segue o que foi definido pelo Ministério da Saúde, responsável pelo Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19 (PNO). “Há juristas e movimentos sociais que defendem a vacinação obrigatória, considerando o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas atualmente não há essa definição segundo o PNO”, esclarece a nota enviada pela PBH.

De acordo com o balanço mais recente da prefeitura da capital mineira, apenas 48 mil crianças se imunizaram em BH (cerca de 53% do total). Portanto, quase metade das 90 mil convocadas ainda não receberam a primeira dose. A demora para alcançar todo o grupo convocado é um dos argumentos utilizados pela prefeitura para adiar o retorno dos alunos de 5 a 11 anos às escolas. 

“A Prefeitura de Belo Horizonte tem intensificado a orientação da população em relação à vacinação, especialmente para crianças em toda a sua rede de atendimento, inclusive Conselhos Tutelares. Para garantir que as pessoas se vacinem, as equipes de saúde, durante as visitas domiciliares, conferem a situação vacinal de todos os moradores, inclusive das crianças, e também reforçam a importância da vacinação”, completa o Executivo municipal. 

Imunização disponível em 27 locais

Se seu filho já foi convocado para a imunização, basta comparecer a uma das escolas onde há dose disponível. A lista pode ser consultada no site da prefeitura. O Executivo municipal disponibiliza três escolas por regional administrativa. Portanto, são 27 locais diferentes para receber a proteção contra a Covid-19.

É necessário apresentar documento de identificação com foto ou certidão de nascimento, CPF, comprovante de endereço e cartão de vacinação. Até o momento, duas vacinas podem ser ministradas: a Cominarty (Pfizer/BioNTech) e a Coronavac (Instituto Butantan/Sinovac). Ambas têm autorização da Anvisa para uso em crianças.

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