Neste sábado, 18 de novembro, o mundo vai relembrar um dos casos mais assombrosos da história contemporânea. Faz 45 anos que mais de 900 cidadãos norte-americanos cometeram um suicídio coletivo em uma comunidade formada por religiosos na Guiana inglesa. Elas eram lideradas pelo pastor Jim Jones que, antes de decidir levar seus fiéis para a antiga colônia britânica, havia planejado transferir sua igreja, Peoples Temple (Templo do Povo), para Belo Horizonte

Por 10 meses, entre 1962 e 1963, Jim Jones morou com a família em uma casa no bairro Santo Antônio, região Centro-Sul de Belo Horizonte. Mas por que o líder religioso que angariava tantos fiéis nos Estados Unidos decidiu se mudar para a capital mineira? 

A resposta está em uma reportagem publicada em janeiro de 1962, na revista Esquire,  intitulada “Nove lugares para se esconder”. O texto, assinado pela jornalista Caroline Bird, apontava nove cidades espalhadas pelo mundo que poderiam sobreviver a um apocalipse nuclear.  

Era o auge da Guerra Fria e Jones acreditava que uma guerra nuclear era iminente. Após ler o texto da revista, o pastor deslumbrou uma possibilidade de "salvar" sua comunidade de um bombardeio ou de uma radiação.

Ele decidiu montar uma unidade de sua igreja em uma localidade próxima a Eureka, na Califórnia (cidade apontada como a mais segura do mundo, em caso de apocalipse nuclear), e experimentar a possibilidade de fazer o mesmo na América do Sul. O fato de Jones e sua família não entenderem nada de português teria sido o motivo para a desistência de Belo Horizonte como nova sede para o Templo do Povo. 

Na reportagem da Esquire, Caroline Bird fala sobre as riquezas naturais de Belo Horizonte e sobre seu potencial de crescimento industrial. Confira a tradução livre do texto: 

Belo Horizonte é a terceira cidade movimentada e progressista do país da América do Sul com maior probabilidade de abrir um novo caminho econômico. Longe do litoral - uma vantagem em segurança - Belo Horizonte é um local de jardins que exporta caminhões e laticínios, que poderia facilmente alimentar os recém-chegados e poderia desenvolver indústrias leves a partir dos recursos minerais do entorno para empregá-los. Tem um clima moderado e semitropical, e era um balneário na época em que os médicos recomendavam um clima alto e seco para tratamento de tuberculose. Estabelecida na virada do século como a capital do rico estado de Minas Gerais, Belo Horizonte foi a primeira e, depois de Brasília, mais bem-sucedida das cidades planejadas do Brasil. Tem televisão, as comodidades da vida moderna e uma pulsação que encanta os norte-americanos que esperam uma sociedade industrial que possa sustentar a riqueza sem acessos de culpa calvinista”.

O ranking da Esquire

De acordo com a jornalista Caroline Bird, o ranking dos nove lugares para se esconder foi definido após entrevistas com estrategistas militares, especialistas em defesa e radiação, além de geógrafos. Mas ela não nomeia ninguém que teria servido como fonte para o texto - que está cheio de alarmismo sobre como ficaria o mundo se EUA e Rússia passassem a se atacar por meio de bombas nucleares, como as usadas em Hiroshima e Nagasaki em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial.  

A reportagem da revista Esquire pode ser conferida no site Considerações alternativas sobre Jonestown e o Templo dos Povos, um memorial dedicado às vítimas da tragédia vivenciada na Guiana. Trata-se de um projeto da biblioteca da San Diego State University.

No texto de 1962, é possível observar que, além de Belo Horizonte e Eureka, outras sete cidades foram consideradas ideais para serem refúgios para um apocalipse nuclear - que, felizmente, nunca se concretizou. Por outro lado, Nova York e Moscou eram apontadas como as mais perigosas em caso de uma guerra nuclear - a reportagem trazia num mapa quais seriam os lugares mais vulneráveis pelo mundo. 

Veja a lista completa dos nove lugares para se esconder de um apocalipse nuclear, segundo a reportagem de 1962 da Esquire:

  1. Eureka (EUA)
  2. Cork (irlanda)
  3. Guadalajara (México)
  4. Valle Central (Chile)
  5. Mendoza (Argentina)
  6. Belo Horizonte (Brasil)
  7. Antananarivo (Madagascar)
  8. Melbourne (Austrália)
  9. Christchurch (Nova Zelândia)


Quem foi Jim Jones?

James Warren "Jim" Jones (1938-1978) foi o fundador e líder da seita Templo dos Povos, que se tornou conhecida mundialmente após o suicídio coletivo em Jonestown, na Guiana, no dia 18 de novembro de 1978.

Jones se destacou nos anos de 1950 ao unir discursos religiosos com a defesa dos direitos políticos dos negros nos Estados Unidos, que até aquele momento ainda vivenciava um apartheid racial em boa parte das cidades. À frente da igreja Peoples Temple Christian Church Full Gospel (Templo dos Povos: Igreja Cristã do Evangelho Pleno), em Indianápolis, conseguiu muitos fiéis, especialmente afro-descendentes. 

Jones e sua esposa, Marceline, ganharam notoriedade nacional ao adotar crianças não brancas e incentivar o mesmo entre os fiéis da igreja. Isso fez com que o casal recebesse muitas ameaças de racistas. Em seus discursos, ele defendia uma igualdade racial e pregava um possível apocalipse nuclear. 

Em 1962, ele se mudou para Belo Horizonte e estudou a região para verificar a possibilidade de transferir o Templo dos Povos para Minas Gerais, mas a família Jones não se adaptou. Não era fácil conseguir fiéis na capital mineira sem conseguir falar português.

Em seguida, em 1963, Jones e sua família passaram uma pequena temporada no Rio de Janeiro, trabalhando com pessoas de favelas e conhecendo melhor o sincretismo religioso brasileiro. 

Mas não demorou muito para avisarem ao pastor que problemas estavam acontecendo no Templo dos Povos durante sua viagem. Jones, então, decidiu voltar a Indianápolis e planejar a expansão de sua seita para outros estados norte-americanos. Em 1972, a sede da igreja passou para São Francisco, na Califórnia. 

A construção de Jonestown, uma comunidade rural na divisa entre a Guiana e a Venezuela, foi iniciada em 1974. Os primeiros 50 residentes, transferidos da igreja em São Francisco, chegaram em 1977 - mas no ano seguinte já eram mais de 900.

Frente a uma denúncia de que o Templo dos Povos havia levado crianças para a Guiana sem a permissão formal de seus pais e que membros da igreja eram mantidos contra a vontade na comunidade, o deputado californiano Leo Ryan foi conferir a situação in loco. 

Para o parlamentar, todos os membros da igreja diziam que estava tudo bem, mas uma pessoa conseguiu mostrar a Ryan que havia uma situação de opressão no local. 

Antes de sair de Jonestown, Ryan afirmou aos membros da igreja de que, quem quisesse, poderia sair dali em segurança - bastava manifestar o desejo. Algumas pessoas tomaram coragem e mostraram que, sim, queriam voltar aos Estados Unidos.

O problema foi que o grupo não conseguiu retornar em segurança para casa. Jones ordenou que um grupo armado de seguidores matasse o parlamentar e os membros que desejavam sair dali, na pista de pouso onde um avião os aguardava. Em seguida, ele ordenou que todos os 909 moradores da comunidade rural se matassem tomando cianureto - incluindo cerca de 300 crianças. Quem se recusava, era ameaçado por homens armados, e obrigado a tomar o veneno.

Se você quiser saber mais sobre Jim Jones, ele é uma das figuras retratadas na série documental de humor sarcástico "Como se tornar um líder de seita", da Netflix. Ele também é tema de vários podcasts sobre true crimes como Modus Operandi, Crimes de Sutiã, 1001 Crimes, Colecionador de Ossos, Psicologia Criminal e Quinta Misteriosa.