Pandemia

Professor do MIT defende ‘cidade sensível’ pós-covid

Carlo Ratti é um defensor do uso da tecnologia e da criatividade como ferramentas para melhoria da qualidade de vida no ambiente urbano

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 15 de maio de 2021 | 16:46
 
 
 
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Em vez do conceito da "smart city", o urbanista e engenheiro italiano Carlo Ratti é um defensor do uso da tecnologia e da criatividade como ferramentas para melhoria da qualidade de vida no ambiente urbano. A essa proposta dá o nome de "senseable city" ("cidade sensível"), mesmo nome do laboratório de inovação que dirige no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), no qual também é professor. Ao longo da última década, as criações que Ratti fez no MIT e no escritório Carlo Ratti Associati figuraram em listas de publicações internacionais, como Time Magazine, Wired e Esquire, colocando-o entre os principais nomes em inovação e design no mundo. A uma semana de participar do Summit Mobilidade Urbana - que ocorre de forma digital e gratuita a partir de segunda-feira (17) -, ele falou à reportagem.

Como acha que a pandemia vai afetar o futuro das cidades?

Olhando para aspectos mais específicos, algumas mudanças podem ocorrer no setor imobiliário. O "smart working" (termo associado ao uso de novas tecnologias para melhorar a dinâmica profissional, geralmente associado ao home office) pode reduzir as demandas de longo prazo por escritórios, enquanto um efeito compensatório pode tornar obsoleto espaços de trabalho em unidades residenciais, nas quais passamos mais tempo. Essa abordagem é uma que está sendo seguida pela cidade de Paris, como parte da competição em andamento Reinventing Cities. Mudando para a (questão sobre a) forma como as pessoas se movem, a pandemia possibilitou formas mais flexíveis e eficientes de deslocamento entre casa e trabalho. Além disso, certos fenômenos que estavam há muito em formação foram colocados concretamente no radar. Estou pensando em micromobilidade, como bicicletas e e-scooters compartilhadas. Eles são mais sustentáveis do que carros particulares, enquanto permitem às pessoas mais espaço pessoal do que ônibus e metrô por questões de higiene.

O conceito de "smart cities" se tornou bastante difundido nos últimos anos. Ele ainda faz sentido neste momento?

Levando o conceito um passo adiante, eu proporia o termo "senseable cities" ("cidade sensível"). O primeiro dá uma impressão de tecnologia em prol da tecnologia e, em comparação, "cidade sensível" reconhece que a tecnologia deve ser usada para o avanço da vida humana: estratégias de detecção podem ajudar o ambiente urbano a responder às necessidades dos cidadãos em tempo real; e as cidades se tornam um espaço de vida mais sensível por causa disso. Outra característica do planejamento urbano que gostaria de destacar é a importância da experimentação: devemos abordar as soluções baseadas em "smart cities" com a mesma estrutura de tentativa e erro que usamos para startups e economia da inovação. Mais experimentos urbanos significam uma chance maior de realizar inovações com sucesso e tornar as cidades mais habitáveis.

As cidades brasileiras enfrentam ainda grande desigualdade social, infraestrutura insuficiente e recursos governamentais limitados. Como as inovações tecnológicas podem ajudar?

Em todo o mundo tenho visto pessoas sem água encanada e com smartphones, este último é um importante portal para acessar dados em tempo real e a "cidade sensível". Muitas cidades - inclusive Brasília - sofrem com o modernismo monofuncional no século 20. Mas, recentemente, uma alternativa tem sido mais defendida: bairros de uso misto, que ajudam os cidadãos a chegarem a residências, escritórios, escolas e lojas com facilidade. O conceito foi concretizado pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, na "cidade de 15 minutos", que visa a reduzir o tempo de deslocamento. E a micromobilidade seria muito útil para levar os cidadãos em viagens curtas ao redor (e através) de diferentes zonas.

Qual o papel dos dados na reformulação da mobilidade?

Em primeiro lugar, eles nos permitem compreender melhor a infraestrutura de mobilidade urbana e deixá-la evoluir. Além disso, os dados também são importantes para forjar um sistema de mobilidade mais eficiente, onde diferentes modos de transporte podem ser sincronizados. Chamamos isso de "Moving Web", uma plataforma digital que agrega dados sobre ônibus, trens e outros veículos e transmite essas informações em tempo real, para que os passageiros possam planejar suas viagens com as opções de mobilidade mais adequadas às circunstâncias.

Qual é a importância de mudanças na mobilidade para lidar com as mudanças climáticas?

O compartilhamento de carros e carros compartilhados são estratégias potentes que podem reduzir o número total de carros na cidade por uma grande margem. Menos carros significam menos emissão de gases de efeito estufa em geral. A adoção de mobilidade ativa - caminhar ou andar de bicicleta - também seria muito eficaz, principalmente no Brasil.

Como foi o desenvolvimento do seu recente projeto em Brasília?

A intelectual francesa Simone de Beauvoir uma vez descreveu a capital brasileira assim: "A rua, aquele ponto de encontro de transeuntes, de lojas e casas, de veículos e pedestres não existe em Brasília, e nunca existirá". Não concordo totalmente com ela, mas é verdade que o planejamento modernista não ajudou a realizar todo o potencial do espaço público. Isso é o que tentamos alcançar com o Biotic (bairro multifuncional que tem previsão de abrigar residências, escritórios, universidades, comércios e espaços públicos, com objetivo de ser tecnológico e sustentável), nosso plano mestre para a expansão da cidade.

O senhor também desenvolve um projeto em parceria com a Prefeitura do Rio, para as favelas. Como será?

Favelas 4D é um projeto que estamos conduzindo no MIT com Washington Fajardo, secretário de Planejamento Urbano da cidade do Rio de Janeiro. A nossa ideia é usar a tecnologia de digitalização a laser para analisar a morfologia da Rocinha. Favela 4D poderia servir a muitos propósitos: fornecer aos residentes um endereço muito necessário, desenvolver uma estrutura para atribuir títulos de propriedade e permitir o projeto de intervenções cirúrgicas para tornar o tecido urbano mais saudável e seguro. Finalmente, pode ser um recurso valioso globalmente para elevar os padrões de vida de assentamentos informais.

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