Explicações

TCU quer explicações do Ibama e Salles sobre os riscos dos retardantes de chamas

Ibama e Ministério do Meio Ambiente suspenderam compra de 20 mil litros de retardante de fogo, para lançar sobre áreas de queimadas do Pantanal

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 09 de novembro de 2020 | 15:49
 
 
 
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O Tribunal de Contas da União (TCU) deu prazo de 90 dias para que o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade prestem informações sobre o uso de retardante de chamas em ações contra queimadas.

Em decisão tomada na última quarta-feira, 4, o plenário do TCU determinou que os órgãos, sob orientação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, devem explicar ainda por que decidiram adotar uma ação "sem o esclarecimento sobre as consequências práticas do uso desses retardantes em desfavor do meio ambiente e da saúde pública", conforme o processo relatado pelo ministro-substituto do TCU André Luís de Carvalho.

No dia 16 de outubro, o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente suspenderam o plano de comprar 20 mil litros de retardante de fogo, em regime de urgência e sem licitação, para lançar sobre áreas de queimadas do Pantanal, no Mato Grosso. A suspensão ocorreu após o plano ser revelado pelo Estadão, em 13 de outubro Um laudo técnico do próprio Ibama, de 2018, apontou que a aplicação desse produto exige cuidados, por possíveis riscos ao meio ambiente e à saúde humana.

A reportagem mostra que o Ibama já estava com uma minuta de contrato pronta, com todos os dados do fornecedora do produto, para comprar os 20 mil litros do retardante, ao preço de R$ 684 mil. Esse produto químico, que é misturado à água e lançado por aviões sobre a vegetação, tem a propriedade de aumentar a capacidade de retenção do fogo.

Os técnicos do Ibama, porém, já foram claros no documento de 2018 ao alertarem sobre a necessidade de "suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias", por causa dos riscos de contaminação ao meio ambiente e às pessoas.

Agora, a secretaria agroambiental do TCU quer saber por que as recomendações técnicas foram ignoradas. A corte de contas pede ainda "medidas corretivas e preventivas" para as ações de combate a incêndios florestais na região do Pantanal e dos demais biomas, "ante a eventual inobservância de pareceres técnicos pelas instituições ambientais federais, resultando no inadequado atraso na adoção das medidas cabíveis para, entre outras providências necessárias, garantir a oportuna contratação, por exemplo, de brigadistas tendentes a auxiliar no oportuno combate aos focos de incêndio".

O uso desses produtos não tem regulação no Brasil. Por isso, o TCU determinou que deve ser analisada "eventual edição de atos normativos tendentes a tecnicamente regulamentar ou orientar o emprego de retardantes químicos de queimadas, entre outros produtos".

Sobre o material que chegou a ser utilizado, o tribunal pede que seja feito o "monitoramento e a medição do atual uso desses produtos na respectiva região diante dos eventuais riscos ao meio ambiente e à saúde das pessoas em face, por exemplo, de a pulverização dos retardantes sobre a vegetação tender a resultar na recomendação para a suspensão do consumo de água, pesca, caça, frutas e vegetais na respectiva região pelo prazo de quarenta dias".

O TCU deixou de acatar um pedido de suspensão cautelar da compra do material, apresentado pelo Ministério Público junto ao TCU, porque o próprio Ibama decidiu suspender a aquisição emergencial quando o plano veio à tona.

Conforme mostrou o Estadão, o Ibama fez uso parcial das informações de um laudo técnico elaborado por seus próprios servidores, em 2018, com o objetivo de autorizar a compra emergencial, e sem licitação. Esse documento traz a afirmação de que os estudos do produto apresentados pelo fabricante "indicam que o produto é biodegradável e apresenta baixa toxicidade para seres humanos e para algumas espécies representativas do ecossistema aquático". Essa informação foi incluída na argumentação de compra do órgão federal. O Ibama ignorou, porém, outros dados fundamentais deste mesmo documento.

O órgão chama a atenção para riscos, medidas preventivas, necessidades de testes e falta de regulação no País, por se tratar de produtos "cujos dados sobre a ecotoxicidade ainda são incipientes". Depois de afirmar que os agentes só devem utilizar o retardante apenas em último caso, quando outros meios de combate a incêndios forem ineficientes", o parecer traz uma lista de precauções. A principal delas pede para "instituir a suspensão do consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias, considerando que os produtos se degradam em cerca de 80-90% em 28 dias".

Consta no documento o pedido para que, em caso de aplicação do produto em terras indígenas ou próximo a locais populosos, que a população local seja informada "sobre os possíveis riscos do consumo de água e alimentos provenientes do local nos 40 dias seguintes à aplicação do retardante de chamas". O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama não informaram se essa comunicação prévia foi feita.

À reportagem, o Ibama chegou a dizer que "não há vedação legal ou regulamento que estabeleça exigência governamental na forma de registro ou autorização de uso de produtos retardantes de chama". Também afirmou que o laudo técnico do Ibama foi uma "análise em abstrato".

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