Em dezembro, Raquel Campolina, 38, participou de uma festa de fim de ano entre amigos. Mas a confraternização, que deveria terminar em alegria, virou tragédia: após um dos convidados usar álcool em gel para acender o carvão, o produto respingou na fisioterapeuta, que estava de costas, e em poucos segundos as chamas se formaram. "Foi instantâneo, ele colocou o álcool e começou uma explosão. Queimei 30% do corpo", conta.
Levada para o Hospital João XXIII, na região Central de Belo Horizonte, Raquel teve que passar por cinco cirurgias e ficou mais de 20 dias internada. "Eu estava sedada e não sentia tanta dor, o que piorou quando voltei para casa, foi a pior sensação da minha vida. Faço a limpeza em toda a área ferida para retirar a pele queimada, sem usar nenhuma anestesia", afirma.
E com o acidente, uma mudança brusca de vida: ela precisou abandonar o trabalho até pelo menos agosto e parte do tratamento chegou a ser interrompido por conta da pandemia do coronavírus. "A pele ainda não se regenerou completamente, tenho oscilações de dor. Para piorar, o hospital interrompeu o atendimento e vou ter que esperar uma remarcação para fazer outro procedimento", acrescenta. Enquanto isso, ela segue com os cuidados em casa. "Uso uma pomada e terei que ficar até dois anos sem tomar sol", revela.
Utilizado para prevenir o coronavírus nos ambientes em que não é possível lavar as mãos, o álcool em gel se tornou produto essencial nos tempos atuais. Com isso, cresce ainda mais a preocupação de especialistas com acidentes como o da fisioterapeuta. De acordo a Sociedade Brasileira de Queimados, desde o dia 19 de março, quando as medidas de isolamento social para combater a doença foram intensificadas, já ocorreram quase 100 casos graves que necessitaram de internações em todo o país.
Em algumas das regiões, conforme os dados, os índices mais que dobraram. Apesar de não ter registrado um aumento de internações em Belo Horizonte, a coordenadora do Centro de Tratamento de Queimados do João XXIII, Kelly Danielle de Araújo, afirma que há um crescimento dos pequenos acidentes. "O álcool em gel pode não explodir da mesma forma que o líquido, mas ele provoca chamas. Caso a pessoa tenha passado o produto, não esperou secar e foi usar um fogão, por exemplo, há um risco grande de queimadura. Por isso, é preciso ter alerta, já que o tratamento dos casos graves demora e os pacientes passam por inúmeros procedimentos cirúrgicos", explica.
O que fazer em caso de acidente?
Quando as chamas começaram a tomar conta do corpo, Raquel Campolina gritou por ajuda. "Pedi para jogarem água, mas as pessoas ficaram em estado de choque. Instintivamente, fui para o chão tentar apagar, meu namorado se jogou por cima, só que o fogo ficou por um tempo considerável. Minha roupa grudou na pele", relata.
Já a coordenadora do João XXIII, Kelly Araújo, afirma que, no caso de um acidente como a fisoterapeuta, a primeira medida que deve ser tomada é colocar a pessoa debaixo de água corrente fria, preferencialmente filtrada – isso pode reduzir muito o grau da queimadura. "Não se deve colocar gelo, que pode queimar ainda mais. Uma vez lavado, é essencial tirar o produto e as roupas, para não aprofundar ainda mais a queimadura", aconselha.
Caso apareçam bolhas, a recomendação é procurar atendimento médico imediatamente. "Se for algo menor, o próprio posto de saúde ou UPA consegue dar esse tipo de atenção. Nos casos graves, costumamos até fazer transplante de pele. Há risco de morte", enfatiza a especialista. Depois do acidente, Raquel aumentou ainda mais as precauções com o produto. "Para ser sincera, mesmo sendo da área da saúde, não sabia que o álcool em gel poderia causar algo assim", finaliza.
A médica Kelly Araújo lembra que os cuidados devem ser redobrados com crianças e idosos. "No João XXIII mesmo tem uma criança queimada por álcool em gel. Por isso, é importante só usar quando não puder lavar a mão, além de evitar o álcool na limpeza. Ele pode ser substituído por uma solução de água sanitária com água", alega.
Cuidados também com o álcool líquido
O tenente do Corpo de Bombeiros, Pedro Aihara, detalha também os riscos do álcool líquido, que é mais inflamável que a substância em gel. E devido à pandemia do coronavírus, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou, temporariamente, a venda do material com percentual acima de 70%, que, apesar de ser mais eficaz contra o Covid-19, é extremamente perigoso.
"Sempre tomar cuidado, observar as pessoas que estão utilizando o produto. Com essas ações, não vai ter nenhum tipo de acidente", exemplifica. O militar traz outras recomendações para serem tomadas em casa, como não guardar o frasco perto de eletrodomésticos como fogões e fornos microondas. "Não existe só o risco de queimadura, existe o de ingestão do produto, principalmente com criança ou idosos em casa. Além disso, quando passar o produto, esperar alguns poucos minutos até se aproximar de um local quente", frisa.
Sobre o álcool em gel, o tenente acrescenta que a chama é menos visível e, por isso, pode confundir a pessoa. "Principalmente durante o dia, pela própria composição do álcool em gel, as vezes parece que não está acontecendo um processo de combustão, mas está acontecendo", complementa. Há ainda a possibilidade de provocar um incêndio de maiores proporções.