A terceira idade deixou de ser uma fase tranquila, propícia para colher os frutos de anos de trabalho, para se tornar um período de muita luta. Com os filhos desempregados, cada vez mais dependentes financeiramente e ainda morando com os pais, quase metade dos idosos brasileiros (43%) é responsável pelo pagamento de contas e despesas do lar. A maioria deles só consegue arcar com esses custos com empréstimos. Tanto que 75% dos aposentados e pensionistas de Minas Gerais tomaram crédito consignado. É uma dívida somada de R$ 74 bilhões, cifra suficiente para tirar o sono de 2,4 milhões, dos 3,2 milhões, de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no Estado.
Dados levantados pelo INSS, a pedido da reportagem, mostram que o cenário é muito parecido em todo o Brasil. Dos 27,68 milhões de beneficiários da Previdência do país, 21,45 milhões estão tendo descontados em seus pagamentos mensais parcelas do crédito consignado. Um total de R$ 717 bilhões em empréstimos ativos que, não necessariamente, vão todo para custear necessidades dos beneficiários, como mostra pesquisa feita pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil).
Conforme o levantamento, 26% dos idosos brasileiros já fizeram empréstimo consignado no próprio nome para repassar o dinheiro a terceiros. Desses, 17% fizeram a pedido de filhos, cônjuges ou outros parentes. Outra boa parcela (51%) afirma recorrer aos bancos para cumprir os compromissos do mês.
“Os idosos são chefes de domicílios. Eles reservam uma parte da aposentadoria para pagar as próprias despesas e ainda para ajudar os filhos que moram com eles ou que estão desempregados. É muito comum, inclusive, filhos que nem moram com os pais almoçarem e tomarem banho na casa deles todos os dias”, afirma o consultor financeiro e professor de economia do Ibmec Felipe Leroy.
Realidade muito conhecida pelo belo-horizontino Enício Ferreira de Sousa, 71. “Nos últimos quatro anos, minha vida se tornou um inferno”, resume. Servidor da prefeitura, ele banca a casa dele e a do filho, de 36 anos, que mora com a esposa e o filho de 6 anos em um barracão nos fundos da casa dele. Com um salário de R$ 1.700, Enício teve que tomar o primeiro empréstimo, de R$ 3.000, em 2014, para pagar os materiais de construção e erguer a casa do filho. Como não conseguiu pagar as prestações, pegou outros valores para quitar parcelas. Agora, ele deve R$ 13 mil e recebe R$ 360. O restante é usado para o pagamento do consignado. “Virou bola de neve. Minha mulher tem 69 anos, é aposentada e voltou a fazer faxina para ajudar a bancar as duas casas”, conta.
Maior dívida da história em consignado
A crise tem forçado uma tomada cada vez mais intensa de crédito consignado por aposentados e pensionistas no país. Segundo dados do Banco Central, nos dez primeiros meses deste ano, foram emprestados R$ 63,2 bilhões nessa modalidade para aposentados e pensionistas no país. O volume é 20% maior do que os R$ 52,63 bilhões tomados no mesmo período de 2017. Comparado com 2015, o avanço foi de 76%.
Assim como a necessidade de empréstimos para arcar com os gastos subiu, a inadimplência nessa modalidade de crédito também avançou. Em outubro, estava em 2,18%, o maior percentual desde 2011, segundo o BC. Para o consultor financeiro Felipe Leroy, os números refletem a crise econômica, que aumentou o desemprego, principalmente entre os mais jovens, que ficam dependentes dos idosos. Houve também aumento do custo de vida, com alta de 6,29% na inflação de 2016 e de 2,95% em 2017.
Geracional
Entenda. A “geração canguru” é formada pelos jovens que optam por adiar a saída da casa dos pais. Casamentos tardios, alto custo de vida e mais anos de estudos são algumas das justificativas.