Folia e relacionamentos

Muitos beijos e pouco compromisso? Como os casais brincam o Carnaval?

Com os novos acordos, a monogamia perde espaço e abre-alas para que comprometidos e solteiros possam se unir em buscas de novas vivências durante a folia

Por Rayllan Oliveira
Publicado em 13 de fevereiro de 2024 | 07:00
 
 
 
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O termo Carnaval tem a sua origem no latim e quer dizer "carne vale", que significa "adeus à carne". A expressão que dá nome a uma das festas mais populares no Brasil faz jus a uma das características marcantes da festividade: a curtição. A folia é para muitos um período de trocas de experiências, principalmente com as formas de se relacionar. Com os novos acordos, a monogamia perde espaço e abre-alas para que comprometidos e solteiros possam se unir em buscas de novas vivências. Relacionamentos ganham novas formas entre aqueles que desejam aproveitar a folia.  

"Há cinco anos curtimos o Carnaval em Belo Horizonte e sempre aproveitamos esse período para curtir com outras pessoas. Isso nos blocos, nos encontros em sítios e até mesmo nas casas dessas pessoas", conta o executivo comercial Marcos*, de 34 anos, que há dez anos se relaciona com a analista de dados Rafaela*, de 36.   

Durante os dias de folia, a permissão para se envolver com outras pessoas é completa, sem qualquer restrição. "A maior parte dos casais só permite quando ambos estão presentes. No nosso caso não tem isso. Até porque gostamos de sair sozinhos e aproveitar essa liberdade de ter um date com outra pessoa. No Carnaval mesmo, o beijo é algo corriqueiro e inevitável, seja na frente dele ou não. Essa exigência de estar juntos não é um problema para nós, pelo contrário", detalha Rafaela*. 

Essa condição de total liberdade inexiste entre o professor Carlos*, de 36 anos, e o seu companheiro, o analista de qualidade André*, de 33. Eles estão juntos há oito anos, e só aceitam se envolver com outras pessoas quando os dois podem participar da relação. Uma regra válida durante todo ano, não apenas no Carnaval. "Nosso acordo atual é estarmos sempre juntos e em lugares privados, propícios para esse tipo de experiência em anonimato. Nunca ficamos com amigos ou pessoas conhecidas", reforça André*. 

O clima de folia foi, inclusive, o "empurrão" para o casal começar a se envolver com outras pessoas. "Isso era algo que não passava pela minha cabeça, até que em 2020 fomos a uma festa para arrecadar fundos para um novo bloco. Era uma festa liberal, e meu companheiro ficou muito à vontade com aquilo. Chegamos em casa, conversamos sobre o assunto e então decidimos nos abrir a novas experiências", relata o professor Carlos*. 

O professor afirma que desde então a relação de confiança entre eles aumentou. "Essa foi a maior transformação que tivemos, ficamos muito mais confidentes. Não foi um processo rápido, mas com muito diálogo e autodescoberta chegamos em um estágio ideal para o nosso relacionamento. É uma questão que fortaleceu nossa amizade, a lealdade um com o outro e a abertura para conversar sobre temas diversos", acrescenta. 

Para a sexóloga Sônia Eustáquia Fonseca, o Carnaval é uma festa que reúne elementos convidativos a essas novas experiências e até mesmo a quebra de alguns contratos estabelecidos nos relacionamentos. A combinação do estímulo visual com a dança, o álcool e até mesmo com outras drogas pode fomentar o estímulo do prazer. "As pessoas geralmente funcionam pelo prazer e não pela realidade, é um dilema entre aquilo o que é correto e o que se tem vontade de fazer.  E durante a folia ficamos mais expostos a esses estímulos", explica.  

A avaliação é semelhante à da psicóloga Edinalva Borges. Ela também alerta que a sensação de liberdade, comum durante o Carnaval, não pode servir como "gatilho" para fugir aos combinados prévios de um relacionamento. "Um casal sempre possui um contrato, algo que é construído no dia a dia e que geralmente as pessoas não percebem. Então, esses elementos que a gente presencia na folia precisam ser encarados com cuidado. Isso porque eles instigam uma área no cérebro chamada de sistema lírico, que é onde armazenamos as emoções, e que nos instigam a dar uma relaxada", completa. 

As especialistas sugerem que os casais que desejam aproveitar a folia conversem sobre a festa e os seus relacionamentos antes de curtir os blocos de rua e as festas privadas que ocorrem neste período do ano. Uma recomendação que, segundo elas, é válida para aqueles que possuem relacionamento aberto ou não.

"O relacionamento é um contrato, não necessariamente escrito, mas cheio de combinados. Ele estabelece regras e elas devem ser seguidas. Então, se o casal deseja ter experiências diferentes do convencional, é importante que tudo seja acertado. Se necessário, até mesmo escrever o que foi combinado", sugere a sexóloga.  

A psicóloga Edinalva Borges acrescenta que, neste combinado, o primeiro passo precisa ser a realização de ambos. "Tudo tem que ser feito com a consciência de que é algo combinado, não só de uma das partes, mas das duas. Para quem possui um relacionamento monogâmico, por exemplo, e deseja se envolver com outras pessoas durante a folia, é importante considerar se você está preparado para ver o seu parceiro ou parceira com outra pessoa. Aceitar essa condição só pelo outro e correr o risco de se machucar não é positivo", finaliza.  

E foi esse equilíbrio entre os desejos que fez com que a analista de comércio exterior Lavínia Barcelos, de 22 anos, e a sua companheira, a piloto de linha aérea Elizabeth Heim, que possui a mesma idade, mantivessem o relacionamento fechado durante os dias de folia. A única permissão é "distribuir selinhos" entre amigos. O gesto, definido como um beijo apressado, é visto por elas como uma brincadeira, além de uma forma de celebrar a festa e também seus aniversários - já que ambas nasceram em fevereiro, mês tradicional de folia.  

"Esses selinhos são brincadeiras que temos com nosso grupo de amigos, e só acontece quando estamos perto uma da outra. Nunca pensamos em envolver outras pessoas no nosso relacionamento, então essa conversa sobre como vamos aproveitar o Carnaval nunca foi necessária. Nossas expectativas estão bem alinhadas", explica Elizabeth.   

O casal, que está junto há quatro anos, desde quando se conheceram em uma festa nos Estados Unidos, afirma não se importar com aqueles que decidem abrir seus relacionamentos durante a folia. O incômodo se restringe somente quando algum folião ou foliona se aproxima delas de forma desrespeitosa.  

"A paquera é algo que acontece no Carnaval, mas o desrespeito não é algo que pode ser aceito. Quando alguém fala algo com uma de nós, tem aquele sentimento de ciúmes sim. Mas o pior é quando há a falta de respeito, isso atrapalha", afirma.   

A analista de comércio exterior Lavínia Barcelos, de 22 anos, e a sua companheira, a piloto de linha aérea Elizabeth Heim, que possui a mesma idade, continuam com o relacionamento fechado durante o Carnaval - Foto: Arquivo Pessoal.

E como ficam os solteiros?  

"Muita pose e pouca atitude". É assim que a autônoma Dayane Guerra, de 25 anos, avalia seus últimos carnavais em Belo Horizonte. Para ela, se envolver durante a folia, ainda que sem compromisso, está cada vez mais complicado. "É um momento de muita azaração, de aproveitar, mas está difícil", avalia.  

O gerente de marketing Willian Martins, de 28 anos, concorda com a atriz de que no Carnaval existe muita pose. Porém, para ele, a quantidade de poses é proporcional a de beijos. "Tem sim muita pose, mas também muitos encontros. Pelo menos tenho percebido isso. Claro que tem aqueles que estão apenas pela música, pela festa, o que é ótimo, mas acredito que muitos estão também para curtir as companhias, beijar na boca", argumenta.  

A autônoma e o gerente de marketing não possuem restrições quanto a se envolver com casais que possuem o relacionamento aberto. "Se a pessoa quiser e a outra concordar, é algo válido. Carnaval é para curtir, com respeito, claro, e lembrando sempre que não é não", afirma Dayane.  

Os únicos critérios para o gerente de marketing são o respeito e a sinceridade. "Não fico com alguém que não é educado, que passa dos limites e que está alterado. Isso vale para solteiros e casais. Agora, para aqueles que têm relacionamento aberto, isso não é um problema, caso tenha uma abertura e sinceridade se os dois estão tranquilos quanto a isso", diz Willian.  

Para o atendente de loja Thiago Gomides, de 26 anos, a curtição é um pouco mais restrita. Ele afirma que aproveita os dias de festa com o lema: mais beijos e menos compromissos. "Prefiro evitar me envolver com quem já possui algum relacionamento. Não gosto de ser o terceiro elemento em uma relação", aponta.  

Restrições que não se aplicam quando a paquera envolve solteiros. "Carnaval é curtição, se as duas pessoas querem e existe o respeito, tem que aproveitar. Se tiver vontade, seja feliz", finaliza.  

Atenção, foliões!  

A sexóloga Sônia Eustáquia Fonseca reforça que a curtição é válida durante a festa, mas os casais e os solteiros precisam ter cuidados em relação às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). "É importante ter consciência dos riscos e que eles podem ser evitados com preservativo, o anticoncepcional e outros meios. As estatísticas costumam apontar para o aumento dessas doenças após a folia, então é preciso ter cuidado", reforça.  

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, cada bloco poderá distribuir até 2,9 mil preservativos externos e 750 preservativos internos, além de 2 mil unidades de gel lubrificante durante os cortejos. A expectativa é de que 583 cortejos sejam realizados durante a folia na capital. Ao todo, 536 blocos de rua se cadastraram para desfilar nas nove regionais. 

* Nomes fictícios

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