O aumento de 100% nos casos de suicídio de policiais militares em Minas Gerais, dado obtido com exclusividade por O TEMPO e divulgado nesta quinta-feira (23 de maio), chama atenção para o cenário dentro dos batalhões. Uma psicóloga ouvida pela reportagem analisou que, quanto mais exposto a situações de estresse, humilhação e sobrecarga, mais dificuldade o policial encontra para manter-se estável na rotina da segurança pública. 

Na avaliação da professora do curso de psicologia do Centro Universitário Una, Camila Fardin Grasseli, o cuidado com a saúde mental também está associado a boas condições de trabalho e às relações dentro dos batalhões, delegacias e presídios. “Falta de reconhecimento, exposição ao perigo, baixa remuneração, assédio moral, tudo isso faz com o servidor pare de se identificar com o trabalho. É isso que provoca o esgotamento, também conhecido como ‘burnout’”, explica.

Na análise da especialista, quando o agente perde o sentimento de que o seu trabalho tem algum significado para a própria vida ou faz a diferença para a sociedade, o adoecimento chega a um patamar de alerta. “O burnout significa que a saúde dessa pessoa está muito prejudicada. A maior parte do tempo a gente passa no trabalho, e uma pessoa doente pode pensar que a saída, de uma forma desesperada, é abrir mão da própria vida”, alerta a professora. 

De fato, o esgotamento devido ao trabalho foi inserido na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), colocando nas instituições a responsabilidade pela saúde mental das equipes. A psicóloga Camila Fardin Grasseli reforça que, no caso dos agentes de segurança pública, é preciso reforçar a vigilância para evitar reações precipitadas.

“Os policiais são agentes armados. Eles precisam de avaliações de saúde mental periódicas. Em uma situação de burnout, estresse passando pela cabeça, qualquer comportamento mais violento vai ter um risco aumentado com o uso da arma. É ruim para a sociedade, mas para aquela família também”, afirma.

Sindicatos se preocupam com trabalhadores

O estresse inerente à profissão, combinado com más condições de trabalho e o baixo salário, foram apontados por Heder Martins de Oliveira, presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros de Minas Gerais (Aspra), como as principais causas para o adoecimento dos policiais. “A questão salarial é importante. Assim como a pressão que os PMs sofrem pela redução da criminalidade violenta, isso com um efetivo que está aquém do que deveria ser. Deveríamos ter pelo menos 50 mil, e temos 36 mil”, reclama.

Para o presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado de Minas Gerais (Sindpol), Wemerson de Oliveira o colega da PM está certo sobre a influência dos baixos salários e efetivos no psicológico das forças de segurança. “Em meio a isso tudo, vemos o governador (Romeu Zema) fazer uma declaração de que os servidores insatisfeitos deveriam ir para a iniciativa privada. No dia em que dois policiais tiraram suas vidas, o governador fez uma postagem em que diz que as pessoas precisam sofrer caladas. Esse tipo de coisa vai somando também para o adoecimento mental”, pondera. 

Com mais de 60 mil presos e cerca de 16 mil policiais penais, o Sistema Prisional de Minas Gerais também sofre com a falta de condições de trabalho, segundo Jean Otoni, presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Estado de Minas Gerais (Sidppen). "Nas unidades prisionais, sofremos muito assédio moral, assédio sexual, perseguição contra colegas. Isso tudo vai desencadear problemas psicológicos em alguns policiais penais", diz.

Pressão por “ser herói” x sensação de impotência

Um dilema que os agentes de segurança pública podem passar é estar entre a pressão de ser quem dá segurança e a fragilidade de não conseguir ficar bem sem ajuda psicológica. Isso só atrasa a busca por tratamento, segundo a especialista Camila Fardin Grasseli. “A sociedade mesmo enxerga esses agentes como herois, e isso é muito delicado. Os policiais precisam entender que, antes de tudo, estão ocupando um cargo público e que sua saúde física e mental vem antes”, explica.

O adoecimento não escolhe cargo nem tipo de polícia. Há mais de um ano, Erick Souto Guimarães, perito criminal da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), pediu a sua primeira licença para cuidar da saúde mental. “Eu demorei a pedir ajuda, por causa da cultura do silenciamento. Fui tomado pelo medo de acharem que estava dando desculpa para não trabalhar”, diz. Guimarães criou a própria rede de apoio, chamada “Cuide-se, Policial”, e, para ele, ver os casos de autoextermínio crescerem na segurança pública é se sentir impotente.

“É desesperador. Apesar de já terem sido expostos casos de suicídio, casos de adoecimento, nada muda. As instituições sempre respondem que o problema da pessoa não tem a ver com o trabalho”, denuncia. Na compreensão do perito criminal, só com acompanhamento psicológico, não há mudança. “Se a pessoa busca terapia, começa a se medicar, mas continua em um ambiente tóxico, ela não dá conta de melhorar. Não há terapia que compense uma rotina de exaustão e abuso. Precisa mesmo de uma mudança”, afirma. 

Minas tem três centros de atenção biopsicossocial

Procurado pela reportagem, o governo de Minas informou por nota que, entre as políticas executadas, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), por meio da Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor (DAS), “desenvolve ações de acolhimento biopsicossocial — abordagem multidisciplinar que considera as dimensões biológica, psicológica e social do indivíduo”. “Os atendimentos aos servidores da Sejusp acontecem em todo o Estado, de forma remota ou presencial, em um dos Centros de Atenção Biopsicossocial”, completou.

Até agora, Minas conta com três desses centros, em BH, Montes Claros e Uberlândia. O primeiro deles foi inaugurado em 2021, há três anos, e outras três unidades, em Unaí, Juiz de Fora e Pouso Alegre, estão previstas para serem abertas a partir de 2025. Para a coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Juliana Martins, este número ainda é insuficiente.

“Essa ajuda precisa vir junto com outros tipos de atitudes, outros projetos das instituições. Não adianta você submeter esses profissionais a escalas extenuantes de trabalho, humilhações, perseguições e condições de trabalho que não são adequadas. Não adianta termos um policial que precisa de ajuda e que não é ouvido, que não é escutado por conta, muitas vezes, da questão da hierarquia militar, que dificulta esse diálogo”, completa Juliana.

Já especificamente sobre a PM, o governo de Minas pontuou que a corporação promove, anualmente, o Programa de Saúde Ocupacional do Policial Militar (PSOPM), que tem como objetivo a promoção e cuidado com a saúde integral dos policiais militares da ativa, com avaliações de saúde nas áreas médica, odontológica e psicológica.

“A Polícia Civil de Minas Gerais, por sua vez, disponibiliza o Centro de Psicologia do Hospital da Polícia Civil (HPC), que oferece atendimento psicológico clínico, por meio de sessões presenciais e também por teleconsulta, para servidores da ativa, aposentados e dependentes, da capital e do interior do Estado”, completou. A unidade conta ainda com um plantão psicológico, sem agendamento, que pode ser feito por meio do WhatsApp, pelo número (31) 99807-9670. Mais informações sobre o serviço podem ser encontradas na rede social da Polícia Civil