SEGURANÇA PÚBLICA

Retorno do 'Novo Cangaço' em Minas deixa interior em alerta; PF entra na investigação

Após 6 meses sem o crime, Camanducaia, no Sul de Minas, foi alvo de bando fortemente armado; para especialista, é preciso investir em inteligência policial

Por José Vítor Camilo
Publicado em 07 de maio de 2024 | 16:59
 
 
 
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Na madrugada da última segunda-feira (6 de maio), a "paz" que reinava há seis meses no interior de Minas Gerais foi interrompida, depois que um bando fortemente armado sitiou Camanducaia, cidade de 20 mil habitantes no Sul de Minas, na modalidade criminosa que ficou conhecida como "Novo Cangaço". Segundo especialista ouvido por O TEMPO, o retorno do crime após o longo período em queda é motivo de alerta especialmente para as cidades menores, que contam com menor aparato policial. 

"É motivo de alerta, pois é um tipo de crime que tem grande impacto social, grande repercussão, pelo grau de violência envolvido", afirma Luiz Flávio Sapori, especialista em segurança pública.

Nas redes sociais, moradores da região comentaram o atentado e demonstraram estar com medo. "Passei por isso em Pouso Alegre. Só espero que não voltem como antes", escreveu um morador da cidade da mesma região. "Ultimamente tem vindo pessoas estranhas, e a cidade cada vez mais perigosa. Não temos paz mais", disse uma outra moradora da região. 

Entretanto, ainda segundo o especialista em segurança pública, é importante reconhecer que essa modalidade criminosa vem diminuindo em Minas. Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) indicam para uma queda de 99% em 2023.

"Muitas quadrilhas foram desmanteladas nos últimos anos. Tivemos muitos presos, muitos confrontos armados com policiais. Portanto, muitas dessas quadrilhas estavam desmanteladas e esse novo registro significa que é hora de voltar com o trabalho que estava sendo feito, que é um trabalho de inteligência policial", defendeu Sapori. 

O presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil de Minas Gerais (Sindpol-MG), Wemerson Oliveira, concorda que é necessário investimento no setor de inteligência, mas critica a falta de investimento em segurança pública no Estado. 

"Há muitos anos atrás a Polícia Civil desarticulou praticamente todas essas quadrilhas. Hoje, a instituição não tem capacidade de fazer investigações, principalmente as grandes, então é preciso que se invista na segurança pública, valorize seus servidores. Falta estrutura e falta salário, pois, hoje, o policial não consegue manter sua família e arruma atividades extras. Cansado, ele não vai produzir direito na polícia", critica Oliveira. 

PF participa da investigação

Procurada por O TEMPO nesta terça-feira (7 de maio), a Polícia Civil informou por nota que instaurou um inquérito policial para apurar os fatos ocorridos na cidade de Camanducaia, entretanto, até o momento, ninguém foi preso pelo crime, apesar de os veículos usados no dia já terem sido localizados. 

A instituição policial de Minas pontuou ainda que a Polícia Federal (PF) também participa das investigações. A reportagem também questionou a PF sobre as investigações, mas, até o momento, a corporação não se posicionou sobre o ocorrido no Sul de Minas. 

Até a segunda-feira, o último registro do "Novo Cangaço" em Minas tinha acontecido no dia 20 de outubro do ano passado, quando cerca de dez homens tomaram conta da pequena Itinga, cidade de 13 mil habitantes localizada no Jequitinhonha

Já no primeiro registro de 2024, segundo a Polícia Militar (PM) de Camanducaia, o grupo armado contava com cerca de oito suspeitos. Eles atiraram contra a agência do Santander e, em seguida, explodiram a agência da Caixa. Vídeos publicados nas redes sociais mostram o barulho dos disparos durante o crime.

Veja o vídeo:

Números do "Novo Cangaço"

Dados obtidos por O TEMPO com a Sejusp indicam que esta modalidade de crime do "Novo Cangaço" apresentou uma redução de 99% em 2023, quando foram registradas apenas duas ocorrências deste tipo. Para se ter ideia, em 2016 Minas Gerais registrou 252 ataques.

Ainda conforme os dados, fornecidos pelo Observatório de Segurança Pública da Sejusp, a maior redução aconteceu entre 2018 e 2019 (- 70,5%), quando o número caiu de 95 casos para 28. De 2021 para 2022, a redução foi de - 64,2%, passando de 14 para 5 registros.

Após analisar os dados disponibilizados pelo Estado a pedido de O TEMPO, a pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP-UFMG), Ludmila Ribeiro, explicou que a queda expressiva nestas ocorrências ocorreu justamente entre 2018 e 2019, quando estratégias de prevenção teriam sido implantadas no Estado.

"Isso (redução) provavelmente está relacionado a uma maior vigilância nas rodovias, e à implementação dos observatórios municipais de segurança pública, com sistemas de videomonitoramento que ajudam a identificar os suspeitos. A melhor forma de combater o novo cangaço é, justamente, investir em inteligência, para verificar o que está para acontecer antes da ação em si, garantindo que esses suspeitos sequer cheguem à cidade", ponderou.

Em conversa com a reportagem, o porta-voz da Polícia Militar (PM), tenente-coronel Flávio Santiago, destacou que, nos últimos anos, a corporação vem adotando uma série de estratégias para conter essa modalidade de crime, sendo boa parte delas sigilosas.

"Não posso detalhar por envolver táticas operacionais, mas posso dizer que a PMMG tem, hoje, uma checagem de inteligência de primeiro mundo. Temos sistemas que cruzam dados de todo o país. Mas, sobretudo, nossa diretoria de inteligência é muito capaz de fazer a identificação precisa das pessoas envolvidas neste crime, o que facilita muito o trabalho. A inteligência tem, cada vez mais, se tornado uma ferramenta importante na instituição", afirma o militar.

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