Camila Cristina Soares Rocha trabalha com cozinha há uma década. A jovem, de 28 anos, é tão comunicativa que já atuou como anfitriã em um restaurante de BH. A falta de curso profissionalizante na área e o envolvimento ainda nova em delitos foram “grades invisíveis” que a impediam de sonhar ir além na carreira. Uma noção que ela tem adquirido no cárcere, enquanto paga pena de 37 anos por envolvimento em um sequestro.

Com touca e avental, ela se afastou um pouco do fogão e do balcão da cozinha da Penitenciária Feminina Estevão Pinto, onde faz o curso de cozinha industrial, para falar sobre o projeto, que fecha esta série de reportagens. “Não tinha o curso e seguia as regras, mas não sabia os motivos. Hoje eu entendo. Quando sair daqui, quero abrir um restaurante ou um delivery”, diz. Camila espera que, em 12 anos, possa estar no regime semiaberto. Ela é uma das 31 detentas que se agarram à ideia de que o trabalho e o estudo proporcionados pela iniciativa vão reduzir o tempo de cadeia e abrir portas para o retorno à sociedade.

Além disso, elas ganham 3/4 de um salário mínimo por mês – que é pago pela empresa responsável pela alimentação no presídio. “A gente trabalha junto: uma ajuda a outra. Imaginava a cadeia de outro jeito, mas aqui conheci pessoas de verdade”, afirma.


Camila Cristina Soares Rocha pretente trabalhar com delivery após o cárcere

Camila faz parte da segunda turma do curso, que tem duração de seis meses. A professora e nutricionista Clezia Almeida afirma que as meninas, em parceria com a equipe, produzem de 375 a 400 refeições por dia, em cada horário (café da manhã, almoço e jantar). “A gente tem uma equipe da cozinha, que é contratada da empresa, tem os nutricionistas de apoio, a nutricionista administrativa. Todas as práticas são assistidas, explica.

O papel de Clezia vai muito além das receitas e do ensino sobre as boas práticas na cozinha. Ela acredita que a cozinha seja um espaço de empoderamento. “É um divisor de águas, é um recomeço para muitas delas, e eu escuto muito a fala principal: ‘Eu ganhei uma oportunidade, uma esperança’. Algumas pensam em abrir um negócio, outras em levar adiante o conhecimento ou até mesmo fazer uma faculdade”, afirma.

Clezia é professora e nutricionista e trabalha na cozinha-escola. Crédito: Fred Magno/O Tempo

Subdiretora de humanização do atendimento do presídio, Adriana Alves Rosa concorda que a cozinha-escola vai além de um curso. “A gente observa que há esperança de um futuro melhor. Inclusive, uma detenta foi contratada pela empresa lá fora, e tenho duas para serem contratadas também para trabalho externo”, conta.

Para Adriana, a iniciativa serve de inspiração para que outras detentas queiram se juntar à turma da cozinha-escola. “Acredito que as outras, vendo essa experiência, se espelhem”, avalia. 

Adriana Alves Rosa é subdiretora de humanização e acredita que o trabalho e o estudo são caminhos de reinserção. Crédito: Fred Magno/O Tempo

Virada: dedicação a trabalho e estudo é orgulho para as famílias

O mundo da cozinha não é exatamente uma novidade para a detenta Isabela Gomes Pereira, de 31 anos. Ela chegou a cursar períodos de nutrição. “Muita coisa que eu cursei na faculdade, hoje em dia, na prática, vejo que é totalmente diferente. A área era de nutrição esportiva, e aqui estou trabalhando em uma cozinha industrial. É diferente. A forma da higienização, do manuseio dos alimentos, dos equipamentos”, conta. Na cozinha, ela e as outras meninas trabalham dias alternados. E, nos dias de “folga”, Isabela sente falta. “Minha cadeia está mais leve, os dias em que a gente fica na cela ficam supermonótonos”.


Isabela Gomes Pereira sente que as aulas e o trabalho deixaram a cadeia mais "leve"

A experiência também foi motivo de orgulho para a família de Isabela. “Quando eu falei com minha mãe que eu estava trabalhando, ela ficou superfeliz, principalmente por eu estar atuando em uma área na qual já atuava”, diz. Ela já cumpriu 2 anos da pena de 30 anos e, quando sair ou mudar de regime, já sabe que vai empreender. Para a formatura no curso de cozinha industrial, ela sonha em convidar o irmão. “Tem 2 anos que eu não o vejo, desde que vim presa. Através desse curso, vejo a possibilidade de recomeço”.

Para a família da presa Camila Cristina, o curso também foi motivo de satisfação. A mãe dela deve acompanhá-la na entrega dos certificados. “Ela ficou muito feliz quando eu virei cozinheira, e agora, que fiz o curso e com o certificado, a história muda (no mercado de trabalho)”.