Na última semana, o pequeno Raul Prados, de 3 anos, ficou quatro dias internado, no oxigênio, após ter sido exposto a uma grande quantidade de fumaça vinda de uma queimada em um terreno próximo à casa dele, em Santa Luzia. O menino foi vítima de uma situação ainda comum em Belo Horizonte e região metropolitana e que preocupa especialistas: as queimadas urbanas, sobretudo de lixo doméstico. Embora a capital não tenha os números de ocorrências desse crime, segundo um levantamento do Departamento de Economia do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb), as projeções são de que 6 milhões de toneladas de resíduos são queimados de maneira irregular todos os anos no Brasil, gerando 256 mil toneladas de CO2 e diversos problemas de saúde. A situação chama a atenção nesta Semana do Meio Ambiente, que teve início nesta segunda-feira (3 de junho), com o tema: "Restauração da Terra e Resiliência às Mudanças Climáticas”.
“Meu filho tem bronquite e faz controle com bombinha, além de ser uma criança muito alérgica. Perto da minha casa, houve um incêndio de grande proporção. Fechamos todo o imóvel, mas mesmo assim não conseguíamos respirar, mesmo tentando umidificar o ambiente. Meu filho ficou cansado, com respiração ofegante. Levei ao médico, e ele nem passou pela triagem, foi diretamente para o oxigênio e ficou internado”, conta Sara Prados, a mãe de Raul.
Conforme a clínica geral do Hospital Universitário Ciências Médicas de Minas Gerais (HUCM-MG), Thaís Silva Nunes, a exposição a queimadas de vegetação já é muito arriscada. A situação piora quando as pessoas colocam fogo em lixo, porque dependendo do que está sendo queimado, há a liberação de gases mais tóxicos. Segundo ela, os efeitos para a saúde dos seres humanos vão de irritação de mucosa, lacrimejamento até acometimento neurológico, com confusão mental. Se a situação se repete com frequência, podem haver casos irreversíveis.
“Pode ter efeitos também mais crônicos, principalmente de acometimento cardíaco, pode aumentar o risco de câncer”, diz ela, lembrando que outro resultado pode ser lesão no pulmão, com um quadro crônico e irreversível. “Ao inspirar profundamente, e a pessoa sentir dor, isso seria sinal de que teve uma inflamação mais importante. Inclusive, sendo possível que, por essa inflamação, ela tenha ficado mais sensível a infecções e tenha evoluído para uma pneumonia. Não só pela fumaça, às vezes também uma pneumonia por bactéria. Por ter ficado mais inflamado, é mais fácil uma pneumonia por bactéria”, diz ela.
Conforme a médica, as crianças tendem a ser mais sensíveis à exposição à fumaça, por terem uma frequência respiratória um pouco maior, inalando, assim, mais quantidade. Os idosos também são mais vulneráveis, pois muitos deles já têm algum acometimento pulmonar, além de uma imunidade menor. Mas a maior preocupação são com pessoas que já têm alguma doença pulmonar, como asma. “Essas são as pessoas que estariam mais sensíveis, independentemente da idade, a esses danos causados pela fumaça”, afirma Thaís Nunes.
Crime
Em Belo Horizonte, a queima de resíduos ao ar livre é proibida pelas legislações de limpeza urbana e ambiental. A multa prevista é de R$1.829,93. Além disso, como explica o advogado criminalista Paulo Crosara, a prática é crime ambiental, conforme o artigo 54 da Lei 9605/98. “Se uma pessoa chega no quintal dela, perto de outras casas, e faz a queimada, não precisa necessariamente ter causado danos aos outros. Só a possibilidade de causá-los já é o suficiente”, diz ele.
A pena para esse tipo de crime, se for considerado culposo, é de seis meses a um ano de prisão. No caso de ser doloso, aumenta para um a quatro anos de detenção. Além disso, é possível processar o autor da queimada e pedir indenização, em caso de o ato ter gerado problemas para os vizinhos.
“Deve-se procurar a polícia e registrar boletim de ocorrência, além de produzir provas, tirar fotos. É possível exigir uma indenização por danos morais e materiais, caso tenha tido gastos com saúde, por exemplo. Cada caso é um caso”, afirma o advogado.
Ações
Conforme Kryscia Palhares, chefe do Departamento de Políticas Sociais e Mobilização da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) de Belo Horizonte, embora não se tenha os números de ocorrências de queimadas de lixo doméstico, a situação ainda é comum na capital mineira. Um dos motivos é que muitas pessoas não aguardam a passagem do caminhão de lixo —que não é diária — e acabam queimando os resíduos.
“Cada tipo de lixo deve ter um tratamento final adequado, e nenhum deles é queimando. A prefeitura combate essa prática com campanhas educativas, mostrando os malefícios que ocorrem dela, inclusive a emissão de gases de efeito estufa, que contribuem para as mudanças climáticas”, diz.
Kryscia Palhares também lembra que em períodos mais secos, os riscos dessa prática são ainda maiores, já que o fogo pode tomar ainda maiores proporções. “É preciso que a população descarte o lixo no dia e horário corretos, que espere a passagem do caminhão. Também é importante repensar o consumo e a geração de resíduos de cada um”, conclui.