A seca que atinge Minas Gerais fez 137 cidades declararem situação de emergência, colocando mais de 2 milhões de pessoas sob as desafiadoras consequências da falta de água. Para especialistas, o Estado está à beira de um verdadeiro colapso hídrico, fruto da interferência histórica do ser humano na natureza, ainda mais intensa nos últimos anos — ou seja, a ‘culpa’ não é só da falta de chuva. Embora oficialmente não tenha sido decretado nenhum tipo de racionamento, parte da população já se vê obrigada a economizar água, diante da possibilidade de não vê-la mais saindo das torneiras em breve (veja abaixo a lista de municípios afetados).

De acordo com a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade), a seca é uma estiagem prolongada, durante o período de tempo suficiente para que a falta de chuvas provoque grave desequilíbrio hidrológico. Com o estado de emergência, as prefeituras podem solicitar recursos do governo federal para ações como compra de água mineral, cestas básicas, refeição para trabalhadores e voluntários, kits de limpeza de residência, higiene pessoal e dormitório, entre outros. Além disso, outros tipos de ações estão sendo feitas pelos órgãos competentes e pela própria população para evitar um desabastecimento ainda maior.

Moradora de Itabira, no Vale do Aço, a atendente Natalia Sousa, de 22 anos, é um dos exemplos de moradores de Minas obrigados a viver com o fantasma do desabastecimento e da seca. Ela afirma que reduziu e muito o consumo de água. Os banhos se tornaram bem mais rápidos, ela usa a água da máquina de lavar para limpar a varanda e usa regador em vez da mangueira para regar as plantas. “Tento economizar, fazer a minha parte, sei que nem todos fazem, mas imagina se todo mundo pensar assim?” diz ela.

O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), que presta o serviço no município, afirma que, por conta do período de estiagem, as vazões de água bruta foram reduzidas a níveis que comprometem o abastecimento dos moradores da cidade. O próprio órgão solicita que a população “utilize a água com racionalidade, evitando desperdício”.

Diante da situação, a Saae teve de iniciar a captação e bombeamento emergencial de água bruta no Córrego Rio de Peixe, com capacidade para suprir parcialmente a demanda.

“Para realizar essa nova captação, a autarquia precisou solicitar outorga emergencial junto ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Além disso, foi necessário realizar processos de aquisição de materiais e equipamentos, como por exemplo gerador, já que o local de captação emergencial não possui energia elétrica”, destacou.

Seca

Coordenador do Projeto Manuelzão e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marcus Polignano afirma que a seca que atinge diversas cidades mineiras é fruto de um conjunto de fatores. Para ele, a situação é preocupante e alarmante. “A vida é movida à água. Qualquer situação que coloque em risco a questão da água é preocupante porque afeta a vida e a saúde das pessoas, além da questão econômica, a produção agrícola, geração de energia… tem todo um efeito cascata”, diz.

Conforme Polignano explica, existe um sistema natural de produção de água, que atualmente está comprometido pelas ações dos seres humanos. “A chuva traz a água, mas é preciso haver a preservação do solo, da mata. O sistema opera com a força da natureza e tudo o que se faz no sentido de afetar o funcionamento desse sistema vai trazer problemas. Atualmente, já temos o aquecimento global, mudanças em relação às chuvas, destruição das matas de recarga. Estamos flertando com o colapso hídrico. Nós estamos brincando com a natureza, e com a natureza não se brinca”, afirma ele.

Idealizador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer afirma que cada região de Minas Gerais deve ser avaliada de maneira individual, de acordo com as suas características. Segundo ele, a chuva que cai no semiárido, por exemplo, de maneira geral poderia ser suficiente — mesmo que não abundante — para o abastecimento de água, mesmo em tempos de “vacas magras”. No entanto, é preciso encontrar condições favoráveis para isso, o que muitas vezes já não acontece. Conforme o especialista, nos últimos 50 anos, diversas ações dos seres humanos têm gerado esse tipo de situação, que só piora.

“Se cai a chuva, mas está tudo desmatado, a água vai embora, não penetra na terra. Normalmente no semiárido a água se infiltra no solo por causa da vegetação, mas está tudo acabando. Além disso, a partir da década de 1970, houve um grande desenvolvimento de tecnologia de perfuração para colocação de bombas de água. Havia um acúmulo de água de milhões de anos, e essa reserva foi se acabando com essas ações”, diz ele.

Diante dessa realidade, lembra o especialista, por mais que chova muito durante o ano, os resultados já não são bons como se espera.

“Nos últimos em Minas Gerais só se falava em ‘dilúvio’, mas a água não penetra no solo, então o problema continua. A cada ano, aumenta a retirada da água subterrânea. O que mantém os rios vivos são as nascentes que vêm dessa água”, diz.

Preservação

Por mais que os seres humanos tenham feito diversas invenções nos últimos anos, Marcus Polignano lembra que há coisas que não é possível fazer nem mesmo com todas as inovações e avanços tecnológicos já vistos até o momento. Por isso, para resolver a questão da seca, é necessária uma atitude aparentemente simples: preservar a natureza.

“A escassez de água é fruto dos fenômenos naturais diante das mudanças que a gente vem provocando, gerando um desequilíbrio. A mudança dessa situação de seca depende de manter a natureza no seu status quo. Não tem como criar uma indústria de produção de água ou criar uma política de reposição de água”, conclui.

Situação em Belo Horizonte

Na região metropolitana de Belo Horizonte, segundo a Companhia de Abastecimento de Minas Gerais (Copasa), o nível dos reservatórios está dentro dos padrões de normalidade para esta época do ano. No entanto, a empresa não deu mais detalhes sobre o assunto.

Já a  Coordenadoria Estadual de Defesa Civil afirma que conta com diversas ações para apoiar os municípios e a população afetados pela seca. Entre 2023 e 2024, por exemplo, houve Transporte e Distribuição de Água Potável (TDAP), entregando 175 milhões de litros de água e beneficiando 104 mil pessoas em 73 municípios.

Além disso, investe no Programa Água Doce, que recupera poços e constrói sistemas de dessalinização de água, levando água potável à população rural do semiárido mineiro. Ainda conforme o órgão, está previsto colocar em pleno funcionamento 69 sistemas de dessalinização, beneficiando 28 mil habitantes em 26 municípios do semiárido mineiro, entre outras ações. Todos os municípios em situação de emergência vigente podem solicitar materiais da Defesa Civil.

“O Estado desenvolve o Plano de Ação Climática (Plac), instrumento estratégico de diretrizes e ações prioritárias para conduzir o planejamento do estado no enfrentamento às mudanças climáticas. O Plac inclui metas para ampliação da identificação e mapeamento das áreas de risco hidrológico e geológico nos 853 municípios mineiros, bem como ações de inovação e aprimoramento tecnológico para o monitoramento das áreas críticas de risco geológico e hidrológico no território estadual”, ressalta.

Veja a lista de cidades atingidas


  • Almenara
  • Aricanduva
  • Arinos
  • Berilo
  • Berizal
  • Bocaiúva
  • Bonito de Minas
  • Botumirim
  • Brasilândia de Minas
  • Buritizeiro
  • Campo Azul
  • Capitão Enéas
  • Carbonita
  • Catuti
  • Chapada do Norte
  • Chapada Gaúcha
  • Cônego Marinho
  • Coronel Murta
  • Cristália
  • Curral de Dentro
  • Engenheiro Navarro
  • Espinosa
  • Felisburgo
  • Francisco Dumont
  • Francisco Sá
  • Fruta de Leite
  • Gameleiras
  • Glaucilândia
  • Grão Mogol
  • Guaraciama
  • Ibiaí
  • Ibiracatu
  • Icaraí de Minas
  • Indaiabira
  • Itacambira
  • Itacarambi
  • Jacinto
  • Jaíba
  • Januária
  • Japonvar
  • Jequitaí
  • Jequitinhonha
  • Joaquim Felício
  • Jordânia
  • José Gonçalves de Minas
  • Josenópolis
  • Juramento
  • Juvenília
  • Lontra
  • Luislândia
  • Mamonas
  • Manga
  • Mato Verde
  • Minas Novas
  • Mirabela
  • Montalvânia
  • Monte Azul
  • Montezuma
  • Ninheira
  • Novo Cruzeiro
  • Novorizonte
  • Olhos-d'Água
  • Padre Carvalho
  • Pai Pedro
  • Pedra Azul
  • Pintópolis
  • Pirapora
  • Ponto Chique
  • Ponto dos Volantes
  • Porteirinha
  • Riachinho
  • Riacho dos Machados
  • Rubelita
  • Santa Cruz de Salinas
  • Santo Antônio do Retiro
  • São Francisco
  • São João das Missões
  • São João do Pacuí
  • Serranópolis de Minas
  • Taiobeiras
  • Turmalina
  • Ubaí
  • Uruana de Minas
  • Urucuia
  • Vargem Grande do Rio Pardo
  • Varzelândia
  • Verdelândia
  • Veredinha
  • Virgem da Lapa
  • Monte Formoso
  • São João do Paraíso
  • Águas Vermelhas
  • Vazante
  • Miravânia
  • Leme do Prado
  • Araçuaí
  • Baldim
  • Bertópolis
  • Bonfinópolis de Minas
  • Brasília de Minas
  • Buenópolis
  • Cachoeira do Pajeú
  • Capelinha
  • Carlos Chagas
  • Coração de Jesus
  • Diamantina
  • Divisa Alegre
  • Felício dos Santos
  • Formoso
  • Francisco Badaró
  • Itamarandiba
  • Itaobim
  • Itinga
  • Janaúba
  • Jenipapo de Minas
  • Joaíma
  • Lagoa dos Patos
  • Lassance
  • Malacacheta
  • Matias Cardoso
  • Montes Claros
  • Patis
  • Pedras de Maria da Cruz
  • Poté
  • Resplendor
  • Rubim
  • Salinas
  • Santa Fé de Minas
  • Santa Helena de Minas
  • São João da Lagoa
  • Senador Modestino Gonçalves
  • Três Marias
  • Várzea da Palma
  • São Romão
  • Bugre
  • Rio Pardo de Minas
  • Setubinha
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