Desconto na compra online antecipada de passagem de até 60%: essa tem sido uma das principais estratégias adotadas pelas empresas regulamentadas de transporte para atrair o público e evitar que os passageiros migrem para o serviço clandestino. A modalidade ilegal acaba tendo maior adesão no período de férias escolares, já que muitos optam por economia em detrimento da segurança e se arriscam em veículos que não passam por inspeções obrigatórias. Em Minas Gerais, cerca de 80 veículos são removidos mensalmente devido à prática de transporte clandestino de passageiros. Especialistas alertam que o serviço é o famoso "barato que sai caro", já que problemas mecânicos são mais frequentes nesses veículos. A má conservação aumenta a chance de acidentes, colocando em risco tanto os passageiros quanto outras pessoas.
Além disso, estudiosos destacam que o transporte clandestino causa impacto no sistema público de saúde, já que acidentes envolvendo esses veículos sobrecarregam o atendimento hospitalar. Os problemas não se restringem à saúde dos passageiros e incluem práticas criminosas, como o tráfico de drogas, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati). A ilegalidade é comprovada por dados da Diretoria de Estatística e Análise de Informações de Segurança Pública. Entre janeiro e novembro de 2024, 852 veículos foram retirados de circulação por estarem realizando transporte clandestino no Estado.
O diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego, Alysson Coimbra, corrobora com a análise de que a busca por viagens mais rápidas e acessíveis tem impulsionado essa prática. “Embora o transporte clandestino pareça uma alternativa mais barata e ágil, ele não oferece segurança ou garantias de que o passageiro chegará ao destino com integridade física. Escolher segurança e legalidade é preservar o bem mais precioso: a vida”, alerta Coimbra.
Empresas regulares oferecem vantagens
Letícia Pineschi, conselheira da Abrati, observa que empresas regulamentadas têm adotado descontos na compra online antecipada de passagens, enfraquecendo a justificativa de que o transporte clandestino é mais vantajoso. “Hoje, há tarifas interestaduais livres, sem tabela fixa, o que permite oferecer preços mais competitivos para quem compra online com antecedência”, explica.
O TEMPO verificou que no site de uma empresa de ônibus regularizada uma viagem realizada de Belo Horizonte a São Paulo é vendida com 60% de desconto, passando de R$ 310 para R$ 118. Essa estratégia é na análise de Coimbra necessária para atrair o público. “Toda atividade que tem como base o atendimento de pessoas deve buscar constantemente inovações e mecanismos que estimulem sua utilização. No caso do transporte rodoviário de passageiros, isso não é diferente. O público busca preço justo, conforto e, acima de tudo, segurança”, diz.
“Os fatores econômicos são, sem dúvida, os principais motivadores da escolha pelo transporte clandestino, especialmente em períodos de dificuldade financeira. No entanto, é necessário conscientizar a população de que o custo-benefício desse tipo de transporte é ilusório. É essencial expandir a mentalidade da população por meio de campanhas educativas e um esforço focado em conscientizar sobre o impacto dessas escolhas”, complementa destacando a necessidade da constante realização de campanhas educativas.
Jornadas exaustivas aumentam os ricos
A conselheira da Abrati destaca que a desobediência às normas de segurança é um dos maiores riscos do transporte clandestino. Motoristas enfrentam jornadas longas sem intervalos regulares, aumentando em até 70% o risco de acidentes, segundo entidades do setor. “Além de comprometer a segurança viária, o transporte irregular desvaloriza profissionais e fragiliza o mercado como um todo”, pontua.
O valor inicial da multa por transporte clandestino é de R$ 5.279,70. Em casos de reincidência, conforme a Lei 19.445/2011, o valor pode ultrapassar R$ 10 mil. Os veículos são apreendidos e só são liberados após o pagamento de despesas como reboque e taxas administrativas. Caso o condutor não seja habilitado ou autorizado, podem ser aplicadas penalidades adicionais, segundo o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG).
Ligação com crimes
O transporte clandestino também é apontado como canal para crimes como tráfico de drogas, pessoas e animais silvestres. “Por não exigirem documentação nem emitirem bilhetes fiscais, essas empresas criam um ambiente propício para atividades criminosas”, alerta Letícia Pineschi.
Casos como o de uma mulher detida em São Paulo com 160 kg de maconha no bagageiro de um ônibus clandestino, que fazia o trajeto Paraná-Alagoas, ilustram o problema. “No transporte regular, isso seria inviável, pois as empresas autorizadas cumprem normas rigorosas de fiscalização e segurança”, explica Pineschi.
Mais fiscalização
Membro efetivo da Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o deputado estadual Celinho Sintrocel (PCdoB) cobra mais fiscalização para erradicar o transporte clandestino. Nas estradas estaduais o controle é feito pelo pelo DER-MG. Já nas rodovias da União, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) são designadas para a função.
"Temos cobrado veementemente do governo do Estado uma fiscalização mais rigorosa para a retirada de todo o transporte alternativo e clandestino que está em operação. Infelizmente, não temos visto ações efetivas por parte dos órgãos competentes para coibir essa atividade, que impacta negativamente a vida dos usuários, das empresas concessionárias e dos trabalhadores do setor", afirma o deputado.
O parlamentar ressalta que a atuação do transporte clandestino aumenta o custo das tarifas do serviço regulamentado e impede que as empresas renovem suas frotas, levando à "depreciação" do setor. "O sistema alternativo coloca os usuários em risco, com um alto índice de acidentes, já que os veículos não estão em boas condições. O povo mineiro está pagando um preço alto, enquanto o governo poderia tomar medidas mais efetivas para fiscalizar, retirar os veículos irregulares de circulação e cobrar melhorias das empresas regulamentadas", conclui.
O que diz o DER-MG
O departamento responsável pelo gerenciamento das rodovias estaduais esclarece que ações de fiscalização são realizadas de forma rotineira em toda Minas Gerais para combater e inibir o transporte clandestino.
"Nos períodos de maior demanda por viagens fretadas — férias escolares, feriados prolongados e festividades de final de ano —, as ações do DER-MG são intensificadas e realizadas em conjunto com a Polícia Militar Rodoviária, Polícia Rodoviária Federal, Guarda Municipal, Polícia Federal e Agência Nacional de Transportes Terrestres", informou o órgão.
O DER-MG destacou que, nas rodovias federais, onde há maior fluxo de veículos, o transporte irregular é monitorado pela Polícia Rodoviária Federal e pela Agência Nacional de Transportes Terrestres. Já dentro das cidades, o trabalho de fiscalização é responsabilidade das guardas municipais.
A conscientização dos usuários é promovida pela equipe de Educação para o Trânsito do DER-MG. "O objetivo é orientar os passageiros a evitar o uso de transporte não autorizado, mostrando os riscos a que estão sujeitos: ausência de seguro em caso de acidentes, viagens interrompidas pela fiscalização, não devolução do valor da passagem pelo transportador e falta de garantia de outra opção para concluir a viagem", explicou o departamento.
O que diz a PRF e a ANTT
Em nota, a ANTT informou que realiza fiscalizações periódicas em terminais rodoviários e nos principais corredores logísticos do país, em pontos estratégicos, com o objetivo de garantir a qualidade e a segurança do transporte interestadual e internacional de passageiros.
"Além de combater o transporte irregular, as fiscalizações verificam o cumprimento de normas, como a gratuidade obrigatória, os padrões de segurança, higiene, conforto, pontualidade, condições dos veículos e a regularidade dos serviços oferecidos. A fiscalização também pode ser realizada por outros órgãos de segurança e trânsito, como a PRF."
Por sua vez, a PRF declarou que fiscaliza os equipamentos obrigatórios dos veículos, a documentação de licenciamento dos veículos e a documentação dos condutores, conforme previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Saiba como identificar o transporte clandestino
Antes de comprar a passagem, os usuários são orientados a tomar algumas medidas de precaução. Veja algumas dicas do DER-MG:
- Se o prestador do serviço / cooperativa e o motorista são cadastrados no DER-MG;
- Se o prestador do serviço tem autorização válida para a viagem contratada (origem e destino);
- Se o veículo a ser utilizado na viagem está autorizado, pelo departamento, a prestar este tipo de serviço;
- Prévio conhecimento da lista fechada de passageiros que vai ser transportado;
- Consulta de cadastro do prestador de serviço de fretamento no site do Departamento.