Querer superar desafios de saúde mental pode soar como um poema de Adília Lopes. Existe o desejo de poder dizer, como ela escreveu: “A minha história é outra, e começa agora. Estou sempre a começar.” A vida além do diagnóstico, no entanto, não é tão simples: o sofrimento psíquico exige tratamento especializado. Foi para inspirar os recomeços que surgiu a campanha Janeiro Branco, no mês que inaugura um novo ano e simboliza a possibilidade de mudança. A iniciativa busca incentivar pacientes psiquiátricos a iniciar um tratamento contínuo, cuidadoso e acessível – algo que o Sistema Único de Saúde (SUS) torna possível. Muitos já estão dando o primeiro passo: os atendimentos dos Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam) em Belo Horizonte saltaram 187% em cinco anos. 

De acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde de BH, de 2019 a 2024, esse número saltou de 83.620 para 240.555. Somente neste ano, os espaços já receberam 13.123 pessoas. Assim como os Cersams, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) também auxiliam no atendimento ao público em sofrimento mental de maneira gratuita. Eles contribuem para transformar a vida de quem, um dia, procurou esses locais com demandas de diversas naturezas, que vão de depressão e ansiedade graves a uso de álcool e outras drogas.

A aposentada Sandra Helena, de 64 anos, relata ter procurado o Cersam após sentir dor profunda, que deixou marcas eternas: o assassinato do filho, em 2008. Na época, ele tinha 18 anos e foi morto após tentar abandonar o tráfico de drogas, no qual ele tinha se envolvido dois anos antes. Mãe de três, Sandra colapsou: entrou em depressão profunda e, por mais que visse nos outros dois filhos motivação para continuar vivendo, ela não estava conseguindo lidar com todo esse sofrimento sem ajuda profissional. Além da perda do jovem, ela também lidava com outras diversas situações que a desestruturavam.

“Eu tinha que ser provedora do lar, já que meu marido era alcoólatra. Eu estava muito pressionada no serviço, meu pagamento atrasava, meus filhos passavam fome. Eu procurei o Cersam, estava em surto”, conta ela. Foi no Cersam que Sandra encontrou apoio psicológico e psiquiátrico para seguir em frente. Com os atendimentos e os medicamentos certos, ela conseguiu sair da situação de depressão profunda em que estava.

“Eu me curei da depressão. É claro que até hoje sinto a perda do meu filho, pois mãe não se esquece. Mas fui acompanhada e vejo que, assim como eu, muitas pessoas são curadas. É importante que todos entendam que a saúde mental é muito importante, e que o janeiro branco é tão importante quanto o outubro rosa (campanha de alerta para o câncer de mama) e o novembro azul (que lembra da importância do diagnóstico precoce do câncer de próstata)”, detalha ela.

A importância de ter onde pedir ajuda 

O sucesso dos equipamentos públicos de saúde mental, como os Cersams e os Caps, reside, sobretudo, na recuperação de pacientes em estado crítico, como avalia o psicólogo Thales Coutinho. Segundo ele, obter apoio de maneira consistente e segura é o principal meio de evitar que essas pessoas acabem nas ruas ou apresentem surtos violentos, colocando em risco sua própria integridade e a de quem está ao seu redor. “A pessoa em quadro agudo psicótico está extremamente vulnerável a comportamentos destrutivos, tanto contra si mesma quanto contra aqueles que tentam ajudá-la, como a família. A falta de tratamento pode gerar consequências gravíssimas. Por isso, esses equipamentos públicos são indispensáveis para ajudar o paciente a atravessar períodos de desequilíbrio profundo e retomar a normalidade”, pondera.

O psicólogo reforça que, apesar do tratamento para saúde mental ainda enfrentar estigmas, o cuidado é tão essencial quanto o acompanhamento de qualquer outra especialidade médica, como a cardiologia. “Os pacientes dos Cersams e Caps, geralmente, estão angustiados, em estado de estresse e desespero. As famílias, muitas vezes, não conseguem oferecer suporte, e os medicamentos, fora do Sistema Único de Saúde (SUS), são caros. Por isso, é fundamental superar esse preconceito. A culpa não é do paciente; a doença não indica fragilidade e não é algo que se resolve com um simples ‘levantar da cama’”, afirma. “Trata-se de uma condição que afeta gravemente a pessoa, como um câncer de pâncreas, e exige tratamento específico”, acrescenta.

De acordo com Thales Coutinho, depois que os pacientes em sofrimento psíquico tratam recaídas, vícios e sintomas mais graves, eles podem dar continuidade ao tratamento por meio de consultas espaçadas e, logo, mais qualidade de vida. “O cuidado com a saúde mental é indispensável para a sobrevivência dessas pessoas. Muitas vezes, o nível de sofrimento é quase incompatível com a vida sem um suporte imediato. É nesse contexto que se destaca o caráter humanitário e ético desses serviços públicos. Muitos casos têm cura. Outros, crônicos, podem ser estabilizados”, orienta.

Cuidar da saúde mental em BH

Em Belo Horizonte, há oito Cersams, sendo cinco Centros de Referência em Saúde Mental Álcool e outras Drogas (Cersam-AD) e três Centros de Referência em Saúde Mental Infantil (Cersami). Os locais funcionam 24h, todos os dias, inclusive fins de semana e feriados, e são abertos a todos que necessitam. São atendidas pessoas em sofrimento mental, uso prejudicial de álcool e outras drogas e situações de abuso e vulnerabilidade variadas. São várias modalidades de tratamento, e os projetos terapêuticos são individuais.

Diretora de Assistência à Saúde, Renata Mascarenhas destaca que o tratamento nos espaços inclui diversos profissionais e apresenta resultados positivos. “É uma equipe multiprofissional, com médico, enfermeiro, terapeuta ocupacional e psicólogo. Todos preparados para atender casos de sofrimento mental”, diz ela. Conforme Renata relata, as equipes fazem o acolhimento, entendem a situação de saúde e realizam uma avaliação clínica e da situação familiar para que a conduta seja definida.

Nos Caps, a realidade é semelhante: os serviços de saúde são abertos e comunitários, constituídos por equipe multiprofissional. Os atendimentos são feitos prioritariamente a pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo pacientes com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em situação de crise ou em reabilitação. Conforme o governo de Minas Gerais, os casos mais atendidos são transtornos mentais graves e persistentes, como esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão severa, além de pessoas com dependência de álcool e outras substâncias.

Em todo o Estado, há atualmente 444 Caps. Do total, 61 são destinados exclusivamente ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de crise, em virtude de transtornos mentais graves e persistentes.

Cersam em BH

  • CERSAM Barreiro
    Rua Desembargador Ribeiro da Luz, 29 - Barreiro de Cima.
    (31) 3277-5902

  • CERSAM Leste (referência para as regionais Leste e Centro-Sul)
    Rua Pirite, 150 - Santa Tereza
    (31) 3277-5734 / 3277-5743

  • CERSAM Oeste (referência para as regionais Oeste e Centro-Sul)
    Rua Oscar Trompowisk, 1.325 - Grajaú
    (31) 3277-9601

  • CERSAM Nordeste
    Praça 13 de maio, s/n - Nova Floresta
    (31) 3277-6067 / 3277-6065 / 3277-9057

  • CERSAM Noroeste 
    Rua Camarugi, 10 - Padre Eustáquio
    (31) 3277-7216 / 3277-7229 / 3277-7115

  • CERSAM Norte 
    Rua Parnaíba 568 - Minaslândia
    (31) 3246-9562 / 3277-9563

  • CERSAM Pampulha 
    Rua do Mel, 77 - Santa Branca
    (31) 3277-7918 / 3277-7934

  • CERSAM Venda Nova
    Rua dos Canoeiros, 320 - Santa Mônica 
    (31) 3277-5432 / 3277-5434