As empresas que operam o serviço de transporte público por ônibus de Belo Horizonte negociam com a prefeitura a extinção dos veículos articulados do Sistema Move. Com o fim da vida útil destes coletivos, prevista para dezembro de 2026, as concessionárias buscam a substituição deste modelo pelo convencional. A justificativa é o alto custo operacional, impulsionado pela necessidade recorrente de manutenção. No entanto, a troca dos articulados pelos convencionais poderá reduzir em mais de 40% o número de passageiros transportados em uma só viagem — passando de de 118 para 70.
“Para fazer essa troca, eles teriam que aumentar o número de ônibus para atender a quantidade de pessoas. Agora, se decidirem manter a mesma quantidade, isso só vai piorar”, aponta a engenheira Aline Duarte, de 26 anos. O receio dela de que os veículos possam continuar a circular cheios é o mesmo do manobrista Wenderson Valentim, de 37. “Se você diminui o tamanho do ônibus, precisa garantir que o intervalo das viagens diminua e que não tenha tantos atrasos como tem ocorrido”, considera.
Conforme o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH), os veículos articulados podem transportar até 118 pessoas — sendo 40 sentadas e 70 em pé. Este modelo comporta 48 passageiros a mais que os ônibus convencionais, pretendidos pelas empresas, cujo a capacidade é de até 70 pessoas. “Muitos desses ônibus (articulados) circulam em vias com trânsito misto, o que acelera o desgaste e reduz eficiência das viagens. Por isso estão sendo estudadas alternativas, como a adoção de veículos menores e mais modernos”, destaca o sindicato.
O sistema Move de Belo Horizonte conta com 189 ônibus articulados — sendo que 164 deles, ou seja, 86% estão em operação. Os demais são considerados reservas e podem ser acionados caso algum destes coletivos apresente falhas mecânicas. De acordo com o SetraBH, 44 coletivos articulados deixam de circular por dia devido a alguma intercorrência — tais como quebra do motor, falhas no sistema de ar-condicionado, entre outros. O gasto com manutenção destes coletivos, conforme o sindicato, é de aproximadamente R$20 milhões por mês.
"Em função das manutenções, um percentual das viagens tem deixado de ser cumprida com pontualidade, conforme determinado no quadro de horários. Nos horários de pico, temos utilizado de imediato, ônibus reserva que ficam nas estações. Em horários alternativos, monitoramos veículos que estão encerrando sua escala, para trazê-los de volta às operações. O SetraBH tem ciência (do receio dos usuários) e por isso está em contato direto com a prefeitura discutindo sobre a renovação da frota dos ônibus articulados", explica o sindicato.
A PBH avalia o pedido das empresas pela troca dos modelos articulados pelos convencionais. Por meio de nota, a prefeitura garante que realiza um estudo sobre as necessidades do sistema, considerando, inclusive, alternativas para a substituição da frota. “A estratégia em estudo considera uma abordagem mista, que pode incluir a renovação com novos veículos articulados, bem como com outros modelos de ônibus que atendam às exigências de capacidade e conforto”, explica.
Para o especialista em trânsito e professor do Cefet-MG Agmar Bento, junto a discussão quanto a troca dos modelos dos veículos, a prefeitura precisa buscar garantias de que o serviço será realizado com qualidade. “A troca por modelos menores me parece viável somente se tiver uma queda considerável na demanda. Só que não é isso o que percebemos. Pode até ter tido uma redução, mas não que justifique essa troca. O que não pode é ter ônibus menores e ainda mais cheios”, orienta.
Ônibus menores, mais veículos nas ruas
A troca dos ônibus articulados pelos modelos menores demandaria uma frota adicional de 321 veículos convencionais, conforme o SetraBH. Eles seriam necessários para atender a demanda, considerando a redução de passageiros transportados por viagem. Essa frota adicional se somaria aos 2.703 ônibus que operam no sistema de transporte público de Belo Horizonte, sendo 332 somente no Sistema Move.
“Se você reduz a quantidade de passageiros por viagem, você precisa aumentar a oferta de ônibus. Ou seja, o intervalo das viagens teria que ser menor. A partir disso um outro problema pode surgir: os corredores do BRT suportam mais veículos? O controle da operação poderá ser um problema”, alerta o especialista em trânsito Renato Guimarães Ribeiro. Questionado pela reportagem de O TEMPO, o sindicato não detalhou qual deverá ser o novo intervalo entre as viagens a partir da mudança de tipo de ônibus.
A reportagem apurou que a Prefeitura de Belo Horizonte tem feito testes com ônibus menores em linhas que contavam com veículos articulados em determinados horários. Alguns ônibus articulados que reforçavam as linhas 5250, 64, 67 e 6350 foram retirados, sendo substituídos por modelos convencionais.
“Com base na evolução tecnológica do setor e na análise da demanda de passageiros por linha, foi identificado que algumas linhas atualmente operadas com veículos articulados podem ser atendidas com outros tipos de veículos disponíveis no mercado, sem prejuízo à qualidade do serviço”, argumenta a prefeitura.
Ônibus articulados em BH
Os ônibus articulados começaram a circular em Belo Horizonte em 2014, quando o sistema Move foi implementado. De acordo com o SetraBH, os modelos foram escolhidos para atender a demanda de passageiros das regiões Nordeste, Norte, Pampulha e Venda Nova.
O acordo feito à época definiu que os coletivos teriam vida útil de dez anos. Porém, o Decreto 18.370, publicado em 07 de julho de 2023, ampliou esse prazo para 12 anos — ou seja, até dezembro de 2026. Com isso, caso o período de vida útil não seja novamente prorrogado, as empresas deverão comprar novos ônibus, substituindo aqueles com doze anos de circulação.
A reportagem apurou que os modelos articulados possuem o valor médio de R$2,5 milhões, enquanto os convencionais, pretendidos pelas empresas, custam cerca de R$900 mil. “Diferentemente dos ônibus convencionais, os articulados usados possuem um mercado de revenda restrito, sendo frequentemente destinados ao desmanche. A alegação (para a troca do modelo) envolve dificuldades de manobra dos articulados fora dos corredores exclusivos, o que gera receio de investir em novos veículos de alto custo com um prazo de retorno limitado", afirma o SetraBH.
Para o especialista em trânsito Renato Ribeiro, o argumento do sindicato quanto a dificuldade de revenda destes coletivos não pode ser considerado pela prefeitura. Segundo ele, o investimento feito na compra dos ônibus articulados é “facilmente recuperado” com a operação do transporte de passageiros. “É um serviço que paga o investimento feito. Além disso, ao término da vida útil, as empresas podem aproveitar as peças de alguns destes ônibus para manutenção”, justifica.
Nova licitação
O especialista teme, porém, que o movimento das empresas pela substituição dos ônibus articulados pelos convencionais possa ter relação com o fim do atual contrato com as empresas que prestam o serviço em Belo Horizonte. Em 2028, uma nova licitação do transporte coletivo será aberta na capital mineira. “O empresário não quer investir em um ônibus mais caro, que é o articulado, para correr o risco de não vencer a licitação dois anos após o investimento. Esse é um cuidado que a prefeitura deve ter neste momento para ter qualidade do serviço”, alerta.
Questionados se a troca dos modelos dos ônibus pode ter relação com a nova licitação, o SetraBH afirmou que o objetivo é somente “melhorar a qualidade do transporte público, com ônibus mais eficientes, maior conforto para os passageiros e um serviço mais ágil e confiável para quem depende do sistema todos os dias”. Já a Prefeitura de Belo Horizonte não se manifestou sobre o assunto. A matéria será atualizada com o posicionamento.