Doze anos depois das primeiras conversas sobre implantação do BRT na avenida Amazonas, a novela ganhou mais um capítulo. A Prefeitura de Belo Horizonte assinou agora um contrato para elaboração dos estudos e projetos de mobilidade urbana do modal. O novo termo foi assinado após a empresa vencedora do certame ter o contrato rescindido em dezembro do ano passado por descumprimento das obrigações contratuais.
Em junho do ano passado, o então prefeito Fuad Noman assinou o termo de R$ 19 milhões na expectativa de os documentos serem entregues em 30 meses. O serviço não foi finalizado e coube à prefeitura chamar o segundo colocado na licitação para assumir o contrato, agora estimado em R$ 20,5 milhões.
O consórcio que assume o contrato é composto por quatro empresas com sede em São Paulo: Oficina Engenheiros Consultores Associados LTDA, Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), Pitmen Consultores LTDA. e Gustavo Penna Arquiteto & Associados. O valor previsto é de R$ 20,5 milhões. O prazo de execução do serviço é estipulado em 28 meses.
A promessa do modal em uma das principais avenidas que liga a região central à Oeste da cidade é antiga. Inicialmente, a ideia era ligar o BRT Amazonas ao instalado na avenida Paraná, no centro de Belo Horizonte. Quando assinou o termo no ano passado, Fuad Noman estimou que os estudos durariam 2 anos e meio para que em 2026 as obras começassem. Um dos pontos principais do projeto é a construção de uma estação de integração no cruzamento das avenidas Amazonas e Tereza Cristina, no bairro Gameleira. Ao contrário dos terminais de transferência, que são menores e ficam ao longo das avenidas, os de integração são maiores e ligam as linhas do Move às dos bairros. Alguns exemplos são as estações Venda Nova, Pampulha e Barreiro. Já as estações de transferência, similares às das avenidas Paraná, Antônio Carlos e Cristiano Machado, serão instaladas nas avenidas Amazonas e Olegário Maciel. Segundo a prefeitura, os ônibus do Move neste novo corredor circularão em pistas e faixas exclusivas à esquerda, na Amazonas e na Olegário Maciel, e à direita nas vias do Barreiro e de Contagem.
Para Silvestre Andrade, especialista em trânsito, o BRT é uma mudança de patamar do transporte público da cidade. “O ônibus convencional usa o sistema de tráfego misto, tem o congestionamento de automóveis e todos os problemas do tráfego misto. Quando você coloca em via exclusiva, igual na avenida Cristiano Machado e na avenida Antônio Carlos, você ganha velocidade e tempo, isso muda de patamar o sistema. É a possibilidade de transportar mais pessoas em menos tempo, isso gera qualidade do serviço”, detalha.
O especialista lembrou a demora na efetivação de outras promessas relacionadas à mobilidade urbana na cidade, como ampliação do metrô e intervenções no Anel Rodoviário. Para Andrade, “as coisas são difíceis de sair, se discute muito, mostra a intenção de se fazer algo, mas, na prática, esse algo não se realiza”.
Sobre um possível impacto no tempo do motorista no congestionamento, Silvestre Andrade explicou que o poder público precisa definir o que é prioridade no trânsito. “Ninguém vai fazer novo sistema, desapropriar a avenida Amazonas ou construir um viaduto de ponta a ponta da Amazonas porque é inviável. Você tem que definir prioridades para quem se destina o sistema viário. Hoje o sistema tem 70% das pessoas andando nos ônibus e 30% em veículos. Os carros ocupam 70% do espaço, e os ônibus 30%. Então há injustiça em termo de alocação de espaços porque a maioria das pessoas está dentro dos ônibus. O automóvel tem média de 1,5 passageiro, no ônibus tem média de 50 passageiros. Tem que dar prioridade a quem precisa de prioridade, então seria dada para o ônibus, não para o automóvel. Se você ganhar tempo no ônibus e perder pouco tempo no automóvel, o ganho geral para a cidade é muito maior, não estamos tratando de veículo, sim de pessoas. Quando se trata de pessoas, o ganho de tempo é apropriado por cada um dos passageiros. Há um ganho geral para sociedade e para cidade”, afirmou. O especialista lembra que a ampliação da linha 2 do metrô, que passará perto da avenida Amazonas, vai garantir conexão entre os dois sistemas.
E o que diz a população?
A implementação de uma faixa exclusiva para ônibus na avenida Amazonas, uma das principais vias de Belo Horizonte, tem gerado reações diversas entre comerciantes, motoristas e usuários do transporte público. Enquanto alguns acreditam que a medida pode trazer mais movimento para a região, outros temem que o trânsito se torne ainda mais caótico.
Na região próxima à praça Raul Soares, alguns comerciantes acreditam que a alteração pode aumentar o fluxo de pessoas. O comerciante Fabrício Ribeiro, 46, avalia que a chegada dos funcionários à loja pode melhorar, mas teme impactos negativos no trânsito. “Pessoas andando por aqui seria melhor”, comenta. No entanto, ele lembra do que aconteceu na rua Paraná e teme que a nova ação também traga transtornos parecidos, quando a redução do movimento durante as obras geraram prejuízos aos lojistas da região.
O chaveiro Carlos Alberto, 81, que tem um comércio na região há 40 anos, acredita que a tendência é positiva. Ele explica que o entorno da praça Raul Soares costuma ser mais vazio e que, nos últimos anos, o número de pessoas circulando pelo Centro de Belo Horizonte diminuiu. “O pessoal está fugindo do Centro, essa ação pode melhorar, com mais opções de ônibus vem mais gente. Hoje, as pessoas estão resolvendo mais as coisas no próprio bairro. Mas quanto ao trânsito, vai piorar”, avalia.
Já o comerciante Denilson de Lima, 49, acredita que a mudança trará muitos transtornos. “Se o BRT for como na avenida Pedro II, ninguém pode passar ou parar. A prefeitura e os órgãos competentes não vieram perguntar ou saber nossa opinião”, critica. Ele também reclama da falta de informações sobre as obras. “Tem projeto, mas nunca vimos. Se a estação for próxima à praça, ok, mas pode piorar e muito o trânsito e o fluxo de pessoas aqui na região, principalmente por não poder parar em qualquer lugar”.
Para o estudante de jornalismo Hadriann Oliveira, 23, a longo prazo o projeto pode ser positivo, mas, no momento, a mudança pode causar dificuldades. “A avenida já é muito estreita. É necessário pensar na logística para atender e melhorar isso, que já é um problema. Precisam ampliar e aumentar a via”, diz.
Usuária frequente do transporte público na avenida Amazonas, a técnica de enfermagem Neusa Ferreira, 44, não vê a obra como algo positivo. “Acho que vai piorar. Vemos como exemplo a avenida Paraná, onde há faixas exclusivas para o ônibus Move e está sempre lotada de ônibus”, ressalta.
O comerciante Augusto Marquez, 41, que tem loja na avenida Amazonas, tem opinião parecida com a de Neusa. Ele afirma que a mudança pode piorar a mobilidade. “O trânsito daqui já é caótico, né? Tem muita manifestação aqui na praça Sete. Colocando uma faixa exclusiva só para BRT, o fluxo vai ficar bem maior para duas faixas”, avalia. Sobre o impacto nas vendas, ele não acredita que haja grandes alterações. “Aqui na praça Sete, acredito que não vai mudar muita coisa não, é sempre muito movimentado.”
O motorista de aplicativo Diego Henrique, 29, teme agravamento do trânsito. “O trânsito em Belo Horizonte já está um caos. Seria melhor fazer uma faixa para motociclistas, evitaria muitos acidentes. Mas investir em faixas exclusivas para ônibus é gastar à toa”, defende. Segundo ele, a atual pista sendo preferencial já causa dificuldades e, se for exclusiva, pode piorar a fluidez.