Um estudo da pesquisadora Bianca França joga luz às consequências do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho para a população que segue religiões de matriz africana. A tragédia matou 272 pessoas na região metropolitana de Belo Horizonte em 2019 e, conforme Bianca, trouxe diversos resultados ainda não discutidos amplamente. A pesquisadora foi selecionada para apresentar a tese de doutorado que está sendo desenvolvida no programa de pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em Harvard. A seleção para o Workshop de teses Mark Claster Mamolen foi feita pelo Afro-Latin American Research Institute at The Hutchins Center de Havard.
Bianca conta que começou a ter relação com o tema quando atuou como antropóloga no Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), identificando danos socioculturais e fortalecendo a matriz de danos dos 41 territórios tradicionais afetados.
“Minha tese busca investigar, etnograficamente, como se articula a multiplicidade religiosa entre o congado e o candomblé nesse contexto de desastre, em especial no Ilê Axé Palácio de Oxóssi e na Irmandade de Moçambique Nossa Senhora do Rosário e São João Batista de Igarapé. A pesquisa começou em 2022”, conta.
Segundo Bianca, houve danos profundos às populações atingidas, especialmente aos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA), quilombolas, indígenas e ciganos.
“A tragédia foi diretamente no fundamento dessas religiões. Como diz o ditado candomblecista, ‘matou a planta, matou o Orixá’. O processo de aprendizado com a natureza foi comprometido. Essa população faz uso ritual do rio, das plantas”, diz ela, que lembra que as plantas também são usadas para louvores. “Há a crença de que se você alimenta o Orixá, ele te alimenta. Se você cuida do rio, ele cuida de você”, afirma.
O estudo também tem como objetivo mostrar o aprendizado que se pode obter com as crenças religiosas dessa população atingida. “A alegria que essas pessoas produzem mesmo diante da catástrofe cria um efeito de resistência. Elas ensinam a viver e a se relacionar. Além disso, cultivam a memória. São pessoas que se lembram da escravidão, de todo o processo de exploração da mineração. Aqueles que morreram em outros tempos são lembrados como pessoas dignas de reconhecimento, que resistiram. Apesar de toda a morte, é preciso recriar algo que relembre a vida”, conclui.