Foi negado pela Justiça o pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para que fosse aplicado o uso de tornozeleira eletrônica no homem que, em outubro de 2022, abriu fogo e matou duas pessoas no bairro Nova Cintra, na região Oeste de Belo Horizonte, após ficar indignado com o resultado das últimas eleições presidenciais. Apontado como eleitor de Jair Bolsonaro, o suspeito, que está em prisão domiciliar, atirou contra diversas pessoas, matando Pedro Henrique Dias Soares, de 28 anos, e Rafaela Oliveira Barcelos, de 12, além de ter ferido outras três vítimas.
Em decisão proferida no último dia 29 de julho, o juiz Roberto Oliveira Araújo Silva, do 2º Tribunal do Júri de Belo Horizonte, afirmou que a solicitação dos promotores para "imposição de medida cautelar de monitoração eletrônica", não merecia acolhimento.
Para o magistado, devido ao lado de sanidade mental enviado pela defesa do réu, ele apresenta "transtorno afetivo bipolar, episódio depressivo grave, traços acentuados de personalidade emocionalmente instável e transtornos comportamentais relacionados ao uso de álcool", além de "impulsividade, explosões emocionais, automutilação e tentativas de suicídio".
"A medida de monitoração eletrônica, quase três anos após os fatos, mostra-se inadequada, sobretudo diante do quadro de instabilidade psíquica evidenciado no laudo. A submissão ao controle eletrônico, neste contexto, pode atuar como fator de descompensação do estado mental, em prejuízo ao tratamento em curso", argumentou o juiz.
Procurados nesta sexta-feira (1/8), os advogados da família de Pedro lamentaram a recusa da Justiça em aplicar a medida solicitada pelo MPMG. "A medida visava garantir maior controle e segurança, diante da evidente periculosidade do acusado, visto que não há controle sobre o tratamento efetivamente realizado pelo réu. É importante lembrar que o uso de monitoramento eletrônico, mesmo após três anos de tramitação processual, ainda seria pertinente diante do risco à ordem pública, especialmente considerando que o réu está em prisão domiciliar sem qualquer forma de fiscalização ativa. Além disso, ano que vem teremos novas eleições, não sabemos como será a reação dele neste novo episódio eleitoral", pondera a advogada Stephanie Ruggio, assistente de acusação no caso.
O atirador responde por dois homicídios qualificados (por motivo fútil e com recurso que dificultou a defesa das vítimas) e por outras seis tentativas de homicídio. Na época do crime, a polícia apreendeu na casa do suspeito, que tinha certificado de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), um rifle, duas pistolas e mais de 500 munições.
Família cobra Justiça
No último dia 30 de junho, 24 testemunhas - entre acusação e defesa - foram ouvidas no Fórum Lafayette, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, durante a audiência de instrução do caso. Na porta do prédio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), usando camisas estampadas com o sorriso de Pedro, os familiares disseram esperar que a Justiça seja feita.
A mãe dele, Alexandra Dias, se emocionou ao lembrar do dia do crime. “É um pesadelo. Já se passaram mais de dois anos, e nada vai trazer meu filho de volta para mim. Eu espero por Justiça, para que, pelo menos, o atirador não saia impune. Ainda mais por um motivo ridículo [político] para sair atirando e matando pessoas. Temos que saber respeitar o próximo”, desabafa.
Para a mãe de Pedro, não restam dúvidas de que o crime teve motivação política. “A família comemorava a vitória [de Lula (PT)] quando ele chegou. Esse homem simplesmente gritou 'Bolsonaro' e saiu atirando. Só não atirou em duas pessoas que estavam com a blusa do Brasil. Se salvou quem conseguiu correr, mas era para ter matado todo mundo. Quando eu deitei no chão, meu filho já estava caído", lamenta. Alexandra tem no braço a cicatriz de uma das balas.
Ainda segundo a família da vítima, o atirador não está preso, mas cumpre medidas cautelares em domicílio. Durante o processo, alegou problemas de saúde mental. “Isso é revoltante. Independentemente de qualquer coisa, ele cometeu um crime. Ele matou duas pessoas inocentes. Espero que hoje comece verdadeiramente essa Justiça que a gente precisa", afirma.
Relembre o crime
O duplo homicídio foi registrado por volta das 19h45, instantes antes da vitória do ex-presidente petista nas urnas ser sacramentada. Segundo familiares da vítima, informações indicam que o suspeito gritava "Bolsonaro" nas ruas da região pouco antes do crime.
Além disso, eles afirmam que, há poucos dias da eleição, o homem teria feito uma postagem em um perfil já apagado das redes sociais afirmando que, se Bolsonaro (PL) perdesse, ele sairia fazendo "uma desgraça" nas ruas.
Após a prisão, o homem confessou ter atirado e disse que teria passado o dia ingerindo bebidas alcoólicas na casa de um familiar, até que, em dado momento, ficou "desorientado", foi para casa e pegou as armas. Ele alegou ainda que sofre de ansiedade e outros problemas psiquiátricos, mas que há um mês não fazia uso de medicamentos.
Na versão dele, armado, ele foi até um beco próximo para "tirar satisfação" com indivíduos que sempre usavam drogas no local. Segundo o depoimento do suspeito aos PMs, ao não encontrar ninguém no beco, ele continuou andando e, em uma rua, ao ver pessoas, resolveu atirar de forma indiscriminada.
Foi neste momento que ele atingiu duas pessoas, uma criança de 12 anos e uma mulher de 40 anos. As duas foram socorridas para a UPA Oeste, mas a criança acabou não resistindo.
Logo depois, ele passou pela casa de amigos de Pedro Henrique, onde ele, sua mãe, uma prima e outros conhecidos - a maior parte deles eleitores de Bolsonaro - confraternizavam após a eleição. O homem teria pedido para as pessoas se deitarem no chão e, após eles obedecerem, teria dito "vou atirar assim mesmo" e alvejando em seguida as vítimas.
O jovem, eleitor do PT e que usava um adesivo do partido, segundo amigos, foi atingido no abdômen e no ombro e acabou não resistindo, falecendo antes de dar entrada no hospital. Além dele, também foram atingidas a mãe do rapaz, de 47 anos, uma prima dele, de 40.