A injeção de oxigênio nas águas da Lagoa da Pampulha pode ser a solução para que um dos principais cartões-postais de Belo Horizonte tenha águas limpas. A técnica, que foi discutida em uma audiência pública na Câmara de Vereadores, já foi utilizada na revitalização do Rio Pinheiros, em São Paulo, e do Córrego Joana, no Rio de Janeiro. Moradores da região demonstram esperança na melhoria da qualidade da água, mas especialistas alertam: enquanto o esgoto continuar sendo lançado, não haverá uma mudança efetiva.
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A PhD em engenharia Paula Vilela afirmou que não existe uma “solução única” para a despoluição da Lagoa da Pampulha. Segundo a especialista, o método apresentado envolve a injeção de oxigênio dissolvido supersaturado nas águas, com o objetivo de acelerar o processo de degradação da matéria orgânica. Dessa forma, a poluição orgânica é combatida, e os níveis de oxigênio na água são mantidos.
A técnica foi utilizada no processo de revitalização do Rio Pinheiros, em São Paulo, após tentativas frustradas com outras abordagens, conforme relatou a engenheira. “O grande aporte de esgoto sanitário no Rio Pinheiros vinha de seus afluentes e de ligações clandestinas — o que também ocorre na Pampulha. A primeira ação necessária é coletar, afastar e tratar o esgoto. No caso específico do rio em São Paulo, o governo estadual testou várias técnicas, mas sem sucesso”, explicou.
Flavio Tavares / O TEMPO
Ao saber da existência da tecnologia usada no estado vizinho, Paula foi aos Estados Unidos para conhecê-la de perto. Após retornar ao Brasil, a especialista comprovou que a técnica acelera um processo que levaria um “longo período” para ocorrer de forma natural: a degradação da matéria orgânica.
“O uso da tecnologia sustentável traz resultados visíveis. Para nós, técnicos, o que importa são os laudos, mas para a população é o odor e a cor da água. Quem corre, por exemplo, no entorno do Rio Pinheiros passou a notar a mudança. Agora, vamos aplicar a técnica em Recife”, contou.
Copasa acompanha desenvolvimento de tecnologias
A técnica utilizada no Rio Pinheiros é mais uma das várias soluções já apresentadas como alternativa para a despoluição da Lagoa da Pampulha. O gerente de empreendimentos de grande porte da Copasa, Thiago Miranda, afirma que a Companhia de Saneamento de Minas Gerais acompanha o desenvolvimento dessas tecnologias.
"Estamos acompanhando, desde 2019, algumas propostas que surgem com novas tecnologias voltadas para a despoluição. Desde então, temos promovido encontros e identificado essas soluções para que possamos trabalhar de forma colaborativa com as prefeituras [de Belo Horizonte e de Contagem] nos cursos d’água", afirmou.
Para a Lagoa da Pampulha, a Copasa está estruturando um projeto que vai avaliar diversas tecnologias disponíveis no mercado. “Vamos propor ensaios com projetos-piloto e, caso o resultado seja satisfatório, poderemos contratar o serviço em parceria com o município. São várias tecnologias, e queremos identificar aquela que traga resultado para melhorar a qualidade da água”, explicou.
Situação das águas
Atualmente, as águas da Lagoa da Pampulha estão classificadas no nível 3, o que significa que podem ser utilizadas para contato secundário com o ser humano, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
Durante visita recente ao Rio de Janeiro, o prefeito da capital mineira, Álvaro Damião (União Brasil), afirmou que a lagoa voltará a receber embarcações turísticas até o fim deste ano. O chefe do Executivo municipal esclareceu que os passeios estarão autorizados a partir dos próximos meses, já que a cidade já obteve o laudo favorável da Marinha.
O projeto de retomada da navegação turística na Lagoa da Pampulha foi anunciado por Damião em maio, quando o Conjunto Moderno da Pampulha completou 82 anos. “Vamos fazer o que for necessário para tornar esse lugar um ponto de passeios turísticos. São planos para impulsionar o turismo ecológico e cultural não só na Lagoa da Pampulha, mas em toda a região”, disse na ocasião.
Limpeza
Entre janeiro e julho deste ano foram recolhidas 841 toneladas de resíduos na Lagoa da Pampulha. Segundo a PBH, são materiais como garrafas PET, sacolas plásticas, vegetação e até restos de animais mortos.
Cerca de 20 trabalhadores realizam a manutenção da orla e a limpeza do espelho d’água da Lagoa da Pampulha, com o auxílio de duas embarcações. Os serviços são executados de forma contínua pela Subsecretaria Municipal de Zeladoria Urbana (Suzurb), de segunda a quinta-feira, das 7h às 17h, e às sextas-feiras, das 7h às 16h. O custo anual para a limpeza e manutenção da lagoa gira em torno de R$ 22,5 milhões.
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‘Que as promessas virem ações’
Morador da região da Pampulha há cinco décadas, o empresário Leonardo Drumond, de 51 anos, se mostra esperançoso com a possibilidade de aplicação da técnica de injeção de oxigênio. “Toda tentativa é válida e isso mostra que o poder público está preocupado com a lagoa. Estamos falando do principal cartão-postal da cidade, que inclusive é patrimônio da humanidade, e sem falar que estamos nos referindo ao local que tem o maior fluxo de pessoas: a região da Pampulha.”
O empresário cobra um “olhar mais crítico” em relação às ações de despoluição da Lagoa da Pampulha. “Ações mitigatórias são pouco efetivas. Ao que tudo indica, parece que a prefeitura e os demais órgãos envolvidos na limpeza da lagoa estão propondo a tecnologia para fazer com que as promessas se transformem em ações”, diz o presidente da Associação Pró-Pampulha.
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'Laboratório de experiências'
“A Lagoa da Pampulha virou um laboratório de experiências.” É dessa forma que o ambientalista Apolo Heringer classifica a situação do cartão-postal da capital mineira. Para o idealizador do Projeto Manuelzão, não basta discutir técnicas de despoluição enquanto o foco do problema não for atacado: o lançamento de esgoto.
“Por que a lagoa está poluída? Porque está caindo muita matéria orgânica, é muito esgoto que vai para lá sem ser tratado e coletado. É muito lixo que cai na lagoa. Se a tecnologia apresentada não alcançar a política pública e tantas outras, não resolverão o problema enquanto tivermos esgoto sendo lançado”, afirma.
Heringer conta que, na região da Baviera, na Alemanha, uma lagoa foi completamente despoluída e esse caso poderia servir de exemplo para Belo Horizonte.
“O que eles fizeram em Munique: colocaram coletor de esgoto em volta da lagoa. Logo, tudo que chegava de esgoto era recolhido e tratado. Temos que pegar os coletores dos córregos Ressaca e Sarandi e de outras dezenas de córregos, independentemente se são de Contagem ou BH, e recolher esse esgoto para que seja tratado. Temos que ter 100% da coleta. Jeito tem, pois, quando quer, o ser humano vai até a Lua. Na Pampulha, especificamente, só não pode ficar inventando moda”, completa.
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‘Gato de esgoto’ dificulta a despoluição da Pampulha
O objetivo da Copasa, segundo o gerente de empreendimentos de grande porte, Thiago Miranda, é garantir a completa proteção dos cursos d’água, com a captação e o tratamento de todo o esgoto gerado na bacia hidrográfica da Lagoa da Pampulha. Um dos desafios da companhia, porém, é o esgoto clandestino.
“Menos de 1% de toda a bacia não tem rede de esgoto. Reduzimos significativamente o esgoto lançado, mas a nossa dificuldade é com relação ao lançamento clandestino, que é praticado por indústrias e estabelecimentos. Não temos controle sobre onde isso ocorre, mas seguimos trabalhando para identificá-los e atuarmos”, afirma.
O programa Reviva Pampulha, iniciado em março de 2023, tem realizado — conforme pontua Miranda — ações de cunho operacional, com foco na melhoria da infraestrutura e na expansão da rede de esgoto.
“Completamos dois anos de atuação e, agora, estamos trabalhando em áreas de interesse social do município de Contagem para reduzir o lançamento de esgoto. Nesta fase, vamos beneficiar mais de 18 mil pessoas e 30 vilas, visando melhorar a qualidade dos cursos d’água”, explica.
O trabalho atual nas vilas ocorre com a identificação dos imóveis que ainda não possuem ligação de esgoto. “Vamos de porta em porta, conscientizando o morador sobre a necessidade da interligação e propondo a solução, que se dá com a rede coletora. Isso possibilita que o esgoto seja tratado na rede e, consequentemente, não seja lançado nas águas da lagoa”, detalha Miranda.
Com a adesão do morador, um termo é assinado e, em até 30 dias, é iniciado o planejamento para execução do serviço. “Cerca de 3,5 mil imóveis já aderiram, o que corresponde a 40%. A nossa meta é fazer a interligação de todos os imóveis. É importante solicitar que a população das vilas faça a adesão ao serviço de esgotamento sanitário, pois assim reduziremos os poluentes e vamos melhorar a condição da qualidade das águas”, completa.
A meta da Copasa é de que, até 2028 — cinco anos após o início do programa Reviva Pampulha —, todos os imóveis estejam com a ligação de esgoto regularizada. Os trabalhos são realizados em parceria com as prefeituras de Belo Horizonte e Contagem. Os investimentos somam mais de R$ 146 milhões.