Desrespeito, xingamentos e falta de paciência são apontados como parte da rotina por profissionais da limpeza urbana que trabalham pelas ruas de Belo Horizonte. A situação tomou proporções trágicas nessa segunda-feira (11/8), quando o gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, foi assassinado enquanto trabalhava, no bairro Vista Alegre. O velório do trabalhador é realizado na manhã desta terça-feira (12) na Igreja Quadrangular, em Nova Contagem, na Grande BH.
Colega de Laudemir, o gari Diego Luís se revolta com a violência que, segundo ele, tirou dos braços da família um homem tranquilo e trabalhador. “Poderia ter acontecido com qualquer um de nós. Todo mundo é pai de família, eles estavam esperando a gente chegar e o amigo nosso não chegou para a família. A gente trabalhava muito, cara muito sossegado, muito tranquilo”, lamenta.
Para o profissional, a violência é fruto de uma série de desrespeitos a que os garis são submetidos diariamente. “A gente não está valendo nada nesse mundo. Estamos trabalhando para limpar a cidade e um cara desses vem e faz uma coisa dessa com nosso colega. Não nos respeitam, o povo não tem paciência com a gente para coletar o lixo, buzina”, reclama.
Outro colega de Laudemir, o gari Matheus Felipe, relata que é comum os xingamentos por parte da população durante a rotina de trabalho. Ele também explica que muitos motoristas param os veículos para proteger os profissionais durante a coleta.
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“O motorista para no meio da rua, tenta dar uma obstruída para nos proteger, porque tem gente que não respeita. É bem frequente o desrespeito com a gente. Tem hora que não faz sentido porque o pessoal está vendo que estamos trabalhando e está ali buzinando, até xinga. É quase todos os dias”, afirma.
Campanha por respeito
No domingo (10/8), um dia antes do crime, a Prefeitura de Belo Horizonte publicou uma campanha nas redes sociais pedindo respeito aos garis. A ação, intitulada "Seja amigo dos amigões", destacou a ação dos profissionais e a colaboração deles com a limpeza urbana. "Por isso, os garis deram o recado: basta acondicionar o lixo da maneira correta, descartando somente o que é permitido na coleta domiciliar, no horário certo. Assim, todo mundo fica feliz!", destacou.
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Como aconteceu o crime
Na manhã desta segunda-feira (11/8), por volta das 9h, houve uma confusão no trânsito no bairro Vista Alegre, em Belo Horizonte. Um caminhão de coleta de lixo estava parado quando um carro BYD cinza, vindo na direção contrária, se aproximou. O motorista do carro — apontado como o suspeito — teria sacado uma arma e ameaçado a condutora do caminhão, dizendo que “iria atirar na cara” dela. Logo depois, ele teria atirado contra o gari Laudemir de Souza Fernandes, que estava trabalhando na coleta.
Socorro ao gari
Laudemir foi atingido na região torácica, próximo às costelas. Socorrido e levado ao Hospital Santa Rita, em Contagem, não resistiu aos ferimentos. Ele era funcionário da Localix Serviços Ambientais, que lamentou a perda e chamou o crime de “ato de violência injustificável”. A Prefeitura de Belo Horizonte também manifestou pesar.
A fuga e a prisão
Após o disparo, o suspeito teria fugido em direção à avenida Tereza Cristina no mesmo carro BYD cinza. Ele foi localizado pela polícia na tarde do mesmo dia, enquanto malhava em uma academia de alto padrão no bairro Estoril, região Oeste de Belo Horizonte. O suspeito foi preso sem oferecer resistência, levado à Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e optou por permanecer em silêncio. Ele não estava algemado ao chegar à delegacia.
Quem é o suspeito
Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, é o suspeito de matar o gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44. Ele se apresenta no LinkedIn como alguém que “transforma empresas e acelera resultados através de liderança estratégica e inovação”. Ele é marido da delegada da Polícia Civil de Minas Gerais Ana Paula Balbino Nogueira.
Segundo o perfil profissional, Renê tem 27 anos de experiência executiva no setor de alimentos e bebidas e afirma possuir “histórico comprovado de gerar crescimento exponencial e liderar transformações organizacionais complexas” no mercado brasileiro e internacional.
Ele já ocupou cargos executivos em empresas como Coca-Cola, Vigor, Red Bull e Ambev. Sua experiência mais recente começou em agosto, quando assumiu a diretoria de negócios da Fictor Alimentos. Após a prisão, a empresa informou que ele havia iniciado as atividades há menos de duas semanas, repudiou a conduta atribuída ao funcionário e manifestou solidariedade à família da vítima.
Na formação acadêmica de Renê, constam estudos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Fundação Getulio Vargas (FGV), Ibmec, Universidade de São Paulo (USP), Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Harvard Business School. Em seu LinkedIn, há uma recomendação escrita pela esposa, na qual ela afirma que ele é um “homem de caráter irrefutável”.
Quem é a vítima
Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, era gari e trabalhava há quase oito anos na Localix Serviços Ambientais. Pai de uma filha, era descrito por colegas e pela empresa como dedicado, esforçado e dono de um “coração gigante”. Segundo Ivanildo Gualberto Lopes, sócio-proprietário da Localix, Laudemir não se envolvia em brigas, sempre buscava apaziguar situações e era muito querido por todos.
De acordo com Ivanildo, o gari morreu tentando acalmar os ânimos durante a discussão no trânsito. O suspeito teria ameaçado atirar caso o carro fosse arranhado e, pouco depois, efetuou o disparo. A tragédia, segundo ele, foi “um ato de crueldade imensa e sem justificativa”.
Emocionado, o empresário pediu justiça e ressaltou a importância de respeitar o trabalho dos garis, que trazem bem-estar e saúde à população. Colegas de trabalho lamentaram profundamente a perda e demonstraram preocupação com o futuro da filha de Laudemir.
O que diz a Polícia Civil?
Por meio de nota, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informou que o suspeito foi preso em flagrante pelos crimes de ameaça e homicídio qualificado, por motivo fútil e uso de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima. A instituição também informou que a Corregedoria-Geral instaurou um procedimento para apurar a eventual conduta da delegada, esposa do suspeito.
Veja a nota na íntegra:
"A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que ratificou a prisão em flagrante do empresário, de 47 anos, pelos crimes de ameaça e homicídio qualificado, por motivo fútil e uso de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima. Além do investigado, três testemunhas foram ouvidas e reconheceram o suspeito, que foi encaminhado ao sistema prisional, onde permanece à disposição da Justiça.
O crime ocorreu após uma briga de trânsito no bairro Vista Alegre, região Oeste de Belo Horizonte, na manhã desta segunda-feira (11/8). A vítima, um gari de 44 anos, foi atingida por disparo de arma de fogo. Ele chegou a ser socorrido e encaminhado para atendimento médico, mas não resistiu aos ferimentos. O corpo foi levado ao Instituto Médico-Legal (IML), submetido a exames e, posteriormente, liberado aos familiares.
A Polícia Civil se solidariza com os familiares da vítima e reforça seu compromisso com a legalidade, a imparcialidade e a elucidação completa dos fatos. Diante das circunstâncias, a Corregedoria-Geral da instituição instaurou um procedimento disciplinar e inquérito policial para apurar, com rigor e transparência, todos os elementos relacionados à eventual conduta de uma delegada que possui vínculo pessoal com o suspeito detido".