O proprietário de uma arma de fogo, seja ele uma autoridade ou cidadão comum, pode responder criminalmente se outra pessoa utilizá-la para cometer um crime? A reportagem conversou com a advogada, doutora e professora de direito penal da PUC Minas Flávia Penna para responder ao questionamento.

Conforme a especialista, é preciso analisar cada caso individualmente. Quando, por exemplo, uma pessoa (seja autoridade ou civil) entrega a arma para alguém, ciente de que o terceiro tem a intenção de cometer um crime, há responsabilidade penal para o dono da arma. “Nesta hipótese, há participação em concurso de pessoas (quando mais de uma pessoa se envolve na ação criminosa), previsto no artigo 29 do Código Penal. O proprietário pode responder pelo crime praticado com o emprego da arma de fogo”, afirmou.

A discussão veio à tona após Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, confirmar à Polícia Civil que usou a arma da esposa, a delegada Ana Paula Lamego Balbino, para assassinar o gari Laudemir de Souza Fagundes, de 44, em Belo Horizonte, no dia 11 de agosto. A especialista explica que, em casos de agentes da segurança pública, como policiais, guardas municipais e delegados, eles estão sujeitos a regras específicas para a cautela de armamento, previstas em legislações como a Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais (Lei Complementar 129/2013). “O uso indevido de arma funcional, por exemplo, pode configurar transgressão disciplinar”, comentou Flávia.

Em casos em que a arma particular da autoridade é usada no cometimento de um crime, ela pode não responder administrativamente como servidora da segurança, mas pode ser processada criminalmente caso tenha entregado a arma para a prática do delito ou se descumpriu o dever de guarda. “É possível responsabilizar aquele que cede sua arma e ela acaba sendo mal utilizada, causando danos a terceiros”, explicou Flávia.

Ela ainda citou a chamada “teoria da guarda da coisa”, muito usada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em acidentes de trânsito e que pode ser aplicada em casos em que a arma é utilizada por um terceiro para o cometimento de um crime. Pela tese, o proprietário do veículo é responsável pelo dano causado pelo motorista que concorreu para um acidente. “Neste caso, há responsabilidade solidária, ou seja, tanto o motorista quanto o proprietário do veículo respondem pelo dano provocado”, exemplificou a especialista. Diferente seria a situação em que, sem o consentimento do proprietário do bem, seja arma ou automóvel, um terceiro o utiliza na prática dolosa (quando tem a intenção) de cometer um crime. 

Ainda conforme a explicação da especialista, o Estatuto do Desarmamento e o Decreto 11.615/23 reforçam a obrigação do proprietário de armazenar armas descarregadas em cofres ou locais seguros, de forma a impedir o acesso de terceiros. A resolução da Secretaria de Segurança Pública também prevê a cassação da licença e a apreensão do armamento quando não houver a devida cautela na guarda.

* Estagiária sob supervisão da editoria de Cidades.