Ao confirmar o endereço da corrida, o motorista de aplicativo Roberto Aparecido, de 59 anos, surpreende os passageiros com uma pergunta fora do comum: “Aceita um cafezinho até o destino?” A oferta é sempre acompanhada de um sorriso e, claro, de uma garrafa de café gourmet saborizado com direito a essência de baunilha ao gosto do cliente.

Morador do Barreiro, em Belo Horizonte, casado e pai de quatro filhos, Roberto trabalha como motorista há seis anos para complementar a renda e pagar as contas. Além das corridas, coleciona histórias, elogios no aplicativo que variam entre "esse Uber é top tem até café", "ótimo papo, muito simpático, carro limpo confortável, respeitoso e gentil" "ótimo café" "muito educado e atencioso", e, principalmente, vínculos afetivos criados a partir do simples gesto de servir café.

O café oferecido por Roberto não é comum, mas o Gourmet, reforçando o compromisso do motorista em proporcionar uma melhor experiência ao usuário. “Eu acho interessante e gosto quando o passageiro toma o meu café. Porque na realidade o meu café não é um café normal, é um café gourmet, é um café saborizado.” Inclusive, aos que gostam, é oferecido por ele essência de baunilha que fica a critério do passageiro.

“Oferecer café é coisa de mineiro, né? A gente chega na casa dos outros e a primeira coisa é o cafezinho. Então por que não oferecer no carro também?” justifica.

 

Café como afeto e identidade do mineiro

A prática de oferecer café vem da infância, inspirada pela mãe, que sempre fazia questão de servir café às visitas. Segundo Roberto, recusar era até considerado uma ofensa. “Ela falava: tem que tomar, senão tá fazendo desfeita. Isso é coisa de mineiro.” lembrou o motorista.

O café que ele oferece custa de R$ 36,00 a R$ 45,00 a unidade. Roberto prepara uma ou duas garrafas por dia, dependendo do movimento. E o retorno tem sido positivo: além das notas altas no aplicativo, ele recebe gorjetas frequentemente que variam  de R$ 1,00 a R$ 50,00 que acabam cobrindo o custo e, às vezes, gerando lucro. “Quase todo passageiro que toma o meu café deixa uma gorjeta. E esse cafezinho já me rendeu histórias que só contando pra você ver”  diz, emocionado.

Mineiro é desconfiado até com cafezinho


Mas não é simples convencer um mineiro a beber um café oferecido por um desconhecido. Nem todo passageiro aceita de imediato a oferta. Muitos estranham, principalmente mulheres, algo que Roberto entende como reflexo de um cenário de medo e violência. “Hoje em dia, com esse negócio de ‘boa noite Cinderela’, as mulheres ficam receosas. Mas aí eu peço pra olhar os comentários no aplicativo, aí elas confiam mais.” alertou.

Segundo o Ministério da Saúde, o golpe “Boa Noite Cinderela” pode se referir a um crime que consiste em drogar uma vítima para roubá-la ou estuprá-la. Em comum essas drogas apresentam um efeito depressor sobre o sistema nervoso central, principalmente quando combinadas com o álcool. O efeito pode durar horas e causar risco de morte por parada cardiorrespiratória ou outros efeitos de intoxicação.

Além do café, o atendimento de Roberto também chama atenção: carro limpo, música agradável, bom papo e respeito. Para ele, tudo isso faz parte da experiência que deseja oferecer. Roberto contou que ao transportar passageiros que não são mineiros, como paulistas e cariocas, o ato de oferecer café é reconhecido como um reforço da mineiridade e quase todos falam "Ah, é coisa de mineiro mesmo”.  - “O segredo do meu café é que eu faço com bastante carinho, com bastante amor.”

Mesmo com a desconfiança inicial de quem entra no carro, o café vira um jeito de “quebrar o gelo”, abrir conversas e, segundo o motorista, transformar passageiros em amigos. “O objetivo nunca foi a gorjeta. É criar conexão. É ver o passageiro relaxar, sorrir, se sentir em casa. Já fiz vários amigos assim”, comemora.  


*Estagiária sob supervisão