As recentes mortes por suspeita de consumo de bebidas alcoólicas contaminadas com metanol na Grande São Paulo trouxeram à memória o trágico caso da cervejaria Backer, registrado em janeiro de 2020. Na época, a contaminação de cervejas em Belo Horizonte resultou em diagnósticos de problemas neurológicos e renais e na morte de dez pessoas que consumiram a marca Belorizontina.
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Diferença química crucial
Apesar da similaridade trágica nos desfechos, há uma diferença química crucial entre os dois casos, como explica o professor Paulo Henrique Tavares, do curso de Engenharia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec BH).
"O dietilenoglicol, substância tóxica que se espalhou após um furo em um dos tanques da Backer, era comum de ser encontrado em cervejarias porque era usado como anticongelante. Já o metanol, em hipótese alguma pode estar presente em indústrias de bebidas", afirma ele.
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Tavares detalha o processo de produção da cerveja para explicar o uso do composto na Backer. "Em uma das etapas, quando a bebida está quente, é preciso que ela seja resfriada rapidamente para que se possa adicionar a levedura e fazer com que o açúcar vire álcool. Neste processo, o líquido precisa passar em um contracorrente, ou seja, necessita de uma solução muito gelada, mas que esteja em estado líquido. O dietilenoglicol era usado para garantir que esse fluido não congelasse e ficasse abaixo de zero grau. No caso Backer, foi um furo no tanque que ocasionou o problema", destaca o professor.
Para o especialista, os casos da Backer, em Belo Horizonte, e o de contaminação por metanol na Grande São Paulo "não têm nenhuma correlação".
'Toxicidade gigantesca'
O metanol, conforme afirma o professor, é "extremamente agressivo". "A toxicidade dele é gigantesca, e os efeitos começam com náuseas e mal-estar, mas evoluem rapidamente para cegueira, falência múltipla dos órgãos e até a morte. O metanol em nenhuma etapa pode fazer parte do processo de produção de uma bebida."
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O "poder de toxicidade" não é restrito ao dietilenoglicol e ao metanol, segundo Tavares. "O etanol [álcool comum] também causa toxicidade, tanto que quem bebe muito acorda com ressaca, mas é algo infinitamente menor do que uma provável intoxicação pelo metanol", compara.
Dificuldade de orientação
Tavares ressalta que é difícil orientar algo aos consumidores para tentar evitar a contaminação pelo metanol, visto que há suspeita de distribuição além de São Paulo. "Para pessoas do meu círculo de convivência, aconselho que fiquem mais ligadas a bebidas destiladas, onde há maior teor de álcool e 'teria mais sentido' a adulteração para que o fraudador ganhe mais dinheiro."
O caso da Grande São Paulo sugere uma "produção clandestina". "Repito: o metanol em hipótese alguma pode ser visto nas indústrias de bebidas", conclui o especialista.