Balada

Adolescentes burlam pais e lei para curtir ‘resenha’ e ‘movi’ 

O TEMPO revela como são as festas que atraem o público jovem de BH e como a fiscalização é driblada

Por Joana Suarez
Publicado em 29 de maio de 2016 | 03:00
 
 
 
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“Chamazamiga que a coisa vai ser louca, sem cutcharra, se prepara para a resenha topzeira do 3rão, dmr!”. Se você não entendeu a mensagem, provavelmente tem mais de 25 anos de idade. Então pode espiar a tradução no fim dessa página para não ficar “boiando”, porque, no dialeto juvenil, até o adjetivo “top” – que julga algo como sendo muito legal – tem variações como “topzeira” e “topíssimo”. Mas a “parada” que mudou mesmo entre os adolescentes de hoje e os de décadas passadas é o tipo de movimento, quer dizer, o “movi” que eles curtem, que pode ser chamado também de “resenha” ou “baile”.

Nada de música romântica que crie um clima para beijar, agora eles querem ouvir funk pesado e gostam das versões “proibidas” socialmente, que descrevem pornografias daquelas que é melhor nem entender a letra ou os palavrões. Quem tiver muito curioso pode pesquisar dois pancadões: “Tipo Ginecologista” e “Qual Sua Idade”. Pronto, você já conhece a linguagem e o som da moçada. E o que eles fazem, além de dançar rebolando até o chão, para frente e para trás? Beijam muitooooo e, claro, na era do selfie, fazem várias, várias e várias poses e bicos em fotos e vídeos para postar no Facebook e no Snapchat, legendados com hashtags do tipo “#VemComTudo”.

Mas não dá para juntar todos os adolescentes de 12 a 17 anos em um “bolo” só – os mais velhos não querem se misturar aos novinhos. Até os 15 anos, o esquema é a matinê: suave, sem bebida alcoólica, “tranquilo e favorável” para os pais que levam e buscam a meninada. Passou disso, o “doido” é o proibido: eles querem beber vodca, e tem que ser da mais barata já que pagarão com o dinheiro da mesada. As festas são em suas casas, quando os pais estão viajando ou são mais liberais. Os que precisam fugir das famílias mais rigorosas dizem que vão ficar em um amigo, que é onde a “lorota” já está combinada caso a mãe ligue para checar.

As resenhas para até 50 pessoas são animadas ao som de playlist, e é a própria turma que recolhe o dinheiro na escola para comprar bebidas e comidas. Quando o movi é para mais de 200 pessoas, os espaços são alugados e têm DJs. Sempre rola em um local mais discreto, como sítios e chácaras, e só é divulgado na véspera ou no dia do evento – estratégia para burlar as autoridades e não “lombrar o rolé” (tradução no fim da página). Outra tática é deixar um segurança na porta para avisar se o juizado de menores chegar, e os meninos conseguirem “vazar”. Quem organiza são os mais saidinhos dos colégios, e sempre tem um de 18 anos para assinar os contratos. A faixa etária desse movimento se estende até os 20, incluindo os que acabaram de entrar na faculdade.

Para entrar no movi, garotas desembolsam R$ 25, e rapazes, R$ 40, com catuaba, vodca e cerveja liberadas. O suficiente para sair dando “PT” (perda total) de bêbado. “Tem gente que dá movi sempre. Com 15 e 16 anos, a gente ia toda semana, agora, vamos duas vezes por mês, porque estamos estudando para o vestibular”, contou uma adolescente de 17 anos.

Proibidões. Já os bailes clandestinos são produzidos por “profissas”. Um deles confidenciou que, das 600 pessoas que vão aos funks, 300 são adolescentes. Ele responde a processo judicial, mas disse que já pegou “as manhas” para não cair de novo com o juizado. “Os menores chegam mais tarde, depois da fiscalização”, explicou o produtor, que lucra, em média, R$ 6.000 fazendo duas resenhas por mês e está no ramo há três anos.

Juizado

O juizado de menores da capital autuou 51 locais por venderem bebidas alcoólicas para menores de idade neste ano. A punição é multa de R$ 3.000 a R$ 10 mil e prisão para o responsável. Ângela Muniz, coordenadora do comissariado da Infância e Juventude e há 20 anos no juizado, percebeu o aumento de festas clandestinas e de uso de documentos falsos: “Todo dia tem equipe fiscalizando os estabelecimentos, mas, nos eventos particulares, dependemos de denúncias. Recebemos muitas, e está sempre aumentando”.

Na matinê, os novinhos ganham bala para beijar

Na entrada, balas refrescantes. O nome do evento é Festa do Beijo. Tem uma hora de “blackout” (luzes apagadas) para não ter desculpa de timidez. E a balada é open energético e açaí. Refrigerante, água, suco, sorvete e chocolates também estão liberados. “Gosto das meninas; dependendo, beijo três ou quatro”, disse Gabriel*, 13, sobre o que ele mais curte na resenha.

As matinês são focadas nos adolescentes de 12 a 15 anos e acontecem em casas de shows regulares, com ingressos que vão de R$ 50 a R$ 150. Os organizadores prometem quase tudo – segurança, ausência de bebida alcoólica, funk leve, “inspeção” dos pais – só não dá para garantir que eles não se peguem, afinal, estão na pista. Gabriel e os amigos se preparam para ir à Festa do Beijo, que será a segunda balada oficial deles. Pelo WhatsApp, ele avisa o ritmo preferido: “Eu, particularmente, adoro sertanejo, mas qnd (quando) é festa é mt (muito) melhor funk e MC. É mais animado”.

Quando vêm artistas nacionais com o o paulista Biel – o Justin Bieber brasileiro –, a balada bomba, dá mais de mil meninos. “A gente foca no público mais novo, que gosta quando a gente leva famosinhos da internet, do Instagram e YouTubers. Eles querem paquerar, beijar, conversar, dançar”, explicou Marcos Lezsy, produtor de baladas para adolescentes, como a Festa do Sinal – verde, disponível; vermelho, comprometido; e amarelo, enrolado. Para divulgar os eventos, a produção recruta alunos nas escolas, que espalham a notícia, e segundo Lezsy, funciona mais que nas rádios. (JS)

*Nome fictício

 

Traduzindo

Cutcharra - sem frescura

3rão - terceiro ano do ensino médio

Dmr - demorou (já é, pode vir)

Lorota - conversafiada

Vazar - ir embora

Boto fé - acredito muito

Lombrar o rolé - deu juizado e estragou a festa

Na moral, pode crê - confiar

Xia - algo que foi bom demais

Pela ordi - tudo certo, ok

Mano, véi, viado - parceiro, cara

Cabaço - menino bobo

Smp - sempre

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