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Alunos do mundo escolhem BH

Fundação Dom Cabral, parceira da Skema, quer ser porta de entrada de novos gringos no Brasil

Por Joana Suarez
Publicado em 23 de outubro de 2016 | 03:00
 
 
 
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Um bafo quente saiu da sala de aula ao abrir a porta. O ar-condicionado estava desligado. O suor do professor molhava a camisa de botão, mas os franceses estavam “numa boa”, alguns até vestiam blusas de frio. “Eles pedem para deixar o ar desligado, não gostam”, explicou, pasma, a coordenadora Gabriela Sampaio. O frio artificial não agrada aos estrangeiros, afinal de contas, eles vieram para um país tropical para sentir calor. “No ônibus de viagem para o Rio de Janeiro, colocaram 18°C, e a gente implorou para o motorista desligar, mas parece que ar gelado é sinal de luxo aqui”, frustou-se Pierre Harington, 23. “Ar-condicionado não faz bem à saúde”, cravou Valeria Podkidysh, 22.

Seja como for, os professores brasileiros da Fundação Dom Cabral (FDC), no bairro Santo Agostinho, em Belo Horizonte, terão que se acostumar, porque o intercâmbio de franceses vai continuar e promete grupos maiores. A primeira turma, de 50 alunos, veio em meados de 2015; no início deste ano desembarcaram 70; e, neste semestre, 120. Ano que vem devem vir 220. A instituição francesa Skema Business School, que atua em parceria com a FDC no Brasil, calcula que, até 2017, mil alunos estrangeiros terão vivenciado a capital mineira. Muitos ficaram interessados em vir após a propaganda dos colegas que passaram por aqui.

“Aluno do mundo”. É assim que a Skema vê seus mais de 7.000 estudantes e exige que eles façam pelo menos dois semestres em dois países diferentes, durante os quatro anos de curso (ao valor de € 9.000 por ano). A escola tem campus em Paris, China, Estados Unidos e Belo Horizonte, onde a FDC almeja ser porta de entrada de novos gringos no Brasil, país favorito deles pela cultura acolhedora.

“Eles preferiam o Rio de Janeiro, mas aqui é mais central para viajar para outros lugares, além de ser mais seguro”, destacou a diretora da Skema, Patrícia Girod, garantindo que nunca um estudante foi assaltado. “As pessoas lá fora falam coisas ruins, que o país é inseguro. Mas não senti isso”, comentou Charlotte Barbe, que fala espanhol.

Porre. Já ocorreu, porém, de alguns alunos irem para o hospital por causa da bebedeira. “Eles bebem, fumam muito e comem pouco”, menciona Patrícia, que justifica: “São jovens”. Outros contratempos decorreram da comida e da água, já que, na França, bebe-se água da torneira.

Para introduzi-los nas culturas brasileira e mineira, quando chegam, os gringos participam de uma palestra de informações turísticas, promovida em conjunto com a Aliança Francesa, que dá aula de português a eles, três horas por semana. O tempo é insuficiente para aprender uma língua “difícil”, segundo os estudantes, por isso poucos falam o idioma e se comunicam com quem sabe inglês, francês, espanhol. “Só as pessoas mais ricas falam inglês aqui”, constatou uma verdade, Chloé Frappereau, 22.

Valeria Podkidysh buscou aprender ao menos palavras básicas da língua portuguesa antes de vir, mas, em solo mineiro, onde não se usa todas as sílabas, não adiantou muito. “Quando cheguei, peguei um Uber e não entendia nada do que o motorista falava. Vocês não pronunciam a palavra inteira”, descobriu a ucraniana, que vive na França. Com ela, entre os 120 alunos, há 11 de outros países.

As pessoas que apresentaram a capital mineira para os gringos eram torcedoras do Atlético, logo, muitos dos franceses criaram empatia pelo “Galô”, como dizem. “Fomos ao clássico, e um torcedor me deu a camisa do Atlético”, contou Alexandre Guhur, 27, um dos mais velhos da “massa francesa” em “Belorrizonte”.

Curiosidades

“Saudade”. Os gringos acham a palavra tão bonita, única no nosso idioma, que uma francesa a tatuou no braço.

Casamento. Uma garota do grupo anterior apaixonou-se por um brasileiro e se casará com ele na França. Outra arrumou um namorado aqui por meio do aplicativo de paquera Tinder.

Temperatura. Eles gostam de calor, mas preferem o clima de BH ao do Nordeste.

Salsa x forró. Estrangeiros acharam o forró daqui parecido com a salsa, mas “menos vivo”.


Saiba mais

Passeios. Os próprios alunos organizam suas viagens e atividades em grupo ou individualmente. Deles, 60% são mulheres, e 40%, homens.

Trabalho. O curso prevê que os estudantes trabalhem em outros países, mas, no Brasil, Patrícia Girod explica que é quase impossível conseguir emprego sendo estrangeiro. “Havia um acordo de facilitação de trabalho temporário pronto para a Dilma (Rousseff) assinar, mas mudou o presidente, e ele está parado. Estamos negociando com o governo de Minas, mas não sei se vai funcionar”, afirmou.


Diferentes

Uns gastam euros no salão, uns poupam

Em um salão de beleza do bairro Luxemburgo, Fanny Thyrault, 20, tentava enrolar os longos cabelos loiros e lisos com escova e spray, mas os cachos não durariam muito. A amiga Charlotte Barbe ajudava a traduzir, em espanhol, o que ela queria: “cabelos de macarrones”, fazendo o gesto de caracol para o cabeleireiro. A dona do salão diz que elas vão muito lá, depilam praticamente todos os dias, “e tiram todos os pêlos”, acrescenta a funcionária. O procedimento brasileiro, com cera, é sucesso mundo afora. Mas elas tomam gosto mesmo por causa do preço. “Nosso dinheiro aqui vale muito, não digo que estamos ricas porque somos estudantes, mas R$ 1 é € 0,28”, espanta-se Charlotte. 

Nem todos os estudantes portam tantos euros para se embelezar. Alguns tiveram que pedir empréstimos para vir. Quem se hospeda no hotel paga cerca de € 300 por mês. Os mais ousados procuram quartos para alugar no site Airbnb, e os aventureiros vão de “couchsurfing” (surfadores de sofá), esquema em que se encontram casas de nativos para ficar de graça.

Foi a escolha do estudante alemão Pawel Lisiecki, 27, ou “Lindo”, como é conhecido artisticamente. “Eu dormia no sofá, agora comprei um colchão”, contou o entusiasta do projeto La Fama Crece, que integra povos do mundo por meio da música. No YouTube tem um vídeo dele em Cuba imperdível: “Brasil e Cuba são meus preferidos”. 

Visto. O intercâmbio dura três meses, mas alguns conseguem visto para um ano – mais que isso é raro. Não por falta de querer, pois muitos desejam ficar no Brasil, mas não conseguem permanecer legalmente.

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