Afastamento do serviço ativo após completar os anos estipulados em lei para exercício de atividade”. Essa é a definição de “aposentadoria” no dicionário. Porém, algo tão sonhado por milhares de brasileiros acaba não sendo vivido em sua plenitude, pois muitos têm a necessidade de exercer atividades remuneradas como forma de complementar o benefício. 

Durante 36 anos, Eliezer Bahia, 58, trabalhou como motorista de ônibus em Belo Horizonte. Assim que se aposentou, em 2016, ele imaginou que conseguiria aproveitar a nova fase da vida. No entanto, com o orçamento familiar apertado, quase chegando à terceira idade, ele teve que buscar uma forma de complementar o benefício. 

“Comecei a ser motorista de aplicativo. Lembro que, na época, ajudava a pagar a faculdade do meu filho, sem falar nas contas rotineiras: água, luz e internet. Fiquei por um bom período trabalhando até dez horas por dia”, diz. Inicialmente, ter que trabalhar mesmo estando aposentado foi um “choque” para Eliezer. “Acho injusto demais isso que vemos no país. Nós trabalhamos durante tanto tempo e, na hora de curtir, ainda temos que correr atrás de mais renda porque, senão, a conta não fecha”, diz. 

Foi como motorista de app que Eliezer passou por um dos momentos mais difíceis da vida. “Enquanto rodava, fui abordado por dois homens. Eles pegaram meu carro, me colocaram no porta-malas e ameaçaram me matar. Eu só chorava e temia não curtir mais meus netinhos”, recorda.

Depois do susto, ele deixou de trabalhar à noite. “Rodo somente durante o dia. Mesmo com as despesas da casa dando uma diminuída, ainda não posso me dar o luxo de relaxar de tudo – caso contrário posso ficar endividado”, afirma, temeroso. 

Quem também vê necessidade de trabalhar depois de aposentado é Paulo Ávila, 71. Recebendo um salário mínimo por mês, ele teve que buscar uma forma de ter mais dinheiro. “Com dificuldade para conseguir emprego por causa da idade, resolvi fazer um concurso público e passei. Sou agente comunitário de saúde desde 2008. Se não fosse esse serviço, estaria numa situação financeira complicada”, garante.

Ávila tem razão em se preocupar com a saúde financeira. Os números mostram que os idosos podem sofrer bastante na luta para se sustentar, inclusive após a aposentadoria. Conforme pesquisa da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) divulgada no fim de outubro, entre os idosos de 65 a 95 anos, houve um aumento de 11,95% no número de dívidas por CPF na comparação com o mesmo período de 2022. Redução da renda, elevação do custo de vida e empréstimos para terceiros são alguns dos principais motivos que contribuem para o endividamento dos mais velhos, segundo a economista da entidade Ana Paula Bastos.

“Quando as pessoas se aposentam, em geral, elas têm uma diminuição de renda. Além disso, o custo de vida eleva, principalmente em relação aos gastos com a saúde. Tem também o fato de que muitos idosos são responsáveis financeiramente por suas famílias, alguns emprestam o nome para crédito consignado e nunca são pagos”, destaca Ana Paula.

A economista ainda aponta que, após certa idade, existe a dificuldade para conseguir emprego, e a realocação no mercado de trabalho se torna mais difícil. “É um cenário de alto endividamento, que deve se manter nessa média por um tempo”, afirma ela.

Benefício não é suficiente 

Uma pesquisa realizada pela empresa de análise de crédito Serasa aponta que, para 70% dos idosos, uma aposentadoria não é suficiente para viver. Os gastos com saúde estão entre os mais relevantes para 49% dos entrevistados, ficando atrás apenas das despesas com alimentação, que foi a principal para 69%.

O baixo valor do benefício faz com que 58% dos idosos não consigam se planejar financeiramente. Um terço deles afirmou que precisa utilizar reservas feitas no decorrer da vida. Do total dos entrevistados, 60% são aposentados, 36% ainda estão trabalhando e 4% se encontram desempregados, à procura de trabalho. 

O levantamento entrevistou 1.649 idosos de forma online, com 40 perguntas. Com confiança de 95%, a margem de erro da pesquisa é de 2,4 pontos percentuais.

Cidade precisa ser repensada

O aumento da população idosa é o maior ganho da humanidade, destaca a diretora de Políticas para a Pessoa Idosa da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Renata Martins. Ela ressalta que esse é o resultado de diversas ações do passado, como os avanços nos estudos médicos, a preocupação com saneamento básico e água potável, entre outros. Agora, é a vez de pensar em novos mecanismos para aumentar a qualidade de vida da população idosa, segundo ela.

“Belo Horizonte está fazendo o plano municipal de envelhecimento. A ideia é construir uma cidade cada vez mais amiga dos idosos. Atualmente, já contamos com uma série de ações, como o Centro de Referência da Pessoa Idosa, no bairro Caiçara, com atendimento a cerca de 480 pessoas por dia, campanhas contra a violência aos idosos, entre outras ações”, diz ela.

Porém, como o número de idosos continua crescendo e eles vão representar uma grande parcela da população futuramente, Renata explica que a cidade terá que ser repensada em diferentes frentes, como saúde, segurança e mobilidade urbana. “Haverá a necessidade adaptar todo o espaço urbano, pensando em calçadas, entradas de lojas, entre outros”, diz ela.