Professores e representantes de organizações da educação criticaram o projeto de aulas a distância da Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG), em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta segunda-feira (8). Após três semanas desde o começo das aulas por vídeo para a educação básica no Estado, o ensino remoto ainda apresenta problemas graves, segundo participantes da audiência.
Os cadernos do Plano de Estudo Tutorado (PET) foram um dos alvos das críticas. “Assim que foram lançados, vimos vários problemas nos cadernos de atividade. Eles não trazem conteúdo para os estudantes e propõem atividades sem suporte para isso. É um material extremamente precário e raso, que não trabalha conceitos. Eles apresentam erros gravíssimos de conteúdo e de conceito e acabam deseducando mais do que educando”, afirmou Adriano José de Paula, professor da rede estadual e diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores de Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG).
Karina Rezende, professora da rede estadual e mestranda em história na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontou que há informações sem citação às fontes nas apostilas. Ela também pontuou que existem erros gramaticais ao longo do material. "Isso evidencia falta de revisão e cuidado na elaboração do material. Na apostila do terceiro ano do ensino médio, está escrito 'cadeiras carbônicas' (em vez de 'cadeias carbônicas') e, no conteúdo de biologia, 'reações química' (em vez de 'reações químicas'). Durante todos os anos, há várias palavras em inglês escritas incorretamente". Ela aponta que as referências da SEE/MG para as apostilas do primeiro ano do ensino médio nos conteúdos de biologia e física são de um portal de dúvidas de pais e alunos, em vez de autores com credibilidade no mundo acadêmico.
Conforme Karina diz ter observado com outros alunos da UFMG e pedagogos, há problemas conceituais nos cadernos. "Na parte de inglês da apostila do primeiro ano, está escrito que William Shakespeare nasceu em 1954. Na apostila de história do sétimo ano, na parte sobre evolução do hominídeo, as espécies Homo habilis e Homo sapiens aparecem como sinônimos, sendo que há mais de um milhão de anos de distanciamento entre ambos. Há falta de material e um ensino errado de algumas disciplinas", diz. Ela conta ter relatos de escolas onde a distribuição de livros didáticos no começo do ano foi menor que a de alunos, o que deixaria o estudantes à mercê de aprender com as novas apostilas.
O deputado Betão (PT), vice-presidente da comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, relatou que também tem recebido reclamações parecidas sobre o material e defendeu: “Eu faria sugestão de que recolhessem esse material antes que gerem mais problema em relação às informações que são trazidas nele”.
“(As apostilas são) um plano de estudo, não têm perspectiva de ser livros didáticos. É um plano de estudos, contando com professores que se voluntariaram a fazê-lo. Eles não são produtores de conteúdo, consultores ou especialistas. São professores da nossa rede que se propuseram a dar esse primeiro passo”, justificou Geniana Guimarães Faria, subsecretária de Desenvolvimento da Educação Básica da SEE/MG. De acordo com ela, a pasta está ciente dos problemas apontados por Karina e trabalha para solucioná-los nas próximas edições das apostilas.
Questionada pela reportagem, a SEE/MG destacou ter disponibilizado a lista de referências bibliográficas utilizadas nas apostilas há mais de uma semana em seus canais de comunicação, e que faz ajustes necessários ao receber apontamentos sobre erros.
Professores relatam se sentir sobrecarregados com ensino a distância
Adriano José de Paula, do Sind-UTE/MG, disse, ainda, que diretores de escolas estaduais são pressionados por pais de alunos para que entregassem as apostilas impressas. “Em Ribeirão das Neves, um diretor foi ameaçado na escola porque pais queriam material impresso. Eles o ameaçaram, dizendo que a secretaria falou para buscarem o material na escola e que tinha mandado dinheiro a ela para impressão. A secretaria disse que a escola iria imprimir o material e não mandou recursos adicionais para isso”, relatou.
De acordo com Geniana, não há orientação para alunos pegarem as apostilas na escolas e todas as que apontaram não ter recursos para fazer a impressão podem solicitá-lo à SEE/MG. As escolas, segundo a subsecretária, são responsáveis pelo envio do material da forma como combinarem com a comunidade escolar — por Correio, por exemplo. Ela afirmou que cerca de 95% dos alunos que precisam do material já o receberam.
Outra reclamação de professores na audiência foi a sobrecarga de trabalho dos docentes, que estariam sendo solicitados em grupo de WhatsApp para solucionar dúvidas dos estudantes. Geniana esclareceu que a interação entre professores e alunos deve ser feita apenas pelo aplicativo Conexão Escola. A ferramenta de conversas no app, entretanto, ainda não funciona, pois protocolos de segurança estão sendo aprimorados, conforme disse Geniana.
O deputado Professor Cleiton (PSB) contou ter tido relato de invasão ao aplicativo. "Uma professora estava ensinando por ele e um hacker disponibilizou materiais pornográficos a meninos do sexto aula dentro da aula", disse. À reportagem, a SEE/MG afirmou que a acusão não procede e que ela não recebeu nenhuma denúncia sobre o tema. A pasta declarou que o app é seguro e que não há registro de invasão de hackers ao sistema.
Profissionais da educação cobram extensão do acesso às aulas remotas
“(O que está sendo feito) definitivamente não é educação a distância. A oferta das atividades remotas emergenciais vai acentuar a desigualdade social se não considerar com relevância essas desigualdades”, pontuou Analise de Jesus da Silva, coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg). Ela lembrou que apenas 186 dos 853 municípios mineiros têm acesso ao sinal da Rede Minas, em que as aulas do ensino estadual estão sendo transmitidas, não alcançando 700 mil dos 1,7 milhão de alunos da rede estadual. A SEE;MG afirma que mais 85 municípios irão receber o sinal com apoio logístico da secretaria, totalizando 271 cidades e mais 200 mil alunos com acesso à emissora.
O acesso ao aplicativo Conexão Escola, que traz materiais complementares às aulas, não consome o pacote de dados de internet dos estudantes e professores. Analise, porém, cobra mais atenção a outras necessidades educacionais e culturais dos alunos: “Ter acesso a WhatsApp e Facebook é muito diferente de ter dados móveis e potência o bastante para baixar e assistir a filmes, ouvir músicas, ver espetáculos teatrais, baixar arquivos em PDF e ainda mais para trabalhar com esses arquivos”.
Ela sugere que o governo utilize recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundebe) sejam utilizados para ajudar a resolver esses problemas. “Não precisa reinventar a roda, ela já existe”, disse. A reportagem questionou a SEE/MG sobre a possibilidade a aguarda retorno.
A audiência pública, segundo a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que presidiu a reunião, culminou o encaminhamento de questionamentos e requerimentos à SEE/MG — entre eles, que profissionais da educação que têm ido às escolas sejam testados para a Covid-19, que a SEE-/MG desenvolva protocolos de ação para as escolas onde trabalhadores tenham sido contaminados e que forneça equipamentos para profissionais realizarem teletrabalho.