Saúde

Arte ajuda em tratamento de pacientes do Galba Velloso

Música, poesia, pintura e outras formas de expressão levam suavidade à rotina dos internos

Por Rafaela Mansur
Publicado em 31 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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“Estou feliz que meus inimigos sumiram todos e estou cheio de amigos doces. Jamais vou esquecer que tenho muitos amigos na vida”. Foi assim que Nivaldo*, 39, descreveu a sensação de viver cercado de arte dentro dos muros, agora coloridos, do Hospital Galba Velloso, no bairro Gameleira, na região Oeste de Belo Horizonte, onde está internado. A instituição tem seguido o caminho da humanização do tratamento da saúde mental e, para isso, conta com a ajuda de música, poesia, pintura e diferentes formas de expressão artística: tudo que possa amenizar um pouco a realidade dos pacientes, que chegam ali em situação de crise.

“A arte é uma coisa linda, ensina a não ter vergonha de se mostrar. As pessoas despertam o talento, preservam o que é bom para o coração”, afirma Nivaldo.

Semana especial

Desde 2017, o Galba realiza uma semana anual em que vários artistas se reúnem para compartilhar suas criações com os pacientes. Neste ano, o evento, em novembro, teve como tema a obra de Fernando Pessoa. Um dos legados do encontro foi a pintura da sala de urgência, o primeiro lugar onde o paciente é atendido na instituição, feita por Gabriel Dias.

“Era uma sala apagada e sem vida, agora é surpreendente, e cada um pode viver isso a seu modo. Quando o paciente chega, não se reconhece como doente, e estar em um lugar que não tem cara de hospital produz outra lógica”, diz a gerente assistencial Cláudia Apgaua. As enfermarias e os pátios da instituição, que segundo ela “lembravam uma prisão”, foram pintados por artistas.

Mas, para além dos muros e de sete dias ao ano, a arte está presente na rotina do hospital, que já foi palco de exposições, lançamento de livro e, todas as sextas-feiras, oferece o Chá com Poesia: um projeto em que os pacientes comem rapadura, tomam um chazinho e têm contato próximo com a arte. “A gente compartilha poesia, proporciona momentos de escrita, o paciente pode escolher uma música. É um respiro”, diz Cláudia.

Além disso, a unidade tem um setor chamado Galbarte, uma antiga enfermaria transformada em espaço de atividades como mosaico, colagem, escrita e desenho. Em um quadro-negro pendurado na parede, os pacientes se revezam para deixar seus registros. O último deles foi feito por Sandra*, 37: “Cada um tem direito de ser feliz, nada acontece se a pessoa não se esforçar para mudar”, ela escreveu. “Às vezes, a gente subestima os pacientes, e eles nos surpreendem o tempo todo”, pontua a coordenadora do Galbarte, Letícia Afonso.

Quatro vezes por semana, ritmo e afinação são trabalhados nas aulas de música. “Eles chegam cabisbaixos e saem com outro astral, se comunicando mais. Apesar de cada um ter seu estilo, todos se juntam, é uma das atividades com mais participação”, conta o musicoterapeuta Vicente Silva.

Os próprios profissionais se envolvem e buscam levar propostas diferentes para o hospital: quem tem um amigo músico, por exemplo, o convida para apresentações no Galba. “As experiências com arte são uma diretriz. A gente trabalha com a perspectiva da reforma psiquiátrica, de que os serviços substitutivos são os lugares de tratamento. Enquanto a gente está aqui como hospital, que seja um hospital colorido, que não tenha cara de hospital”, pontua Cláudia.

“A arte alivia o sofrimento, a angústia, a falta da família. Ninguém é melhor nem pior que ninguém, todo mundo tem seu brilho, e a arte ajuda a encontrar esse brilho”, conclui Sandra.

* Nomes fictícios

 

Busca atual é pela humanização

A arte contribui também para o tratamento e a melhora das condições de saúde dos pacientes, de acordo com a psiquiatra do Hospital Galba Velloso Nathália Natal. “É uma saída que as pessoas conseguem encontrar para o sofrimento, transforma a forma de elas verem o mundo, deixa as coisas mais leves. (A arte) diminui a ansiedade, a angústia e as vozes que muitas vezes perturbam”, diz.

A humanização do tratamento é um caminho sem volta. Antigamente, a lógica manicomial isolava as pessoas consideradas loucas, e os hospitais psiquiátricos eram comparados a campos de concentração.

A Lei Federal 10.216, de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com sofrimento mental, indicou uma nova direção para a assistência psiquiátrica no país, com o objetivo de reduzir o número de leitos psiquiátricos de longa permanência e garantir o cuidado aos pacientes sem isolá-los de suas famílias e da sociedade. No Hospital Galba Velloso, a média de permanência dos pacientes é de 20 dias, e a continuidade do tratamento é feita na rede de saúde do município de origem da pessoa.

O diretor da Associação Mineira de Psiquiatria, Maurício Leão, afirma que o tratamento da saúde mental passa por caminhos como o diagnóstico correto, a assistência precoce, os psicofármacos adequados, a boa qualidade de vida e as psicoterapias de suporte, que incluem a arte.

“Todo e qualquer tratamento que reproduza as condições de uma boa qualidade de vida é fundamental para a melhora do tratamento e a recuperação do paciente”, pontua.

Acolhimento

Instituição. O Hospital Galba Velloso possui um total de 120 leitos, taxa de ocupação de 90% e média de permanência de 20 dias. A maioria dos pacientes é do interior do Estado.

Paz e beleza

“Nosso hospital tem a especificidade de tratar quem está em sofrimento humano. Claro que tem as questões clínicas, mas o que faz com que alguém esteja aqui são as questões da saúde mental. A arte ajuda a encontrar modos de estar na vida, com beleza, apaziguamento.”

Cláudia Apgaua

Gerente assistencial do hospital

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