Levantamento

Chuvas em BH: 20% da população está sob alerta maior frente a risco geológico

De acordo com a Prefeitura da capital, vilas e favelas são os locais mais vulneráveis diante das tempestades e reúnem cerca de 480 mil pessoas

Por Juliana Siqueira e Raquel Penaforte
Publicado em 16 de dezembro de 2022 | 17:51
 
 
 
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Com a chegada de mais um período chuvoso, Belo Horizonte tem, ao menos, 20% da população vivendo em locais que despertam alerta maior dos órgãos públicos quanto a ameaças de desabamentos e deslizamentos. Apesar de nesta semana todas as regionais da capital terem tido áreas sob alerta de risco geológico – o que foi dissipado nesta sexta-feira (16) – são as vilas e favelas que despertam uma maior preocupação, de acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Ao todo, a capital mineira tem 336 aglomerados, com 480 mil habitantes que, muitas vezes, lutam para sobreviver em meio à força das tempestades.

“Os riscos geológicos estão associados a um encharcamento do solo. Isso possibilita sobrecarga nas estruturas com riscos de queda de muros e também deslizamentos em encostas. Belo Horizonte tem uma característica de ser uma cidade com relevo acidentado. Portanto, todas as áreas da cidade estão sujeitas a riscos geológicos, principalmente naqueles locais de elevada inclinação e onde são feitas intervenções no terreno natural com cortes e estrutura de contenção”, diz o coronel Waldir Figueiredo, da Defesa Civil da capital. 

Além disso, os perigos também moram dentro das próprias casas, segundo Figueiredo. As residências, muitas vezes, estão sob risco devido à falta de manutenção preventiva nas estruturas de contenção, nos sistemas de captação e drenagem das águas pluviais, entre outras questões. Todas essas situações levaram, só neste ano, com que Minas Gerais registrasse, até o momento, 1.156 desabrigados e 4384 desalojados.

Em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, a situação não é muito diferente da capital. De acordo com dados da Prefeitura da cidade, o município tem 96 áreas de risco de grau alto e muito alto. Entre elas, estão 25 na regional Sede, 11 na regional Eldorado e 9 na regional Industrial. Segundo o executivo municipal, há atualmente cerca de 66 mil pessoas morando em áreas de risco, geológico ou hidrológico.

Raquel Ferreira de Araújo, de 36 anos, é mãe de cinco filhos e cuida de dois sobrinhos. Ela, que está desempregada, mora atualmente em uma casa de poucos cômodos na Vila Barraginha, em Contagem, onde a mãe - que faleceu há cinco meses - vivia e ajudava a cuidar das crianças para que ela pudesse trabalhar e lutar por uma vida melhor. Com a chegada do tempo chuvoso, a preocupação dela é não precisar reviver o mesmo drama de dezembro de 2019, quando o volume de água foi tamanho, exigindo que ela, em meio ao desespero, quebrasse parte da parede da sala para retirar os filhos de casa.

Porém, sempre vem a chuva e o medo do que ela pode causar. “Só Deus para cuidar. A gente morre de medo quando chove forte. A água chega a encher, fico com tanto medo que nem durmo à noite. Às vezes, chega na beira da parede daqui de casa. Não aconteceu ainda como foi há muito tempo, que eu tive que furar a parede para tirar meu meninos, mas a gente não tem sossego. Todos os moradores aqui têm medo. No sábado passado, por exemplo, ficamos morrendo de medo. A chuva foi tão forte, que chegou a encher um pouco o beco, ficou como um rio. Eu não durmo não, fico na janela olhando se vai encher, preocupada. Porque, se precisar, eu pego meus meninos e vou embora. Minha prioridade são os meninos. As coisas materiais, foi minha mãe que batalhou e conquistou, se a gente perder, vamos ter que correr atrás e reconquistar tudo outra vez, mas isso não é o principal. O importante é manter todo mundo a salvo”, afirma.

A poucos metros dali, vive dona Betinha, como é conhecida Maria Ventura dos Santos, de 62 anos, uma das moradoras mais antigas da Vila.  A experiência dela é acompanhada pelo medo de reviver as tragédias do passado. 

“A área aqui é de risco, e a gente vai fazer o quê? Não dá pra correr. Todo mundo fica morrendo de medo de acontecer o que já aconteceu. Um moço ‘passou um cimento’ ali pra mim, e aí diminui um pouco (a entrada de água na casa dela), mas se é chuva forte, fica que nem um rio descendo aí pra baixo”, diz.

A idosa, que mora com o filho, está doente e debilitada. Além do risco de enchentes, as fortes chuvas provocam gotejos dentro de casa, aumentando também risco de queda e acidentes domésticos. “Já caí aqui, fica tudo molhado e não há pano que seque”, lamenta.

Segundo a Prefeitura de Contagem, atualmente a Vila Barraginha não se encontra em uma área de risco geológico muito alto, como no passado. Informou ainda que, contudo, a área é monitorada regularmente pela Defesa Civil.

‘Não existe solução mágica’

Presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia, Clémenceau Chiabi destaca que não há somente uma resposta que resolva os problemas de todas as áreas sob risco geológico. Como cada local tem estruturas e desafios diferentes, os planos de ação também precisam ser distintos. No entanto, tudo esbarra na raiz da questão: a forma como as cidades foram ocupadas, com muitas construções informais.

“Há muitas residências que não utilizam as técnicas adequadas. Quando há uma chuva muito longa, durante muitos dias, o terreno vai encharcando, e aí surgem os maiores riscos de queda. Há também as regiões montanhosas, onde os terrenos são mais suscetíveis. O que precisa ser feito é levar a água para onde a gente quer que ela vá. Se ela ‘for sozinha’, os problemas podem ser grandes”, diz ele, destacando que é preciso pensar em soluções para direcionar a água da chuva para locais adequados. Especialistas têm afirmado ao longo dos anos a importância de investir em mais áreas verdes, por exemplo, para conter a força do aguaceiro.

“É preciso que cada caso seja estudado individualmente. Há áreas de maior risco do que as outras, mas a verdade é que ninguém sabe onde uma residência vai, de fato, cair. Pode acontecer, inclusive, em áreas de menor risco”, afirma ele.

No entanto, para tratar da água, é preciso primeiramente tratar das pessoas, conforme lembra o professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Allaoua Saadi. Ele salienta que uma das ações para levar mais segurança para moradores de áreas de risco seria construir condomínios e ir, pouco a pouco, transferindo a população para esses locais. Com isso, residências em risco poderiam ser demolidas, ruas serem abertas e o lugar modificado para que, em alguns novos, se transforme em um local seguro para receber os moradores. “É preciso tirar a população desses locais de risco, o que significa achar um lugar para elas ficarem”, salienta ele.

O professor ainda lembra que essas pessoas, tão afetadas pela chuva e às vezes julgadas por permanecerem nos locais de risco, não estão lá por que querem. “É o que sobrou para elas”, diz Saadi. “As pessoas estão lá enfrentando todos os anos a perda daquilo que conseguiram adquirir. Muitas estão lá por uma questão quase que natural: vieram de outros locais, do interior do Estado, não acharam onde ficar. Se forem morar em lugares muito distantes, podem não achar emprego, podem ter problemas para se locomover”, afirma.

Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte afirmou que lançou, neste ano, o Programa de Risco Geológico Geotécnico, com a previsão de mais de 200 obras emergenciais, que visam diminuir os riscos geológicos. Estão previstos investimentos na ordem de R$ 118 milhões em 18 meses.

O executivo municipal ainda salienta que a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel) também realiza o atendimento aos moradores das regiões de risco durante todo o ano. “Por meio do Programa Estrutural em Áreas de Risco (Pear), que tem o objetivo de assegurar proteção para os moradores dessas áreas, são realizadas diversas ações como vistorias, obras de eliminação de risco geológico e de manutenção e atividades de prevenção em parceria com a comunidade”, afirma a Prefeitura de Belo Horizonte.

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