EXEMPLO

Cidade mineira paga a agricultores para preservarem a água

O projeto começou em 2005, muito antes do diálogo sobre a crise hídrica, e hoje os resultados do planejamento a longo prazo já são visíveis

Por JULIANA BAETA
Publicado em 09 de fevereiro de 2015 | 12:55
 
 
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Os mananciais quase secos, a estiagem e a crise hídrica são problemas que, aparentemente, surpreenderam as autoridades e a população entre 2014 e 2015. Mas e se as medidas necessárias para enfrentar a iminente falta de água já tivessem sido tomadas há, por exemplo, 10 anos? Não precisa nem imaginar como seria. Basta uma visita a cidade de Extrema, no Sul de Minas, onde desde 2005 o projeto “Conservador das Águas” foi implementado e paga aos agricultadores para preservarem as nascentes, os solos e a água de suas propriedades.

Como consequência do planejamento a longo prazo, a cidade mal percebe a crise hídrica vigente no Estado. “O projeto começou justamente para o município se preparar para estes eventos extremos e para se adequar ambientalmente e ter soberania hídrica. Por isso, a cidade praticamente não têm visto os efeitos da estiagem e da crise hídrica. O abastecimento é suficiente para o município mesmo nestes períodos de seca”, explica o secretário de meio ambiente de Extrema, Paulo Henrique Pereira.

Funciona assim: o município paga aos proprietários rurais que cumprirem as metas estabelecidas o valor de 100 Unidades Fiscais de Extrema por hectare, o que dá cerca de R$ 235, atualmente.  Isso significa que em uma propriedade de 100 hectares, por exemplo, o agricultor irá receber R$ 23.500 por ano, valor divido em 12 parcelas, que são pagas mensalmente.

A condição é que os proprietários rurais permitam que a prefeitura, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, tenha acesso a suas propriedades e implementem ações de conservação do solo e da água, como a colocação de cercas em nascentes e áreas de preservação, o estudo do solo, o plantio de mudas.

FOTO: Divulgação/ Extrema
Antes
Uma das propriedades antes da implementação do projeto

 

FOTO: Divulgação/ Extrema
Depois
Mesma propriedade depois da implementação do projeto

O projeto é estudado desde 1995 e foi implementado em 2005. Pereira conta que no começo foi complicado angariar a participação dos proprietários rurais. “Foi difícil convencê-los a se adequar a isso quando não existia ainda nenhum projeto do tipo no Brasil e nem havia problemas ambientais graves e visíveis como hoje. Foi bem complicado, mas depois de muita persistência, as coisas foram acontecendo, fomos ganhando novos parceiros e fomos crescendo. Hoje já são os próprios agricultores que nos procuram para firmarem o contrato”, diz.

Atualmente, o projeto já mostra os resultados de acordo com os seus objetivos: aumentar a cobertura vegetal nas sub-bacias hidrográficas, implantar micro-corredores ecológicos, reduzir os níveis de poluição difusa rural causados pelos processos de sedimentação e eutrofização e falta de saneamento ambiental, e difundir o conceito de manejo integrado de vegetação, solo e água na bacia hidrográfica do rio Jaguari, a principal fonte de abastecimento hídrico da cidade e também o principal manancial do sistema Cantareira.

Consequências e critérios

As propriedades rurais que recebem a remuneração foram escaladas e hierarquizadas com base em sua situação de depredação ambiental. “A gente leva em consideração os critérios de cobertura florestal para escalar as propriedades. Ou seja, damos prioridade àquelas áreas que têm menor cobertura de vegetação para começar ali. Hoje, 10 anos depois, já é possível ver claramente os efeitos dessa ação nas propriedades”, diz o secretário ambiental Paulo Henrique.

O projeto já ganhou pelo menos nove prêmios entre nacionais e internacionais com a iniciativa, o que é bem compreensível dados os resultados. Só entre 2007 e 2013 foram pagos cerca de R$ 2,3 milhões a proprietários rurais. Além disso, foram firmados 161 contratos com agricultores e 5.619 hectares atingidos pelo projeto. Isso gerou 187.529 metros de cerca construídas para preservar áreas de proteção e nascentes, 504.153 mudas de árvores nativas plantadas, além de mil bacias de contenção de água pluvial construídas. 

Mas a ação não se restringe apenas a prática. Ela se estende também às escolas do município, onde os alunos começam, desde cedo, a serem orientados sobre a importância da conservação das águas. O projeto “Observando o Jaguari” começa com os estudantes, mas se estende em atividades curriculares para além dos muros das escolas. Os alunos são incentivados a firmar o diálogo com a comunidade local e associações de moradores para gerar uma espécie de “conscientização ambiental gradativa” no município.

FOTO: Divulgação/ Extrema
Antes
Outra propriedade fotografada antes do projeto

 

FOTO: Divulgação/ Extrema
Depois
Mesma propriedade fotografada depois dos resultados do projeto

Legislação

Se engana quem acha que um projeto como este pode causar ônus ao município. Em 2005, foi decretada a primeira lei que estabelece o pagamento aos proprietários rurais.O artigo 2º da lei 2.100 determina: “Fica o Executivo autorizado a prestar apoio financeiro aos proprietários rurais habilitados que aderirem ao Projeto Conservador das Águas, através da execução de ações para o cumprimento de metas estabelecidas. O apoio financeiro aos proprietários rurais iniciará com a implantação de todas as ações propostas e se estenderá por no mínimo quatro anos”. 

A lei ainda esclarece que o projeto é implementado por sub-bacia hidrográfica, seguindo critérios definidos pelo Departamento de Serviços Urbanos e Meio Ambiente e responsabiliza o município a firmar convênio com entidades governamentais e da sociedade civil com a finalidade de dar apoio técnico e financeiro ao projeto, cujo as despesas ocorrem por verbas próprias consignadas no orçamento.

Em 2009, por meio da lei 2.482, a verba destinada para o projeto foi institucionalizada, como estabelece em seu artigo 1º: “Fica instituído o Fundo Municipal para Pagamento por Serviços Ambientais, que tem objetivo assegurar, no âmbito do Município de Extrema, recursos financeiros necessários ao desenvolvimento do Projeto Conservador das Águas, instituído pela Lei Municipal nº 2.100 de 21 de dezembro de 2005, que visa a melhoria quantitativa e qualitativa dos recursos hídricos”.   

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