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Cidades de MG operam no 'sufoco' para conter avanço da dengue e da chikungunya

Municípios apontam queda nos repasses para as ações de enfrentamento as doenças; casos de dengue aumentaram 44% e chikungunya de 222%

Por Raquel Penaforte e Rayllan Oliveira
Publicado em 29 de abril de 2023 | 03:00
 
 
 
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O avanço do número de casos de dengue e de chikungunya tem exigido cada vez mais recursos dos municípios em Minas Gerais. Com a crescente de 44% nos casos de dengue e de 222% de chikungunya no período entre janeiro a abril deste ano, e diante do cenário que caracteriza endemia,  as cidades do interior estão com o orçamento comprometido, uma vez que precisaram destinar mais dinheiro para desenvolver ações de combate a proliferação do mosquito transmissor das doenças, o Aedes Aegypti. Uma realidade que, segundo prefeituras, é consequência da diminuição dos recursos repassados. Procurado, o Governo de Minas não informou sobre os últimos investimentos em ações de vigilância em saúde, estes que deveriam estar disponíveis no portal da transparência. 

"O que é disponibilizado para a gente não é o suficiente. Nos últimos anos, o município tem aplicado mais recursos para bancar essas ações. Hoje 40% é dinheiro nosso, o restante é o que chega do Estado ou da União", afirma Dulce Pimenta, secretária municipal de saúde de Montes Claros. O município na região Norte do Estado é o que tem o maior número de casos de dengue, com 17.969, de chikungunya, com 9.053, e de zika, com 39. A cidade é também a que possui o maior número de mortes por chikungunya, com quatro confirmadas até o último dia 20 de abril. João Pinheiro, no Noroeste de Minas, foi o local com mais mortes por dengue, com seis.
 
"A situação hoje, na cidade, é diferente dos meses anteriores. Os números, felizmente, estão caindo", aponta a secretária de saúde de Montes Claros. Para Dulce Pimenta, a redução é resultado das ações de enfrentamento ao mosquito transmissor. Com o objetivo de conter o avanço das doenças, a cidade adotou medidas para eliminar os focos do Aedes Aegypti e também o agente transmissor, já em fase adulta. "O combate mais efetivo é na eliminação das larvas, só que 96% dos focos estão em domicílios. Mas também realizamos algumas ações que não tem efetividade a médio e longo prazo, que é esse controle com o uso de inseticidas, como fumacê", explica.

Por causa do cenário de surto, com a alta de casos, a cidade contratou cerca de 400 agentes de endemia. Eles foram capacitados junto aos demais profissionais já em atividade para que pudessem visitar casas com possíveis focos para o mosquito. A contratação, segundo a secretária municipal de saúde, foi realizada com recursos da cidade. "Ao todo foram 1300 profissionais, entre agentes e novatos. Todos mobilizados para essas ações. Foram gastos diferentes a contratação de médicos, enfermeiros. Estes são recursos para programas de vigilância em saúde", explica Dulce Pimenta. Conforme a titular da pasta em Montes Claros,  o caixa do município também foi utilizado para a compra de insumos, inseticidas e realização de campanhas educacionais para conscientização na cidade. 

Cenário de guerra na capital

A prefeitura de Belo Horizonte não confirma qual a redução de repasses por parte do governo de Minas nas ações contra a dengue, a chikungunya e a zika na cidade. No entanto, garante que mesmo diante da possível diminuição dos investimentos, os trabalhos não foram impactados. "O que posso afirmar é que tudo o que foi planejado está sendo executado. Todas essas ações foram direcionadas pelo Ministério do Saúde", aponta o diretor de Zoonoses da capital, Eduardo Viana. Questionada pela reportagem, a prefeitura não informou a origem do recurso para o custeio desses trabalhos.

A capital confirmou 1755 casos de dengue e 793 de chikungunya neste ano, conforme balanço do boletim epidemiológico divulgado no dia 20 de abril. Para conter  o avanço das doenças, a prefeitura aposta em um projeto desenvolvido junto à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas) e ao projeto World Mosquito Program. São fabricados mosquitos com uma bactéria que possui capacidade reduzida de transmitir o vírus para as pessoas, diminuindo surtos de dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

Também são realizadas vistorias em residências, além de sobrevoos de drones que ajudam a identificar possíveis focos em locais de difícil acesso. Somado a isso, é feito também a aplicação de inseticida a Ultra Baixo Volume (UBV) para o combate de mosquitos adultos, além da instalação de armadilhas no intervalo de quinze dias. Essas armadilhas possuem o objetivo de verificar os pontos da cidade com o maior número de ovos do mosquito, já em fase adulta. A partir desse levantamento, são  identificadas as regionais com maior incidência e, a partir disso, definidas ações de enfrentamento, como mutirões de limpeza e visitas aos imóveis.

"As regionais do vetor Norte são as que estão em situação mais crítica", alerta o diretor de Zoonoses de Belo Horizonte, Eduardo Viana. Conforme o profissional, é nesta localidade em que foram registrados o maior número de casos. "A gente tem feito um trabalho constante, mas é necessário o apoio da população, já que a maior parte dos focos do mosquito estão dentro das residências", detalha Viana.

O último Levantamento Rápido do Índice de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa), divulgado no final do ano passado, indicou que 83,3% dos focos do mosquito foram encontrados em ambiente domiciliar. A maior parte deles em pratinhos de planta (26,5%), inservíveis (19,2%), recipientes domésticos (10,2%), barris e tambores (7,5%) e pneus (6,3%). "É importante que os moradores se conscientizem com isso, por isso iniciamos também um trabalho junto às crianças nas escolas, para que levem essa orientação aos pais", completa o diretor de Zoonoses.

A orientação da prefeitura é de que a população colabore com as ações também por meio de denúncia sobre locais com possíveis focos para o mosquito transmissor. As informações podem ser enviadas de forma anônima pelo telefone 156, pelo BHApp e também pelo portal da prefeitura. 

Impactos na rede de saúde

"Virou uma loucura, os postos de saúde estão lotados em Belo Horizonte". A constatação é do médico Carlos Sampaio, profissional que atua no Centro de Saúde Noraldino de Lima, no bairro Nova Suíça, na região Oeste da capital.  Ele aponta que o avanço da dengue e da chikungunya, somado aos casos de doenças respiratórias, provocados pela proximidade do inverno, aumentou a demanda e comprometeu o atendimento aos pacientes. "A impressão é de que a rede de saúde do município não está preparada, sem estrutura adequada", alerta o médico.

Sampaio justifica que além da falta de medicamentos e de outros insumos, o número de médicos está abaixo da quantidade considerada necessária para o momento. O profissional de saúde aponta que não faltam somente pediatras, como reconhecido pela Secretaria Municipal de Saúde. Ele acredita ser necessária a contratação de outros especialistas, de forma que consiga atender o número elevado de pacientes.

"Deveriam pensar em contratações temporárias. Se não irão oferecer um salário compatível ao do mercado, pelo menos um adicional da endemia, principalmente neste momento mais delicicado", sugere Sampaio. O médico considera ser importante também a abertura de um centro de hidratação, semelhante ao adotado em Contagem. No município da região metropolitana, o espaço foi instalado com atendimento 24 horas para pacientes com quadro suspeito de chikungunya, dengue ou zika. A unidade conta com 30 leitos de hidratação venosa, uma sala de classificação de risco, três consultórios, uma sala de medicação com seis poltronas, laboratório e sala de espera. "A hidratação é muito importante no tratamento", justifica.

Para quem depende da rede de saúde municipal, esse aumento também pôde ser percebido."Cheguei aqui acreditando que seria um local com o atendimento mais rápido, mas passei pela triagem e consideraram que meu caso é básico. Agora estou quase morrendo e esperando ser atendido", conta o cozinheiro Ronei Augusto, de 25 anos, que procurou a Upa Oeste no começo da tarde de sexta-feira (28). A dificuldade enfrentada por ele foi a mesma da vendedora Beatriz Eduarda Soares, de 23 anos, que buscou ser atendida na unidade.

"Vim ontem e disseram que somente pacientes em extrema urgência seriam atendidos. Então me encaminharam para o posto de saúde, e lá pediram para que eu voltasse para a Upa. Agora tenho que aguardar, esperar para ser atendida já que não tenho outra alternativa", lamenta a vendedora. 

Sem respostas e omissão de dados

A reportagem de O TEMPO questionou a Secretaria Estadual de Saúde sobre os recursos destinados para as ações de enfrentamento ao Aedes Aegypti em Minas Gerais. A pasta não informou os valores aplicados, estes que deveriam estar disponíveis no portal da transparência. 

 

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