No coração de Belo Horizonte, uma advogada desafia o posto do cubano Fidel Castro como governante que mais tempo ficou no poder. Na rua Timbiras, 2.500, Maria Lima das Graças comanda o Conjunto JK há 32 anos – 17 a menos que o tempo que Castro governou –, e acaba de receber mais um mandato de síndica do condomínio. Rígida e controladora, a Dama de Ferro do JK, como é conhecida, costura uma rede de alianças para conseguir se eleger consecutivamente e com folga de votos. Ela enfrenta os adversários de forma dura. A cada denúncia de que é alvo, a resposta é um processo judicial contra quem a acusa.
Para os adversários, seu longo mandato está baseado no medo espalhado para esconder até mesmo desvio de verbas. Ela nega. “Só sou prepotente com quem me trata com prepotência, quem não gosta de mim é quem não quer cumprir as regras”, afirma. Sob sua responsabilidade está a gestão dos 1.086 apartamentos do conjunto, onde moram mais de 5.000 pessoas, população maior que a de 221 dos 853 municípios mineiros. O orçamento que administra, de dar inveja a muita prefeitura, gira entorno de R$ 400 mil mensais.
Com pouco mais de 1,5 m de altura, cabelos curtos encaracolados, óculos estilosos, Maria das Graças chegou ao condomínio no mesmo instante que a reportagem para a entrevista na última sexta-feira. Ela entrou rápido e deu as orientações ao funcionário que guiaria um tour pelo edifício. O homem cumpre o roteiro exato determinado por ela, finalizando com um caldo de mandioca oferecido de cortesia no restaurante que existe na área de convivência. Os funcionários a tratam com respeito e até uma certa devoção típica de líderes populistas.
Objetiva, ela não revela a idade, não conta o salário que recebe para ser síndica em tempo integral e começa a entrevista medindo as palavras. “Eu não vou falar muito para não revelar minha alma para você”, afirma.
No escritório, um grande arquivo com várias pastas é mais um indicativo de que a advogada gosta de ter tudo sob controle. Em cada uma delas está o histórico de todos os apartamentos. Quem morou, como é o contrato de aluguel, quando mudou e quando morreu. Tudo está registrado, inclusive os “antissociais”, eufemismo usado por Maria das Graças para chamar seus adversários no condomínio.
“O antissocial é quem só pensa no ‘eu’ e não sabe pensar no ‘você’. O antissocial é quem quer traficar aqui dentro, o antissocial é quem quer fazer encontro de prostituição aqui dentro. Isso eu não vou deixar. No peito e na marra não vão fazer”, afirma.
Apesar da fama, Maria das Graças mostra um lado menos durona. Faz poesias que envia aos moradores e diz que lá ninguém passa fome nem morre sozinho. “Tem família que, para se livrar da pessoa, compra um apartamento e joga ela aqui, e quem tem que cuidar é a gente. Nós adotamos, cuidamos e, se passa fome, damos comida, se morre, a gente enterra e põe os funcionários todos para chorar no velório”, diz, séria.
Avaliação. Mas até para quem apoia a gestão de Maria das Graças é o rigor seu ponto forte. “Ela é uma pessoa de temperamento difícil, muito brava, que vai para o conflito, mas, para manter a ordem do JK, só ela”, avalia o aposentado Astrogildo Wolanick, 70.
Rigor que, para os moradores contrários a Maria das Graças, não passa de teatro. “Ela se mantém no poder assim, gritando com os outros, ameaçando e processando. Ela cria um ambiente terrível nas assembleias para que ninguém queira participar. Aí ela ganha eleição, aprova o que quiser, não faz prestação de contas e administra meio milhão de reais por mês, e ninguém sabe para onde foi o dinheiro”, reclama o advogado Ângelo Moura, 42. Mas Maria das Graças não se amedronta com os opositores. “Eles me ameaçam. Mas quem quer matar mata direito”, alfineta.
Niemeyer
Edifício. O condomínio JK foi projetado por Oscar Niemeyer em 1952, quando Juscelino Kubitschek era governador de Minas. Ele demorou mais de dez anos para ficar pronto, sendo inaugurado em 1968.
Minientrevista
Dizem que a senhora administra o condomínio JK com mãos de ferro. Por que tanto rigor?
Eu não sou rigorosa, eu cumpro o que a regra prevê. Se o contrato de aluguel é para dois moradores, não podem morar quatro. Se a convenção do condomínio proíbe entrada de menor desacompanhado, não pode entrar. Falam que eu sou rigorosa, mas eu não escrevo contrato de aluguel nem convenção de condomínio.
Mas tem muita gente que reclama da sua grosseria.
Eles falam comigo: ‘Você é muito prepotente’. Eu sou prepotente com quem é prepotente para cima de mim ou fala comigo como se eu fosse uma escrava, achando que sou a empregada deles. Quem vem com prepotência para cima de mim recebe na mesma moeda.
O JK ficou estigmatizado por causa da prostituição e do tráfico de drogas. Isso mudou?
A gente já reverteu esse quadro. E só foi possível cumprindo as regras. Hoje, quem trafica e faz encontro de prostituição não fica aqui.
Mas como a senhora identifica essas pessoas?
A gente acha. O “antissocial” a gente descobre fácil, fácil. Por exemplo, tem um morador que recebe 40 visitas por dia. Tem coisa errada aí. A gente descobre, e se tiver algo ilícito, denunciamos para a polícia.
Por que está há tanto tempo na administração do JK?
Eu moro aqui há quase 50 anos. O JK é minha vida. Eu faço tudo que eu posso pelo edifício e fico possuída quando falam do JK, quando os próprios moradores daqui não fazem por ele o que ele merece. Quando eu encontrar alguém que esteja disposto a fazer o que eu faço por esse lugar, terei um sucessor.
O JK tem quase 5.000 moradores, e há uma disputa política. Os opositores acusam a senhora de desviar dinheiro. Como a senhora lida com isso?
Quem acusa tem que provar. Então, eu levo para a Justiça. Mas meus opositores são os “antissociais” que não querem se enquadrar nas regras. Tem gente que nem no inferno vai, porque o capeta não quer deixar que ele vá para lá com medo de ele tomar seu lugar. Eles me ameaçam, mas quem quer matar mata direito. Todo mundo tem garantia que sai de casa vivo, mas ninguém tem certeza de que vai voltar para casa.
Nesse tempo de JK, qual sua maior alegria e qual sua maior tristeza?
As tristezas são os embates com os “antissociais”. A alegria é poder revitalizar o JK e ouvir pessoalmente do Oscar Niemeyer que o prédio não é o patinho feio de sua obra. (BM)
Maria Lima das Graças
Síndica do condomínio JK há 32 anos