Quando ouviu a manchete do jornal na TV, na semana passada, dizendo que dois ex-prefeitos tinham sido presos por fraude no transporte escolar de Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte, Renata Aparecida Diniz de Oliveira, 38, parou a faxina e, sem acreditar, sentou-se no sofá para acompanhar a reportagem. Toda a dor e a lembrança do dia da morte de seu filho de 11 anos, há um ano, voltaram à mente. Rafael Gabriel Oliveira Diniz, o filho de Renata, foi a maior vítima de um grande esquema, revelado na última segunda-feira pela Polícia Civil, na cidade.
Para além de todas as consequências que o mau uso do dinheiro público pode gerar para a população, esse caso é uma prova de que a corrupção também mata. O garoto Rafael estava no transporte escolar, voltando da aula, em 11 de julho de 2016, quando caiu do veículo – cuja porta ficava sempre aberta por problemas no sistema de fechamento e irresponsabilidade do motorista –, e o ônibus passou por cima das pernas dele. Rafa, como sua família o chamava, chegou a ser socorrido, mas não resistiu. Renata recorda ter alertado o condutor sobre a porta meses antes por três vezes. Ela conta que ele lhe respondia que o trajeto era curto – de fato, o menino não ficava nem cinco minutos no ônibus entre a casa e a escola, mas bastou um tempo menor ainda para ele perder a vida.
E, naquele dia, a monitora que ajudava a cuidar das crianças faltou, e o motorista estava sozinho. “A falta de juízo deles destruiu minha vida para sempre. Eu estou viva, na verdade, por causa de minha outra filha, mas perder um filho sadio, alegre... só a gente sabe a dor, é Deus que me dá força”, desabafou Renata assim que falamos sobre a corrupção que era a notícia da semana em Esmeraldas.
Sucateamento. Falta de manutenção nos veículos, ausência de monitor, motoristas sem treinamento e superlotação foram irregularidades encontradas pela Polícia Civil na operação batizada de Ptolomeu – em alusão ao imperador do Egito tido como defensor da educação. O transporte escolar oferecido em Esmeraldas era sucateado para os custos serem baixos e os empresários embolsarem a diferença e pagarem propina.
As empresas contratadas terceirizavam o serviço, e os terceirizados “quarteirizavam” os motoristas dos ônibus, nas palavras do delegado Fábio Moraes Werneck Neto. “Os contratos iam sendo aditivados, o terceirizado tinha que arcar com manutenção, e ninguém fiscalizava”, disse.
O esquema funcionava há oito anos e foi investigado durante dois, tendo deixado um rombo de R$ 16 milhões nos cofres públicos. Quando encontramos Renata, parecia que ela tinha um caminhão de remorso para despejar e não continha o choro ao falar da mágoa por ninguém ter pedido a ela ao menos perdão e por saber que tudo não passou de ganância.
No dia do acidente, Rafa estava mais carinhoso. Pediu que Renata não fosse lhe buscar no ponto e, na escola, escreveu um carta para ela, a qual dizia: “Eu te amo tanto. Obrigado por tudo que a senhora me deu. A senhora me deu a vida, me ensinou o amor”.
Professor descobriu a fraude
Investigador da Polícia Civil de Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte, Eduardo Meneses começou a dar aulas de história na rede municipal e foi chamado para atuar na Secretaria Municipal de Educação.
Em pouco tempo, ele começou a perceber que havia algo errado com o contrato de maior valor da prefeitura, o do transporte escolar. Pagavam-se até R$ 10 milhões por ano, mas os ônibus eram antigos. “Não havia fiscalização nenhuma porque eram várias linhas”, conta ele, que juntou provas e fez várias denúncias até que a polícia começou a investigar, em 2015.
“Acredito que isto é um grande problema em vários municípios. A falta de fiscalização permite que o serviço seja precarizado”, diz Meneses.
A terceirização do serviço em Esmeraldas, apesar de irregular, era de conhecimento de muitos.
‘Quarteirizado’. A reportagem conversou com um motorista que é contratado pela empresa terceirizada para dirigir e cuidar do ônibus; recebe um salário de R$ 1.400.
“Não tem condição de dar a manutenção que precisa. Pagam pouco, mas isso (a corrupção) vem lá de cima (Brasília) e vai refletindo, né?”.
Saiba mais
Dimensão. Pelo tamanho de Esmeraldas (900 km²), algumas rotas dos escolares são distantes do centro até 40 km. Para fazerem o percurso, os motoristas usam estradas de chão em situação ruim.
Investigação. O inquérito que investiga a morte de Rafael Diniz está em fase de conclusão, segundo o delegado Fábio Werneck, que só adiantou que o motorista será responsabilizado criminalmente, e a empresa, civilmente.
Histórico. Outros acidentes com veículos escolares de Esmeraldas envolvendo alunos da rede municipal já ocorreram.