Saúde

Crise põe mais de 300 na fila à espera de cura por radioterapia

De 12 máquinas que fazem tratamento contra câncer pelo SUS em BH, apenas cinco funcionam

Por Luciene Câmara
Publicado em 05 de março de 2017 | 03:00
 
 
 
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Trezentas e trinta e quatro pessoas com câncer, sendo ao menos três crianças, estão na fila à espera de radioterapia em Belo Horizonte. “São mais de 300 pessoas com câncer”, repetiu a promotora Josely Pontes, como quem diz “Você está entendendo? Olha a gravidade do problema”. Ela entrou com uma ação na Justiça para cobrar o atendimento, mas ainda não houve decisão. Enquanto isso, não só moradores da capital, mas de cidades do interior, que mandam seus doentes para Belo Horizonte, estão sem o serviço há meses, uma parte desde novembro, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA).

O garoto João Pedro Henriques de Assis, 8, que tenta pela terceira vez se curar de uma leucemia, aguarda atendimento há mais de 60 dias. Toda semana, ele e a mãe, Andréa Henriques Damião, 28, saem de Conselheiro Lafaiete, na região Central, e passam duas horas na estrada até Belo Horizonte, onde, além das consultas e das sessões de quimioterapia, peregrinam em busca de radioterapia.

Antes do Carnaval, Andréa veio sozinha para bater de porta em porta, mas voltou sem solução. “Em Lafaiete, não tem tratamento. Em Muriaé (cidade próxima), também não conseguiram. Aqui (na capital), eles dizem que não tem vaga, que estão tentando encaixar”, lamenta Andréa.

Crise. O problema ocorre devido à redução do número de aparelhos de radioterapia. Das 12 máquinas de Belo Horizonte, somente cinco estão em funcionamento para o Sistema Único de Saúde (SUS). Hospitais que eram referência no tratamento estão há meses ou anos com aparelhos quebrados, como o Alberto Cavalcanti, gerenciado pelo Estado, que, desde 2013, busca uma solução para retomar o atendimento.

A situação se agravou em junho do ano passado, quando a Santa Casa de Misericórdia da capital, outra referência na área, suspendeu o tratamento porque o acelerador linear, nome do equipamento que faz o procedimento, quebrou. Na unidade, eram realizadas, em média, 5.400 sessões por mês.

Pacientes do local foram remanejados para os hospitais São Francisco, Luxemburgo e Baleia, que não dão conta de atender toda a demanda. Até mesmo os casos de urgência ficam na fila e “devem entrar em tratamento o mais rapidamente possível”, respondeu a SMSA.

“O que acontece com a radioterapia é que o tratamento não depende simplesmente da parte médica, depende de equipamentos importados e caros, que precisam de manutenção e reposição de peças compradas em dólar. Mas, desde 2010, o SUS não reajusta a tabela de procedimentos, nem ao menos com a correção inflacionária”, afirmou o diretor da Sociedade Brasileira de Radioterapia, Marcus Castilho.

Além disso, ele disse que, há sete anos, o governo inseriu novas normas de segurança que implicam em custo adicional para os hospitais, como instalação de um sistema computadorizado que controla a radiação. “Nada disso foi precificado”, afirma.

O serviço se tornou inviável financeiramente para os hospitais, mas continua sendo necessário em ao menos 70% dos casos de câncer. “Para o governo pode ser só mais um tipo de procedimento, mas para meu filho a radioterapia é o milagre que ele precisa para viver. E cada dia é um dia a mais de dor e expectativa”, conclui Andréa.

Resposta. Sobre o garoto, a SMSA informou que ele está cadastrado desde 20 de janeiro e tem consulta marcada para a realização da radioterapia no Hospital da Baleia na primeira quinzena de março.

Análise

“Estamos em um momento que, se nada for feito de forma emergencial, aparelhos vão quebrar e não serão mais consertados por falta de recursos. O setor entrará em colapso. Já aconteceu isso com o Alberto Cavalcanti e com a Santa Casa e está acontecendo no Brasil.”
Marcus Castilho
Diretor da Sociedade Brasileira de Radioterapia


Saiba mais

Ampliação. Para ampliar a rede de radioterapia, a Prefeitura de BH está negociando com hospitais que têm débito com o município para que paguem suas dívidas com a realização do tratamento para usuários do SUS. Duas clínicas já aderiram.

Tratamento. A radioterapia é um dos três pilares do tratamento contra o câncer, que inclui também a cirurgia e a quimioterapia. Ela pode ser usada de forma isolada ou combinada com outros métodos.

Como funciona. O procedimento usa a radiação para destruir células cancerígenas, preservando as normais e controlando o tumor. Se for indicado para a cura, a não realização pode levar ao aumento do tumor e à morte. Em alguns casos, o método é indicado de forma paliativa, para aliviar a dor.

Dados. Em 2016, o Ministério da Saúde estimou cerca de 540 mil casos de câncer no Brasil.


Solução

Serviço deve ser retomado neste mês

Depois de meses sem uma previsão para a retomada dos serviços, a Prefeitura de Belo Horizonte e a Santa Casa de Misericórdia informaram que a radioterapia no hospital voltará a funcionar neste mês. A retomada, se cumprida, deve dar fôlego para o setor e reduzir a esperada dos pacientes. Porém, o problema estrutural vai além da capital.

As secretarias Municipal e Estadual de Saúde firmaram um convênio para fazer o redesenho emergencial do fluxo. Cerca de 150 moradores da região metropolitana que aguardavam tratamento na capital foram realocados em Betim, onde, recentemente, um serviço foi inaugurado. Além disso, as cidades de Muriaé e Juiz de Fora, na Zona da Mata, Divinópolis, na região Central, e Ipatinga, no Vale do Aço, passarão a atender pacientes de suas macrorregiões.

A Sociedade Brasileira de Radioterapia informou que se reuniu com o Ministério da Saúde em janeiro para falar da crise e pedir o reajuste da tabela SUS. “Eles disseram que estão estudando qual seria o valor justo a ser reajustado”, disse o diretor da entidade, Marcus Castilho.

Outro lado

Investimento. Por meio de nota, o Ministério da Saúde informou que, em 2016, foram feitos 10,3 milhões de procedimentos de radioterapia no país por meio do SUS, ao custo de R$ 398,8 milhões. Foram investidos, desde 2010, R$ 129,8 milhões na troca e na reposição de 42 aparelhos.

Serviços. Sobre o custeio e o reajuste de serviços, o Ministério da Saúde informou que está aperfeiçoando o modelo de financiamento do SUS.

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