Miraí

Dano de 2007 não foi pago

Governo não fiscalizou se mineradora recuperou estragos e investiu em segurança para justificar desconto

Por angélica Diniz
Publicado em 24 de novembro de 2015 | 03:00
 
 
 
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A redução drástica de uma multa aplicada pelo governo de Minas em 2007 expõe tanto a polêmica relação entre mineradoras e poder público quanto a fragilidade das leis ambientais no Estado. Quando a barragem da antiga mineradora Rio Pomba Cataguases se rompeu há oito anos em Miraí, na Zona da Mata, lançando 2 bilhões de litros de rejeitos no ribeirão Fubá, foi aplicada pelo Estado uma multa de R$ 75 milhões à empresa. No entanto, o valor foi reduzido a R$ 23 milhões e parcelados em 60 vezes. Os pagamentos só começaram em 2012 e não houve fiscalização das contrapartidas que possibilitaram o desconto à empresa.

Inicialmente, a mineradora obteve 50% de desconto da penalidade baseado no Decreto 44.848, de 2008, que permite esse abate desde que a empresa aplique os recursos na recuperação aos danos causados. O valor foi reduzido para R$ 37,5 milhões. Posteriormente, o então secretário de Estado de Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, assinou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) impondo à Rio Pomba Cataguases condições obrigatórias a serem seguidas. Segundo a norma, após o cumprimento de recuperação pactuada, parte dos R$ 37,5 milhões poderia ser convertida em medidas de segurança e reabilitação, desde que outra parte fosse quitada.

Um relatório da atual gestão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) traz parecer jurídico elaborado pela Diretoria de Normas e Procedimentos Integrados (Dinor), do próprio órgão, de 30 de novembro de 2007. O parecer fixou a multa em R$ 23 milhões, acrescidos de agravantes e correções monetárias. “Objetivamente, a administração estadual à época acabou reduzindo o montante a ser pago pela empresa. Essa decisão, tomada em 2007, teve como signatário o então secretário José Carlos Carvalho”, diz o relatório da Semad produzido neste ano. No texto, segundo um técnico do Sistema Estadual de Meio Ambiental (Sisema), há ainda a confirmação de que não houve comprovação formal sobre a empresa ter cumprido as obrigações pactuadas de recuperação para obter os descontos no valor da multa.

Mesmo com os descontos permitidos pela legislação ambiental, a mineradora recorreu por várias vezes ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Copam), órgão normativo independente, com participação do Estado, sociedade civil, empresas e entidades de meio ambiente, para a redução das penalidades aplicadas pelo Estado. A decisão se arrastou por anos dentro do órgão. Apenas em 9 de maio de 2012, após votação de 19 membros da Câmara Normativa Recursal do Copam, foi confirmada a multa de R$ 23 milhões, parcelada em 60 vezes. Foram quitadas até o momento 35 parcelas. A próxima parcela, correspondente a este mês, está em aberto, com vencimento previsto para o dia 30.

Lei ambiental

Avanço
. A multa de R$ 75 milhões, a maior aplicada em Minas até 2007, é fundamentada na Lei Estadual 15.972, de 2006, que fixa penalidades mais rigorosas que a legislação anterior, a Lei 7.772, de 1980.

Decreto 44.848

Meio ambiente.
 A multa poderá ter seu valor reduzido em até 50% na hipótese de cumprimento das obrigações relativas a medidas específicas para reparar o dano ambiental, corrigir ou cessar a poluição ou degradação assumidas pelo infrator no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), desde que promovidas dentro dos prazos e condições nele previstos.

Parcelamento. Os débitos resultantes de multas aplicadas em decorrência de infração às normas de proteção ao meio ambiente e aos recursos hídricos poderão ser parcelados em até 60 parcelas mensais, a critério da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) ou de suas entidades vinculadas.

Histórico de rompimentos das barragens em Minas

2003.
 Houve o rompimento da barragem de resíduos de celulose e papel, em Cataguases, na Zona da Mata. Rejeitos industriais espalharam 900 mil metros cúbicos (m³) de um licor negro – material orgânico constituído basicamente de lignina e sódio – na Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul, na mesma região. Na época, foi determinada a desativação das barragens – além da que se rompeu, também de outra que permanecia intacta. Os rejeitos foram descartados.

2007. O desastre aconteceu em Miraí, quando foram lançados 2 bilhões de litros de rejeitos no ribeirão Fubá. A inundação chegou a atingir aproximadamente 400 casas e comércios e deixou cerca de 2.000 pessoas desalojadas e desabrigadas no município, causando prejuízos morais e materiais. Não houve registro de mortes. As atividades da empresa Rio Pomba Mineração foram interditadas, a exploração mineral embargada e, em seguida, aplicada uma multa.

2015. Minas registra a maior catástrofe ambiental do país, após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, que destruiu o subdistrito de Bento Rodrigues e deixou mais de 900 pessoas desabrigadas. A onda de lama que se formou chegou ao Rio Doce, provocando a mortandade de peixes e impedindo o abastecimento de água em cidades de Minas e do Espírito Santo. Até o momento 11 mortes foram confirmadas. Outras 12 pessoas estão desaparecidas.

Ex-secretário nega privilégio a empresa

Procurado pela reportagem de O TEMPO, o ex-secretário de Estado de Meio Ambiente José Carlos Carvalho, aposentado desde 2010, negou que tenha havido acordo com a mineradora Rio Pomba Cataguases, atual Bauminas, para reduzir o valor da multa durante sua gestão. Segundo ele, o desconto seguiu as legislações estadual e federal, e foi concedido à empresa desde que a mineradora cuidasse da recuperação dos municípios afetados. “A empresa investiu na reconstrução de casas, recuperação da fauna, abastecimento de água”, explicou.

“O que sei é que a mineradora entrou com uma ação pedindo a redução da multa. O caso foi levado ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e, a partir daí, não acompanhei mais o que ficou acertado”, assegurou.

Carvalho destacou que Minas, até 2006, possuia uma legislação ambiental extremamente frágil. “A multa máxima era de R$ 4.800”, frisou. Ele reforçou que a Rio Pomba indenizou famílias, reparou danos materiais e apoiou a Prefeitura de Miraí.

A Bauminas foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou sobre o pagamento da multa e sobre os investimentos para recuperar os estragos. 

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