Após uma briga de trânsito envolvendo um delegado da Polícia Civil de Minas Gerais, que matou o motorista de caminhão reboque Anderson Cândido de Melo, de 48 anos, nesta terça-feora (26), a reportagem de O TEMPO entrevistou especialistas de segurança pública para que eles analisassem o ocorrido no Complexo da Lagoinha, em Belo Horizonte. Os estudiosos concordam que a atitude do delegado - de atirar contra a vítima - não é aceitável, principalmente pelo cargo que ocupa.
O coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais, Cláudio Beato, destaca que a ação do policial é uma clara demonstração de que ele não tem “domínio das técnicas” que um profissional da segurança precisa.
“Aparentemente, o delegado não era tão preparado assim, como se diz. Claramente não tem domínio das técnicas necessárias para agir numa situação dessas”, afirma. Um outro fator que ajuda a entender o ocorrido na tarde desta terça-feira (26), segundo Beato, é o ambiente de estímulo à aquisição de armas pela sociedade.
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“É um pouco do nosso tempo, dessa coisa de ter uma arma fácil. Mesmo em um profissional preparado está sujeito a acontecer isso. Imagina se isso se multiplicar e todos tiverem arma de fogo e resolver a situação dessa forma”, sugere propondo a reflexão.
Casos como o registrado na capital mineira devem fazer com que se pense sobre a preparação dos policiais, conforme destaca Beato. “Os delegados têm preparo mais jurídico pela natureza da função que desenvolvem. É preciso ver como se dá a preparação destes profissionais em vários sentidos: manuseio de arma, técnicas de abordagem e controle emocional”.
Brigas de trânsito, entre vizinhos e as discussões em geral terminam em tragédia no Brasil muitas das vezes. O professor e também especialista em segurança pública Luiz Flávio Sapori alerta que a “imposição da força” para resolver conflitos é reflexo da descredibilidade das instituições de segurança.
“A solução violenta de conflitos banais é mais comum do que imaginamos e é a manifestação de uma sociedade que legitima o uso de violência física para solucionar conflitos. É o que chamamos de anomia moral”, afirma.
Levantamento de O TEMPO mostra que as brigas de trânsito no Brasil registraram, ao menos, 16 ocorrências com morte somente em 2022 em 13 estados da federação. O caso de BH é ainda mais grave, conforme pontua Sapori, por ter sido praticado por um delegado da Polícia Civil.
“Por ele ser um delegado, o crime é ainda mais grave. Ele é um profissional da força de segurança. Não pode usar armas para resolver problemas do cotidiano. Isso precisa ser levado em consideração na denúncia e julgamento”.
Para mudar a realidade, Sapori pontua a necessidade de “diminuir a impunidade”. “Só há uma maneira de diminuir o que temos visto: com a força da lei. Não podemos nos transformar na sociedade da guerra de todos contra todos”, finaliza.