Consequências

Estudo mostra elevada presença de metais no organismo de moradores de Brumadinho

Pesquisa da Fiocruz encontra manganês, chumbo e arsênio acima do limite em urina e sangue de moradores após o rompimento da barragem da Vale

Por Malú Damázio
Publicado em 07 de julho de 2022 | 13:01
 
 
 
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Mais da metade dos adolescentes de Brumadinho, município da região metropolitana de Belo Horizonte, está com níveis de manganês acima do limite no sangue após o rompimento da barragem da Vale. A concentração de outros metais no organismo, como arsênio e chumbo, também é elevada em adultos, crianças e adolescentes que vivem na cidade.

É o que mostra um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A pesquisa, realizada com 3.297 participantes de todas as regiões de Brumadinho, avalia as condições de saúde dos moradores do município depois do rompimento da barragem de rejeitos de Córrego do Feijão, em janeiro de 2019.

"Quando a gente dosa o metal no sangue ou na urina, não estamos falando de intoxicação, contaminação; essa dosagem indica que a pessoa está exposta ao metal, que existe metal no ambiente em que vive", explicou Sérgio Viana Peixoto, da Fiocruz e da UFMG, coordenador-geral do trabalho, lembrando que, se pessoas estivessem intoxicadas, já haveria registros no sistema de saúde local.

"Nossa ideia agora é monitorar a saúde da população e contar com outros esforços, do Estado e do município, para entendermos de onde estão vindo esses metais, se da água, do solo, da poeira", diz ele.

Segundo Peixoto, chumbo e manganês, por exemplo, são absorvidos pelo sistema respiratório. Já o arsênio em geral vem pela água contaminada.

A intoxicação por metais (mas não necessariamente a exposição) pode causar problemas sérios de saúde, como problemas hepáticos, renais, neurotoxicidade e até câncer. Mas não se sabe o que a exposição contínua aos metais a longo prazo pode causar. Essa é uma das importantes respostas que os especialistas buscam.

"O exame que fizemos (de sangue e urina) mostra a exposição aos metais, não a intoxicação", ressalta o pesquisador. "Tudo o que está relatado na literatura diz respeito à intoxicação. Nesses casos, há impacto nas funções hepáticas, renais e neurológicas, no caso do manganês e do chumbo, além de alterações menos específicas, como vômitos, diarreias. Mas precisamos ainda entender o que essa exposição crônica pode causar ao organismo "

Saúde mental e doenças crônicas

Entre os adultos de Brumadinho, 22,5% tiveram diagnóstico para depressão. O número é duas vezes maior do que a média brasileira, calculada em 10,2% entre os maiores de 18 anos, na Pesquisa Nacional de Saúde feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019.

Já ansiedade ou problemas do sono chegam a afetar mais de um terço dos entrevistados adultos do município mineiro. 

Bronquite asmática e asma são frequentes entre as doenças crônicas relatadas pelos adolescentes ouvidos na pesquisa. O percentual aumenta quando é dividido por regiões. Em localidades diretamente expostas aos rejeitos da barragem, como Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira, os problemas são realidade para 17,1% e 23,8% dos entrevistados. 

Além disso, 49% dos responsáveis por crianças em Brumadinho observaram alterações na saúde dos pequenos após o rompimento. As principais delas estão ligadas a mudanças na pele, alergias respiratórias e outros problemas relacionados - especialmente nos locais mais próximos fisicamente da barragem. 

Pesquisa

O estudo da Fiocruz e da UFRJ leva o nome de “Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho”. Dos 3.297 participantes, 217 são crianças, 275 adolescentes (entre 12 e 17 anos) e 2.805 adultos. 

A análise é longitudinal; ou seja, continua ao longo dos próximos anos. A primeira etapa, concluída e divulgada agora, começou em julho de 2021. Há outras fases previstas pelo menos para 2022, 2023 e 2024. 

Parte dos resultados é obtida por meio de exames de sangue e urina de todos os participantes. Os procedimentos são para identificar a dosagem de metais no organismo dos envolvidos. Os pesquisadores também entrevistaram os moradores para mapear os demais aspectos relacionados à saúde. 

Posicionamento

Em nota, a Vale informou que não teve acesso ao estudo e destacou as ações realizadas pela empresa em Brumadinho. 

Leia o conteúdo na íntegra

A Vale não teve acesso ao estudo que está sendo realizado pela Fiocruz Minas e irá analisar os resultados tão logo o tenha. A empresa reforça que não há registros nas comunidades locais de casos de intoxicação por metais pesados em decorrência do rompimento da barragem B1, em 2019.
 
A empresa também monitora níveis de material particulado em suspensão (frações inaláveis menores que 10µm e frações respiráveis menores que 2,5µm) nas comunidades impactadas de Brumadinho e, até o momento, os resultados desses monitoramentos estão a níveis de segurança adequados à saúde da população.
 
Além disso, a Vale financia os Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e de Avaliação de Risco Ecológico, que estão sendo conduzidos pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA) em articulação com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) e Secretaria de Planejamento (SEPLAG). Esses estudos investigam as áreas impactadas pelo rejeito para identificar uma possível contaminação e os riscos à saúde humana e ao meio ambiente, visando o estabelecimento de medidas de intervenção e reparação e ações de proteção da população, fauna e flora, se necessário.
 
Este trabalho, que tem metodologia validada pelos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente e é acompanhado pelos compromitentes do Acordo Judicial de Reparação Integral (Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e pelo Governo do Estado de Minas Gerais), está sendo elaborado em cinco fases. No presente momento, está em andamento a Fase I, que diz respeito ao levantamento de dados das áreas para a definição dos modelos conceituais e do Plano de Caracterização e Investigação Ambiental para as metodologias do setor saúde e do setor ambiental. Mais informações podem ser obtidas no site: http://www.meioambiente.mg.gov.br

Com Agência Estado

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