Ainda sem comprovação

Estudo sobre vacina tríplice viral contra Covid-19 gera corrida a clínicas de BH

Especialistas concordam que o imunizante não deve ser utilizado contra o coronavírus neste momento, porque não há provas de que funcione

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 01 de abril de 2021 | 14:59
 
 
 
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Os primeiros resultados de um estudo realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), divulgado desde janeiro pelo governo catarinense, geraram uma corrida pela vacina tríplice viral em Belo Horizonte e em outras cidades brasileiras. A pesquisa avalia os efeitos do imunizante contra a Covid-19, e as conclusões preliminares, segundo os autores, demonstram que o imunizante, utilizado originalmente para caxumba, sarampo e rubéola, estimularam resposta imunológica contra o coronavírus. 

Embora o estudo seja considerado promissor pelos pesquisadores que o conduzem, ele não prova que a vacina seja eficaz contra Covid-19 e a Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim) recomenda que o imunizante não seja aplicado para prevenir a doença. A equipe da UFSC também diz que ele não deve ser utilizada como “tratamento precoce”. Mas, como ocorreu com a cloroquina, a ivermectina e uma série de outros produtos, a mera menção à sua possível eficácia levou a um alvoroço tão grande que clínicas particulares enfrentam risco de desabastecimento do imunizante para quem realmente precisa dele. 

É o caso do Hermes Pardini, de acordo com Marilene Lucinda, médica responsável pelo serviço de vacinas do laboratório. Nas unidades de BH, as vendas do imunizante aumentaram em 174% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2020. “Há dificuldade de repor estoque. Distribuidores não têm mais vacinas para fornecimento e não passaram data de reposição”, afirma a médica. Ela diz não ter ideia de por quanto tempo o estoque de imunizantes, todos importados, durará, já que isso depende do ritmo da demanda. Por ora, a vacina é vendida sem restrições pelo laboratório. 

A clínica Maximune, que possui duas unidades na capital, também relata aumento na busca pelo imunizante. “Estamos recebendo uma demanda muito alta de pessoas querendo se vacinar contra sarampo, caxumba e rubéola com interesse em uma proteção cruzada contra o coronavírus. Imagina o problema que nós vamos enfrentar. Essa vacina não está disponível para compra em nenhum distribuidor, e temos bebês que precisam dela aos 12 e 15 meses para se proteger do sarampo. Se tivesse recomendação da vacina contra coronavírus, você acha que o mundo inteiro não estaria vacinando com tríplice viral?”, descreve a farmacêutica e fundadora da Maximune, Manuella Duarte, nas redes sociais do laboratório. 

Ela explica que, agora, vende a vacina apenas para imunização de bebês. “A demanda por ela não costumava ser alta, porque é disponibilizada nos postos de saúde. Mas começamos a receber pedidos para vacinar dez, 20 pessoas de famílias", detalhou à reportagem.  

A Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC) confirma o cenário, embora não saiba precisar a escala do aumento da demanda. “Tivemos uma procura muito maior do que a média e isso fez com que os estoques das vacinas em distribuidores e em várias clínicas se esgotassem rapidamente. Há risco de desabastecimento no mercado privado, pois, assim como outras vacinas, a tríplice viral é importada e é um desafio logístico grande suprir uma procura não provisionada”, diz o diretor da associação, Marcos Tendler. Já ao Ministério da Saúde, as vacinas são fornecidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto Serum, na Índia, e a pasta diz não haver desabastecimento para nenhum Estado. 

Na rede pública municipal, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informa não ter registrado aumento expressivo da busca pela vacina nos últimos meses. Em relação ao primeiro trimestre de 2020, quando houve campanha de vacinação contra sarampo, a quantidade de vacinas aplicadas diminuiu, na verdade. Nos três primeiros meses de 2020, foram quase 43 mil doses aplicadas. Já em 2021, foram 18,2 mil no mesmo período. A PBH reforça que não há qualquer recomendação do Ministério da Saúde para que a vacina deva ser utilizada contra Covid-19. 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não autoriza o uso do imunizante contra a doença e diz não ter recebido nenhum pedido de aval para analisar a alternativa. 

O estudo

O estudo da UFSC ainda está em finalização e não tem data para ser publicado na íntegra. Os resultados preliminares que foram compartilhados publicamente pela universidade e pelo governo estadual de Santa Catarina demonstram que a aplicação da tríplice viral diminuiu em 54% o surgimento de sintomas da infecção pelo coronavírus e em 74% de hospitalizações por Covid-19. Os voluntários foram 430 profissionais de saúde da Grande Florianópolis.

Contatados pela reportagem, os pesquisadores responsáveis pelo levantamento afirmaram que só voltarão a se manifestar sobre o estudo após a publicação da versão final do artigo. O estudo recebeu aporte de R$ 100 mil do Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (Fapesc).

Ele parte do pressuposto de que o corpo produz uma reação imune natural quando recebe qualquer vacina de vírus atenuado ou inativo. Conforme o coordenador do levantamento, o professor da UFSC Edison Fedrizzi, disse à Agência Brasil em janeiro, a resposta imune gerada pela vacina atuaria sobre o coronavírus por até oito meses, considerando-se duas doses. 

Já o virologista Flávio Fonseca, pesqusiador do CT-Vacinas, instituição ligada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que o sistema imunológico realmente “acorda” para outras doenças ao receber uma vacina, porém destaca que o efeito costuma ser passageiro. 

“A camada inata do nosso sistema imunológico fica desperta (com a vacina) e pode conter outras infecções, inclusive pelo coronavírus, mas esse efeito protetivo é curto, dura dias, e depois a resposta dos anticorpos é apenas para a doença para a qual a vacina foi desenvolvida”, diz. Ele também avalia que o governo catarinense foi precipitado em divulgar informações antes das conclusões da pesquisa. “Qualquer informação que envolva Covid-19 e seja uma boa notícia é politicamente explorada de forma muito intensa”, completa.

Em março, a Secretaria de Estado de Saúde de Santa Catarina (SES/SC) e a UFSC emitiram um comunicado pedindo que as pessoas que não procurem a vacina em postos de saúde ou em clínicas privadas para tentar se prevenir contra a Covid-19. 

Quem deve tomar a tríplice viral

A vacina não deve ser utilizada como forma de se proteger da Covid-19, já que a eficácia não foi provada e pessoas continuam necessitando dela para outros problemas. Devem se vacinar, caso ainda não tenham feito isso:

  • pessoas de 1 a 29 anos, com duas doses;
  • pessoas de 30 a 49 anos, com uma dose;
  • pessoas acima de 50 anos, caso se desloquem para áreas de transmissão ativa do sarampo, haja contato com doentes ou se forem profissionais de saúde;
  • em dezembro de 2020, Minas Gerais suspendeu a primeira dose da vacina para bebês que têm entre seis meses e um ano, por não haver registro de sarampo no Estado há mais de 90 dias.

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