Junho

'Eu fui': como estão os participantes dos protestos de 2013 em BH 10 anos depois

Entre os manifestantes, alguns ganharam notoriedade no mundo político e, atualmente, ocupam cargos de representantes do povo nas esferas do poder

Por Juliana Siqueira e Vitor Fórneas
Publicado em 10 de junho de 2023 | 03:00
 
 
 
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O desejo por mudanças no país fez com que milhares de pessoas ocupassem as ruas de Belo Horizonte e de diversas cidades do Brasil em junho de 2013. Uma década depois, aqueles que estiveram presentes nas manifestações fazem um balanço sobre o movimento e avaliam as suas participações. Entre os manifestantes, alguns ganharam notoriedade no mundo político e, atualmente, ocupam cargos de representantes do povo nas esferas do poder.

À época com 22 anos, o advogado Alan Melo se sentiu motivado a ir em praticamente todas as manifestações ao ver os amigos engajados. “Tinha muito jovem da minha idade indo para as ruas, e eu estava indignado com a situação do país, principalmente nas áreas política e econômica. Quando eu via pessoas da mesma faixa etária ocupando o espaço, me sentia motivado para ir à luta”, diz.

O advogado que hoje tem 32 anos relembra a vez que saiu a pé da região Centro-Sul de Belo Horizonte até a região da Pampulha. Porém, para ele, a mudança esperada não veio, conforme pontua. “Não houve melhora alguma, pelo contrário. Os fatos só revelaram o verdadeiro Brasil: de hipocrisia e mentira”.

Melo não se sente arrependido de ter participado dos atos, já em Felipe Ribeiro, de 28 anos, que também é advogado, o sentimento é oposto. “Eu me arrependo pelo fato de tudo que aconteceu depois. Hoje, classifico aquelas manifestações como ato inconsequente. Começou com uma demanda localizada, a revolta contra o aumento nas tarifas dos ônibus, e ganhou eco com pautas que não tinham relação alguma. Espero que os próximos dez anos sejam melhores do que os dez últimos”, afirma.

O “embalo” dos amigos aliado com o desejo de reivindicar por uma tarifa de ônibus com preço mais em conta fez o contador Guilherme Miranda, de 30 anos, ir para as ruas da capital mineira em 2013. “O meu motivo de estar nas ruas era por causa daquele aumento da passagem. Confesso que fui no embalo. Se fosse hoje não iria, pois tenho uma visão política mais madura. Sendo assim, me arrependo de ter participado já que, na minha opinião, só tivemos pioras no Brasil”, diz.

Para o contador, mesmo uma década depois, o país ainda colhe os frutos daqueles atos. “Acredito que aquelas manifestações deram muito espaço para pessoas com pensamentos antidemocráticos. Completa anomalia”.     Por outro lado, a mobilização popular é defendida pelo mestrando em fisiologia Mateus Prates, de 26 anos. “Precisamos de movimentos como aqueles, independentemente de qual partido esteja no poder. A população tem que se manifestar e externar suas indignações”, diz. “Sabemos que vivemos num sistema, entre aspas, representativo, mas muitos dos que estão no poder defendem o próprio lado e não da parcela da população”, complementa o estudioso que na época tinha 16 anos. 

Prates destaca que as manifestações foram importantes para se sentir atraído pelo noticiário político, mesmo ele não tendo visto melhorias nas áreas de educação, saúde e, principalmente, transporte público - bandeiras defendidas por ele na época da manifestação. 

“O transporte coletivo continua precário com passagens ainda mais caras. Avalio que passei a buscar por conhecimento político e avalio junho de 2013 como um momento de união nacional, apesar de tudo que aconteceu depois. Lamento que após aquelas manifestações passamos a ter uma divergência política que é vista até os dias de hoje na sociedade”. 

Contador e professor universitário, Pedro Severini tinha 20 anos quando participou dos protestos de 2013. Ele conta que foi para as ruas influenciado pelas pessoas da faculdade, inclusive professores, e pelos membros da igreja que frequentava. Apesar de saber os motivos pelos quais as pessoas estavam lutando, Severini diz que ele não sabia direito o que estava fazendo ali, pois não tinha iniciação política.

“Acredito que essas duas influências me fizeram ir para a rua pelo menos para assistir o que estava acontecendo. Eu não sabia direito o que estava fazendo. Estava protestando junto com quem estava. Fui mais por curiosidade de ver, sem entender o cenário político”, afirma ele. “Na época, cheguei a ver um possível processo revolucionário no país, mas ele se perdeu”, pontua.

Dez anos após as lutas, Severini continua engajado, mesmo que naquela época ele não tivesse todo o conhecimento que achava necessário. Atualmente, ele faz parte do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, e muitos dos conhecidos dele também estão lutando por um Brasil melhor.

“Para boa parte das pessoas que conheço e que participaram dos protestos, aquelas manifestações foram a porta de entrada para o desenvolvimento político delas. Muito do que eu vi lá atrás despertou também o meu interesse para conhecer mais, ler mais”, diz ele.

Início da vida política

Uma escola. Para a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL), essa é uma das palavras que definem a experiência pessoal dela com os protestos de 2013. Então com 24 anos e integrante do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa, Bella foi para as ruas lutar pelos direitos sociais, incluindo os relacionados à mobilidade urbana e moradia. 

Ela acampou na Câmara Municipal, ocupou a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), e sequer imaginava que, um dia, representaria a população como vereadora e, posteriormente, como deputada. Mas aquele momento, de alguma forma, foi marcante, e contribuiu para uma trajetória diferenciada.

“Não pensava de jeito nenhum em entrar para a política. Eu era uma militante mais da ação direta e carregava crítica à representação institucional. Foi em 2016 que mudei de ideia, que vi a importância de ocuparmos espaço também no legislativo”, diz ela.

Foi em 2016 que Bella se tornou co-vereadora na capital mineira, em um mandato coletivo. Em 2020, se elegeu para vereadora e, no ano passado, para deputada estadual. Dez anos depois, apesar dos aprendizados que ela destaca daquela época, também acredita que muita coisa continuou a mesma no Brasil, mesmo após tanta luta.

“Os resultados dos protestos não foram muito efetivos. Se eu acho que eles expressaram desejo de ampliação da cidadania e dos direitos, não foi isso o que a gente assistiu. Eles eram sinônimo de uma crise muito grande, de uma insatisfação da sociedade. Mas foram uma escola de militância, com a influência das lutas sociais. Aquele foi um importante momento”, diz ela.

A vereadora Iza Lourença (PSOL), então com 19 anos, também esteve presente nas manifestações e chegou a ocupar a Câmara Municipal, assim como a deputada estadual Bella Gonçalves. Ela foi para as ruas motivada por um sentimento de que as prioridades no país precisavam ser invertidas. Iza Lourença lembra que na época estavam sendo feitos investimentos relacionados à Copa do Mundo, que seria sediada no Brasil no ano seguinte, e, por outro lado, havia uma série de reivindicações em outras esferas que mereciam atenção.

“Foi a primeira grande manifestação que eu participei. Havia uma indignação com o aumento da tarifa de ônibus, havia o desejo de melhorias na educação, na saúde, a ideia de que era preciso investir nos direitos da população”, diz ela.

Para a vereadora, daquela época dos protestos restou alguma herança que pesou para um lado não satisfatório, como o crescimento da militarização e o início de uma grande repressão policial. Por outro, também trouxe transformação de vida.

“Muita gente saiu engajada para construir diversos tipos de ações. Muita gente foi participar de lutas por moradias, por exemplo. A juventude que ocupou as ruas foi para diversos lugares. Naquela época, eu decidi que queria dedicar a minha vida às transformações políticas que eu queria ver no mundo. Aquelas manifestações fizeram com que eu ocupasse o cargo em que estou hoje. Foi ali que decidi que dedicaria a minha vida à luta por direitos”, conta.

A manifestação de 2013 foi o combustível que faltava para Gabriel Azevedo, atualmente vereador e presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, resolver se candidatar. “Eu participei com muitos amigos. Parei de ir quando os eventos começaram a descambar para violência. As reivindicações eram muito difusas e eu, talvez, era a parcela mais solitária que cobrava por reforma política. No entanto, as pautas de mobilidade urbana, transporte público, que nortearam muitos a participarem, sempre me foram preciosas. Elas me deram ainda mais coragem para pleitear o cargo político eletivo”, afirma o parlamentar, atualmente sem partido.

Azevedo comemora o fato de a capital mineira ter vereadores que participaram ativamente das jornadas de junho, mas pondera o fato de muitas pessoas terem se desiludido com a política. “Não adianta manifestar sem canalizar para a política institucional e, de fato, eleger representantes no poder Legislativo. Quando as ruas são ocupadas e não é canalizado, acaba se tornando torrente do populismo”. 

Cursando Administração Pública na Fundação João Pinheiro na época, a vereadora Marcela Trópia (Novo) foi uma das participantes das manifestações, no entanto parou de ir ao avaliar o cenário. “Quando os atos ganharam o tom antipolítico eu deixei de participar porque sentia que estava indo num caminho que não gostava, pois acredito que a política se resolva com a participação das pessoas”.

O desejo de lutar por um futuro melhor para o Brasil e a esperança de ver o sonho se tornar realidade motivou Marcela a ocupar as ruas. “Confesso que não gostava do governo à época, pois via que não ia no caminho da responsabilidade fiscal. Fui engrossar o caldo neste sentido”. Dez anos após as manifestações, a parlamentar em primeiro mandato avalia o momento como um “marco”. 

“Acredito que o que vivemos foi um marco superimportante para a gente despertar para a política, cobrar mais responsabilidade da classe política. Aquilo gerou mais cobrança em relação à transparência, aos gastos públicos. Infelizmente vimos nascer movimentos radicais de diferentes espectros e o fortalecimento do discurso antipolítica. Essas são consequências que precisamos superar”, finaliza.

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