A aposentadoria aliada à pandemia de coronavírus proporcionou a oportunidade tão esperada pelo ex-professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Juarez Dayrell, 77, de partir de Belo Horizonte e se mudar para um imóvel pertencente à família dele há cerca de duas décadas no distrito de Serra do Cipó, em Santana do Riacho, na região Central de Minas.
A promessa de horas mais sossegadas, contudo, durou apenas alguns meses e foi interrompida em dezembro de 2020 com a notícia da instalação de um loteamento imobiliário à porta de sua residência, no bairro Soberbo. O novo empreendimento proposto à prefeitura do município prevê a construção de 187 lotes, de 360 m² cada, o que significaria a chegada de, aproximadamente, mais 530 moradores ao distrito, o equivalente a 25,68% da população local.
Hoje, a entrada para o bairro Soberbo, onde se pretende instalar o novo loteamento, se dá por meio de uma única ponte de madeira. Vias estreitas no acesso à rua Lobeira também despertam preocupação por parte dos moradores do bairro. “Para chegar aqui, o único acesso são ruas muito apertadas. Esse loteamento iria ocasionar todo um problema de trânsito”, cogita o morador Juarez Dayrell.
A instalação de um loteamento imobiliário de tamanhas proporções suscita também preocupação sobre a relação entre a construção e a necessidade de preservação ambiental da serra do Cipó. A ausência de uma investigação minuciosa sobre os impactos ambientais decorrentes do loteamento está entre os questionamentos feitos pelo Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente (Codema) à empresa responsável.
Estudo genérico
Segundo a Prefeitura de Santana do Riacho, o estudo inicialmente apresentado não previa as áreas verdes a serem mantidas para um equilíbrio ecológico no espaço urbano.
“Assusta a ausência de área verde no interior do loteamento. A supressão de espécies para construções é normal desde que haja compensação, mas é necessário elaborar sobre o meio ambiente, trabalhar melhor o controle de erosão, por exemplo. A própria drenagem pluvial do loteamento não está clara. O relatório é muito genérico”, avalia Bernardo Machado Gontijo, professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mesma inquietação é partilhada por Joelma Rosa de Souza Kloser, líder comunitária de Santana do Riacho. “O Codema, que é quem dá a licença para o empreendimento, não forneceu a aprovação. Uma preocupação nossa é que o rio Cipó está sofrendo muito com o assoreamento, e, a cada poço artesiano furado, aumenta-se o impacto. Por ora, não acredito que nós tenhamos estrutura para o loteamento”, conclui.
Crescimento populacional súbito é outra preocupação
Segundo o professor da UFMG, a ocupação rápida e desmedida do loteamento também é problemática. A análise feita pelo grupo à frente do empreendimento prevê que o loteamento seria entregue nos próximos dois anos, em 2023, e, a partir daí, receberia uma ocupação anual em torno de 5% – significa que a plena ocupação do loteamento aconteceria apenas em 2037, com um número máximo de 526 moradores, segundo o documento.
Entretanto, o crescimento lento da população não parece real para o pesquisador. “A previsão feita é para lá de otimista. Considerando o interesse pela região, acredito que em até dez anos chegaríamos à ocupação máxima, seria muito mais rápido que o imaginado, e isso traz uma série de problemas”, pondera.
Empresa promete rever o projeto
A reportagem de O TEMPO entrou em contato com um representante do grupo à frente do loteamento. Por telefone, ele citou que o projeto não foi aprovado e os responsáveis prometeram alterá-lo para oferecer respostas aos questionamentos dos órgãos de meio ambiente ligados à Prefeitura de Santana do Riacho e da própria população local.
O secretário de Agricultura e Meio Ambiente do município, Diego Cirino, esclareceu que a delimitação dos 187 lotes em questão não infringe o Plano Diretor de Santana do Riacho e detalhou que o projeto foi barrado por outros pontos levantados pelo Codema.
“A lei do município para aquela zona da cidade permite que haja esse número de lotes, não é irregular. Então foi feita a primeira proposta pelo empreendedor, e está em processo de avaliação. Um erro dos responsáveis foi que eles não esperaram os caminhos naturais para procurar o Codema depois que a prefeitura fornecesse o parecer sobre o projeto. Ou seja, eles se anteciparam e acabaram barrados por pontos técnicos levantados”, disse Cirino.
Descarte do lixo seria um dos desafios
O distrito de Serra do Cipó possui um centro de saúde, uma creche e duas instituições públicas de educação, conforme a análise feita no Estudo de Impacto de Vizinhança do projeto. Carências no transporte coletivo e no fornecimento de água e de energia elétrica são algumas das queixas feitas pelos moradores. Esses fatos ressaltam o receio deles em relação a outros impactos que o novo empreendimento poderá causar.
“A educação é precária, não temos um bom saneamento básico ou sistema de transporte. Imagine o impacto de um crescimento desses aqui dentro? Há problemas em todas as esferas que pensarmos. Uma delas, por exemplo, é a questão do lixo. Como lidaríamos com esse descarte? Além disso, nossa luz é precária, aqui não tem estrutura para tal”, relata a líder comunitária Joelma Rosa de Souza Kloser.