Realidade

Falta verba, sobra disposição

Funcionários do Hospital São Francisco de Assis se empenham para contornar situação financeira

Por Luciene Câmara
Publicado em 17 de julho de 2016 | 03:00
 
 
 
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Na portaria do Complexo Hospitalar São Francisco, na unidade Concórdia, na região Nordeste de Belo Horizonte, uma placa na parede informa que ali o atendimento é 100% destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Logo abaixo, um quadro do santo que dá nome ao local parece sustentar o aviso. A imagem e as orações se multiplicam pelos corredores, mas nem só de fé vive o São Chico. Estratégias de gestão, campanhas de doação de dinheiro e de produtos, empréstimo de materiais entre hospitais e, principalmente, muita dedicação dos profissionais têm mantido a entidade e driblado a falta de verba pública.

Um exemplo foi a festa julina organizada na semana passada, que atraiu 25 funcionários das unidades Concórdia e Santa Lúcia, todos candidatos ao posto de rei e rainha da pipoca. Ganhava quem conseguisse arrecadar mais produtos para o complexo, como materiais de limpeza e escritório. Desde 2014, quando o São Francisco voltou a ter déficit nas contas, uma das primeiras medidas foi economizar papéis higiênico, toalha e A4, para priorizar a compra de medicamentos e outros materiais essenciais.

A paciente Vera Lúcia Araújo Souza, 50, em tratamento há seis meses contra um câncer, disse que não faltam médico e remédio, mas teme pegar uma infecção diante da escassez de produtos de limpeza. “Minha imunidade é praticamente zero, e não tem álcool gel nem sabonete nos banheiros”, disse. A aposentada Aristéia Maria Santana, 64, que se recuperava de uma crise no coração, disse que, apesar dessa carência de produtos de higiene, prefere o São Chico a um hospital público. “Quando internei, a Central de Vagas ia me mandar para outro local, mas pedi a Deus para vir para cá, fico mais segura”, contou.

Outra saída para driblar a crise foi lançar campanhas de doação. São arrecadadas cadeiras de rodas e de banho, fralda geriátrica, materiais de escritório e de limpeza, alimentos perecíveis e não perecíveis, itens de higiene pessoal etc.

As relações. Funcionários e pacientes ajudam a divulgar as ações e também fazem doações entre si. No dia em que a reportagem visitou o hospital, a técnica de enfermagem Denise Araújo Alves, 35, tinha ganhado couve de um paciente. “Aqui há muito carinho entre todos, dá gosto de trabalhar. Eu trabalhava aqui quando o hospital fechou em 2009, não quero ver isso de novo”, afirmou. Assim como ela, muitos funcionários vestem a camisa do São Chico.

A solidariedade também se estende na relação entre hospitais. “Estamos conseguindo contornar a falta de medicamentos. Mas quando acontece, pegamos emprestado com outro hospital, depois devolvemos”, relatou o superintendente jurídico, Roberto Otto. 

Como doar

Apoio. Além da doação de materiais, o Complexo Hospitalar São Francisco tem também uma conta disponível para depósito em dinheiro: Banco do Brasil; agência 1614-4; conta corrente 10736-0.

Histórico

Gestão. Após a intervenção no São Chico, foi criada a Fundação Hospitalar São Francisco de Assis, que assumiu a administração. De 2011 a 2013, houve um superávit financeiro. Em 2014, com a falta de reajuste nos acordos e nos valores do SUS, o déficit foi de R$ 644 milhões e, em 2015, de R$ 7 milhões. O orçamento anual é de R$ 89 milhões.

Expansão. Com a fundação, o número de funcionários passou de 420 para 1.209, e o de leitos, de 218 para 326. O hospital é referência em oncologia, cardiologia, ortopedia e hemodiálise, e atende 408 municípios de MG. Os pacientes são encaminhados pela Central de Vagas de BH. 

Compromisso

‘Não vamos fechar as portas’

Se depender da atual gestão do Complexo Hospitalar São Francisco, o fechamento das portas não é algo que irá se repetir na história da instituição. Segundo o superintendente geral, Helder Avelino Yankous Santos, o que está em discussão no momento não é o encerramento das atividades mas sim, a falência do sistema de saúde pública como um todo.

Mesmo com a falta de repasses e de reajustes, o objetivo é manter as atividades e cobrar mudanças nos acordos. Um estudo sobre a possibilidade de diminuição de alguns serviços está em andamento no hospital.

No mês passado, o Ministério Público de Minas Gerais informou que, se não houver uma suplementação de valores para os hospitais, haverá um “apagão” na saúde até setembro, com fechamento de várias alas, especialmente de média e alta complexidades. O secretário de Estado de Saúde, Sávio Souza Cruz, anunciou que levará ao governo federal o pleito de revisão dos critérios de repasse de recursos.

De 2010 a 2015, 24 mil leitos foram fechados no Brasil, sendo 3.241 em Minas. No último dia 6, o Hospital Risoleta Tolentino Neves, na capital, suspendeu a clínica pediátrica, que fazia cerca de 800 atendimentos por mês. O motivo, segundo a entidade, foi a falta de reajustes nos valores dos serviços. (LC)

Alternativa

Hospitais tentam se reinventar na crise

Quando se fala em crise nas instituições filantrópicas de saúde, gestores e demais profissionais da área logo citam o Hospital da Baleia como exemplo de entidade à beira de um colapso. A superintendente geral, Simone Libânio, admite problemas de toda ordem e disse que aposta em uma reconfiguração dos serviços para sair do vermelho.

“Estamos com um modelo de reconfiguração de modo que possamos ampliar participação de procedimentos mais rentáveis, como os pagos por convênios. Estamos também ampliando a divulgação para o setor privado, sem comprometer o SUS”, disse Simone.

Atualmente, o hospital dedica cerca de 90% de seu atendimento ao SUS. Para ter imunidade tributária, essa margem tem que ser de ao menos 60%. Uma campanha de doação com a rede de supermercados EPA também é esperança de salvar o Baleia. Quem quiser ajudar pode fazer doações na conta do hospital: Caixa Econômica Federal, agência 0092, operação 03, conta 503027-3. (LC)

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