Belo Horizonte

Família alega que Santa Casa quis registrar morte de avó por Covid sem testá-la

Família de Alzira Pereira Lima, 90, denunciou que o hospital tentou registrar Covid-19 como causa da morte no laudo sem testá-la; Santa Casa esclarece que resultado demorou a sair

Por Lara Alves
Publicado em 26 de junho de 2020 | 07:48
 
 
 
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Com um câncer de mama em estado de metástase recém-descoberto, Alzira Pereira Lima, 90, acabou internada no sábado (20) em uma ala da Santa Casa de Belo Horizonte destinada a tratamento de pacientes diagnosticados com coronavírus. Ela morreu no dia seguinte, após problemas para respirar e queixas de dores no corpo. Familiares denunciaram nessa quarta-feira (24) que o hospital tentou preencher “Covid-19” no campo de causa da morte no laudo de óbito.

Em um vídeo publicado no Instagram, a neta de Alzira, Nathalia Assis, declara que a unidade de saúde não submeteu a avó a um exame para coronavírus no período em que ela permaneceu internada. A estudante garante que a família precisou acionar a Polícia Militar para que o hospital testasse a avó após a morte. O diagnóstico, segundo ela, deu negativo para Covid-19 e o laudo finalmente pôde ser emitido com câncer como causa do óbito.

Procurada, a Santa Casa de Belo Horizonte esclareceu que a paciente deu entrada no hospital com quadro de dispneia, que é falta de ar, e a equipe médica respeitando os protocolos determinados a encaminhou para a unidade de isolamento respiratório onde a submeteram a um teste para Covid-19. De acordo com a unidade de saúde, a morte aconteceu antes da emissão do resultado do exame.

“Foram adotadas as medidas de segurança indicadas pelos órgãos de saúde, em seus protocolos de manejo, para caso de falecimento ocorrido nas áreas de isolamento respiratório. O laudo do teste com resultado negativo foi emitido posteriormente, às 18h45”, declarou a unidade através de nota – leia abaixo na íntegra. O setor de comunicação da Santa Casa pontuou que o protocolo para tratamento do corpo pôde ser alterado após o exame, permitindo que a família se despedisse em um funeral que respeitasse as condições normais.

Entenda

O desespero da família de Alzira começou ainda no sábado passado quando ela compareceu à emergência da Santa Casa de Belo Horizonte queixando-se de dificuldade para respirar e dores no corpo. Nathalia esclarece que a avó havia sido diagnosticada há cerca de dois meses com câncer em estado metastástico, que acontece quando o tumor se espalha por outros órgãos do corpo. A dificuldade para respirar seria uma das consequências da doença que também tinha atacado o pulmão, segundo tomografias feitas na semana da internação.

Apesar deste quadro, a neta conta que o hospital insistiu para internar a avó em uma ala destinada a tratamento de pacientes infectados com o coronavírus por questões de protocolo. “Nós entendemos que o protocolo do hospital era levá-la para essa ala de Covid-19, não concordamos, mas entendemos que este é um protocolo do hospital. Entendemos também que era uma ala com cuidados específicos e uma infraestrutura muito boa. Então, ela ficou”, começa a contar.

Familiares retornaram para o hospital no dia seguinte (domingo, 21) e descobriram que a avó havia falecido. De acordo com Nathalia, a discussão com hospital aconteceu logo no início do luto quando os parentes descobriram que a unidade de saúde queria lançar “Covid-19” no laudo de óbito de Alzira sem que ela houvesse sido testada.

“Nós recebemos a notícia de que o laudo dela viria com Covid-19 porque ela tinha sido internada na ala para pacientes com coronavírus. Nós discutimos com a Santa Casa e chamamos a polícia no local. Depois disso conseguimos acessar o prontuário e minha avó não tinha sido submetida a um teste de Covid-19. Nós questionamos: por que um paciente que não foi submetido a teste de coronavírus, entraria para a estatística de Covid-19? A intenção do hospital era colocar Covid-19 no laudo da minha avó”, denuncia.

Ela relata que os sintomas respiratórios da avó eram justificados por outros exames feitos antes da internação e que apontavam para a metástase no pulmão. Após uma discussão com o hospital, a unidade de saúde cedeu, segundo Nathalia, e testou a avó depois dela ter falecido. “Graças à nossa discussão e o enfrentamento junto com o hospital, ela não entrou na estatística. Brigamos com o hospital e adquirimos o direito, mesmo após a morte, de que fosse feito um teste que apontou negativo para coronavírus”, declara.

De acordo com a neta, pouco mais de duas semanas antes da internação, a avó já tinha passado por um exame para detectar infecção pelo novo coronavírus. “Nós a levamos na UPA da Domingos Vieira (região Centro-Sul de Belo Horizonte) há cerca de 20 dias e testaram ela para o Covid-19, o exame deu negativo. Ainda naquele dia ela chegou a ser transferido para a Santa Casa, ficou internada no CTI. Foi quando fizemos os exames complementares do câncer. Um ou dois dias depois ela foi liberada. Ela chegou com esses exames em mãos quando procurou a urgência do hospital no sábado”, detalha.

A família de Alzira Pereira Lima ainda não sabe se denunciará a Santa Casa de Belo Horizonte. “É um processo muito doloroso e não sei se queremos passar por todo esse conflito sendo que as coisas foram resolvidas. Mesmo que o hospital a princípio tenha dito que colocaria Covid-19 no laudo, no fim das contas o documento saiu certo. Nós publicamos o vídeo (no Instagram) para alertar pessoas que têm pacientes internados”, comenta Nathalia.

Para ela e outros familiares, um dos grandes problemas de que o laudo saísse errado é que não poderiam velar a avó. “Eles não levam em conta a dor da família que não pode velar o doente. Quando um paciente entra na estatística de morte por coronavírus sem ter a doença, é retirado da família o direito de velar, o direito ao luto”, conclui.

Leia na íntegra a nota do Grupo Santa Casa BH:

A Santa Casa BH esclarece que a paciente Alzira Pereira de Lima, de 89 anos, deu entrada no hospital, no dia 20 de junho de 2020, com quadro de dispneia (falta de ar). Conforme os protocolos adotados pela instituição, de acordo com orientações do Ministério da Saúde, a senhora foi encaminhada para a unidade de isolamento respiratório e feito o teste molecular qualitativo Sars-cov2 (rt-pcr) – exame aplicado a todos os casos de problemas respiratórios, que podem ser Covid-19. Mesmo já tendo apresentado um teste antigo com resultado negativo.

Porém, a paciente veio a óbito às 14h, do dia 21 de junho de 2020, antes da emissão do resultado do exame. E foram adotadas as medidas de segurança indicadas pelos órgãos de saúde, em seus protocolos de manejo, para caso de falecimento ocorrido nas áreas de isolamento respiratório. O laudo do teste com o resultado negativo foi emitido posteriormente, às 18h45.

Com o resultado do exame foi descaracterizada a suspeita de Covid-19, permitindo alterar o protocolo de tratamento do corpo, disponibilizando para a família realizar o funeral em condições normais.

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