Minas

Igreja em Brumadinho acolhe desabrigados das chuvas; conheça algumas histórias

Local ainda abriga mais de 30 pessoas que não conseguiram retornar para suas casas em decorrência da cheia do Rio Paraopeba, no dia 8 de janeiro

Por Manuel Marçal
Publicado em 22 de janeiro de 2022 | 14:39
 
 
 
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O Santuário Nossa Senhora do Rosário no bairro Santa Cruz, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, ainda abriga mais de 30 pessoas que não conseguiram retornar para suas casas em decorrência da cheia do Rio Paraopeba, no dia 8 de janeiro.

Após três semanas da enchente, a prefeitura de Brumadinho ainda contabiliza 1560 pessoas desalojados e 141 pessoas desabrigadas. A chuva passou, mas os efeitos da enxurrada não. O rio deixou um rastro de destruição pela cidade. Casas foram alagadas e invadidas por lamas e centenas de pessoas ficaram desabrigadas.  Desde aquele dia, a igreja passou a abrigar cerca de 70 pessoas, entre crianças, idosos e famílias inteiras. Atualmente são 36 pessoas desalojadas que fazem morada.

Dom Vincente Ferreira, 51, tem mobilizado ajuda para arrecadas doações para os desabrigados.  "É uma força de amor que temos e de solidariedade. É uma alegria servir a comunidade".

O presbítero que é um espaço destinado a celebração de missas no município foi transformado em abrigo, os assentos foram retirados para dar lugar a colchões. O salão de reuniões da paróquia foi transformado em estoque para abrigar cestas básicas e materiais de limpeza. Além disso, os quartos da casa paroquial estão ocupados, encima das camas e beliches crianças e adultos revezam espaço para pequenos pertences.

Em um cenário organizado e menos turbulento que dos primeiros dias, o líder religioso não esconde sua insatisfação. "O sentimento é de indignação de um lugar já tão afetado pela mineração. Essa enchente foi diferente das demais, porque é uma lama, uma lama tóxica. O rio foi assoreado pela atividade de mineração na região", conta.

 

Novo recomeço

Amassando as batatas em uma panela grande, para preparar um purê, e com olhar compenetrado na tarefa para o almoço, Rosane Maria de Jesus, 51, prefere ocupar a mente na cozinha do que recordar da dor que sentiu ao ver casa sua casa invadida por água e lama.

Mais conhecida Neneca por seus vizinhos, ela é uma das voluntárias em Brumadinho e cozinha para as famílias que, assim como ela, ainda não podem voltar as suas casas. "É uma sensação boa de ajudar, porque eu também estou sendo muito, mais muito ajudada", conta sorridente. Mas se tiver que ser pulso firme, ela logo muda o meu temperamento. "Olha, eu sou meio brava. Tento colocar ordem na bagunça", gargalha. 

Como voluntária, ela ficou responsável por organizar as refeições: café da manhã (6h às 9h) , almoço (12h às 14h), café da tarde (16h) e janta (19h). Ela levanta todo dia às 5h da manhã. "Passo dia todo praticamente na cozinha. É o que sei fazer e o com que eu posso colaborar". 

Na primeira semana chegou a cozinhar para cerca de 70 pessoas. A maçã do rosto marcada de vermelho é sinal de quem muito tem trabalhado.

Cozinheira há três anos, ela abriu um pequeno restaurante em casa onde vendia refeições no bairro. Por isso, conta satisfeita que continua fazendo aquilo que lhe dá prazer. "Eu prefiro estar aqui, me entretendo, fazendo o que gosto, do que estar na minha casa e ver ela destruída, vendo as máquinas limpando a rua e arrancando tudo. É muito triste", revela. Uma irmã e os filhos de Neneca seguem na tarefa árdua de limpar a casa dela para retirar a lama. 

Ela mora no bairro Santo Antônio, na rua República do Chile, em Brumadinho. Neneca conta que literalmente nasceu na casa e que nunca se mudou de lá. Há 51 anos residindo no mesmo local, enfrentou e superou outras 10 enchentes e atualmente mora nem uma casa de dois andares com dois dos três filhos. "A casa da gente é a casa da gente, apesar que Dom Vicente nos acolheu muito bem", comenta sobre a sensação de ficar tantos dias fora.

Neneca disfarça com um sorriso a realidade do que sente. Desde aquele sábado, 8 de janeiro, ainda não chegou a pisar em sua casa. "Prefiro não ficar vendo. Nos primeiros dias eu não conseguia dormir, fechava os olhos e vinham todas aquelas cenas na cabeça. Então, à frente da cozinha, eu canso meu corpo, deito às 10 da noite e apago", narra. "Cozinhar aqui para mim é o essencial, meu filho. O que está me salvando é a cozinha", conclui.

Ela pica os legumes e vai colocando os ingredientes nos panelões sobre o fogão industrial, para o almoço deste sábado, o cardápio foi: arroz, feijão, purê de batata, pernil e batata.

CADA UM AJUDA COMO PODE

A área externa do santuário está bem conservada: grama cortada, jardins aparados e galhos das árvores podados. Quem esteve à frente desse trabalho foi Anilton Dias da Silva, 30 anos, que também está abrigado no Santuário Nossa Senhora do Rosário. "Fiz isso sem ninguém me pedir, é uma forma de retribuir pelo tanto que estamos sendo ajudados aqui", narra na medida em que faz barba.

Anilton nasceu no Piauí e se mudou para Brumadinho há quatro meses em busca de emprego. Atualmente, ele trabalha em uma obra e vive em barracão com um amigo no Rua Argentina, localizada no Recanto do Rio, e perdeu pertences do início do mês.

Aguardando a chegada da esposa e do filho, do Piauí,  neste sábado, 22, o piauiense conta que ganhou alguns eletrodomésticos e objetos de pessoas da região e, pretende recomeçar a vida com mais esperança.

MÃE DE OITO FILHO AINDA NÃO SABE COMO REERGUER UM NOVO LAR

Em baixo de uma mangueira, Luciene Cruz, 32, coloca roupas e toalhas para secar no varal ao mesmo tempo em que mantém um olhar sereno para às crianças que brincam ao redor. A dona de casa e mãe de oito filhos, sendo a mais velha Emanuelle, de 15 anos, Miguel, quatro meses. Ela e o marido Marcus Santiago perderam a casa durante a inundação em Brumadinho. 

O Rio Paraopeba invadiu a rua Antônio Moreira do Carmo e, a casa de Luciene, foi uma entre dezenas que sumiram em meio a inundação. "Encobriu nossa casa toda. Passou água 1,5m acima do teto", relata.

 

 

Como morava de aluguel, entregou imóvel. "O que sobrou está pra lá, estragado. Não sobrou nada". 

Ela chegou a guardar comida, roupas e cobertores no alçapão da casa. Mas não adiantou. "A água comeu tudo", contou.

Luciane recorda que conseguiu salvar os documentos filhos, mas lamenta. "É uma situação muito ruim, as coisas que batalhamos para conseguir e perdê-las assim".

Se sentindo grata por ter a família abrigada no Santuário Nossa Senhora do Rosário, em Brumadinho, ela tem procurado ajudar na limpeza do local. 

Sem saber como fazer daqui para frente, Luciane disse que quer ficar no local o menor tempo possível, mas que ainda não encontrou uma perspectiva. "Eu e meu companheiro estamos batalhando para recomeçar".

Além disso, Dom Vicente Ferreira relata que está procurando ajuda para conseguir uma novo lar para Luciene e sua família.

 

Reparo de danos
 

A prefeitura de Brumadinho informou em nota que vai enviar um projeto de lei para a Câmara Municipal para oferecer um auxílio emergencial de R$4 mil para compra de materiais de construção para quem teve a casa invadida pela lama. Além disso, irá fornecer vale gás de R$120 e um auxílio alimentação de R$ 800. O projeto ainda está em fase de elaboração e deve ser encaminhado para os vereadores no final do mês.

A prefeitura de Brumadinho informou ainda que está fazendo a retirada de lama da casas e ruas, distribuindo alimentos, água e leite para os abrigos e quando solicitados por alguma família.

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